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Desmatamento na Amazônia em julho cai mais nas cidades em que as Forças Armadas não atuam

O Globo - https://oglobo.globo.com/brasil/
16 de Ago de 2021

Desmatamento na Amazônia em julho cai mais nas cidades em que as Forças Armadas não atuam
Segundo levantamento do projeto Fakebook.eco, com base em dados do Inpe, queda foi de 2,6% nas 26 cidadades nas quais ocorre a Operação de Garantia da Lei da Ordem, e de 17,3% nos municípios fora de lista de prioritários

Raphaela Ramos
16/08/2021

RIO - A área sob alerta de desmatamento em julho nos 26 municípios da Amazônia nos quais as Forças Armadas realizam a Operação de Garantia da Lei da Ordem (GLO) ficou praticamente igual ao patamar do mesmo mês em 2020. A queda foi de 2,6% nesses locais, enquanto nas cidades fora da lista oficial de regiões prioritárias a redução foi quase sete vezes maior, de 17,3%. As informações são de um levantamento do Fakebook.eco, com base em dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Considerando todos os municípios da Amazônia Legal, a queda foi de 9,7%. A GLO deste ano é a terceira do governo de Jair Bolsonaro. Segundo o vice-presidente Hamilton Mourão, cerca de três mil militares participarão da ação, que começou em 28 de junho e deve seguir até 31 de agosto, podendo ser prorrogada.
Diferentemente das duas primeiras, dessa vez a GLO é focada em 26 cidades específicas, em quatro estados: Amazonas, Mato Grosso, Pará e Rondônia. O custo é de cerca de R$ 50 milhões, segundo Mourão.
- Os números reforçam que a GLO não está resolvendo o problema. Já é a terceira vez que estão tentando realizar esse tipo de operação e já está muito claro que ela gasta muito dinheiro e não resolve. Essa presença maciça de militares na região não é solução para o desmatamento nem para outras infrações ambientais - afirma Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), sobre o resultado da pesquisa que envolveu ainda o Observatório do Clima, Greenpeace, ClimaInfo e Agromitômetro.
Ela explica que os militares podem e têm ajudado historicamente com apoio quando o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) avaliam ser necessário, mas afirma que "quem sabe fazer operações de fiscalização ambiental na Amazônia" são os órgãos ambientais:
- Os militares podem atuar como apoio, mas não podem estar organizando tudo, pois não têm expertise. O que estão fazendo lá é gastar dinheiro - afirma Araújo.
Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, avalia que a "estratégia de dissuasão" adotada pela GLO, na qual um grande contingente militar é colocado em determinado ponto em um município, não é suficiente. Ele explica que quando a fiscalização está numa frente, os infratores atuam em outra e destaca que "estamos falando de criminosos profissionais".
- A estratégia do exército, posicionando a base em um município que é do tamanho de um estado, não é mais suficiente. É preciso combate efetivo, com sobrevoo constante, monitoramento por satélite, várias frentes de deslocamento de equipes por terra para promover flagrante. O exército atua de forma barulhenta, quando vai abastecer os veículos para ir a campo, todos sabem que no dia seguinte terá blitz. Essa ostensividade não tem a eficiência de equipes do Ibama, por exemplo, que agiam com inteligência especializada. - afirma.
OGLOBO pediu um posicionamento do Ministério da Defesa e da Vice-Presidência da República, mas não teve resposta até o momento.
Desmatamento 'altíssimo' em julho
Bocuhy avalia que o índice de devastação na Amazônia em julho foi "altíssimo". Foram 1.498 km² sob aviso de desmatamento no bioma, de acordo com o sistema Deter, do Inpe. Segundo especialistas, os números indicam que o desmatamento anual, medido de agosto de um ano a julho do seguinte pelo Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal (Prodes), deve se manter na casa dos 10 mil km² este ano. Enquanto o Deter é um sistema de alertas para apoiar a fiscalização, o Prodes é divulgado mais tarde e costuma superar seus índices, por ser mais preciso.
- O índice do mês passado mostra que o sistema de fiscalização na Amazônia adotado hoje não está funcionando a contento. Para atingir o que foi estipulado no Acordo de Paris temos que limitar a 3 mil km² por ano de desmatamento, até zerar, e temos tido nos últimos anos 10 mil km² por ano. É três vezes mais do que poderia ser aceitável - destaca Bocuhy. - Se houvesse redução da ordem de 70%, eu diria que estamos entrando naquilo que era previsto.
No início do mês, Mourão afirmou que a redução no desmatamento anual da Amazônia "provavelmente" ficaria entre 4% e 5%, o que classificou como "muito irrisória". Anteriormente, ele havia dito que a meta da nova operação era que a taxa anual tivesse uma queda de 10% a 12%.
Ainda segundo o levantamento, em julho deste ano houve aumento de 214% da área sob alerta de degradação - remoção parcial da floresta - nos municípios em que os militares atuam, em comparação com o mesmo mês em 2020. No resto da Floresta Amazônica, a degradação caiu 55%.
Queda nas multas do Ibama
O levantamento do projeto também aponta que o Ibama aplicou apenas 60 autos de infração por crimes contra a flora nas 26 cidades nas quais ocorre a GLO. O número representa uma queda de 29,4% em relação ao mesmo período no ano passado. Nos demais municípios, a redução foi de 55,6%.
Rômulo Batista, porta-voz da campanha Amazônia do Greenpeace, afirma que houve um aparelhamento do Ibama, assim como de outros órgãos como ICMBio e Fundação Nacional do Índio (Funai), com funcionários de carreira sendo substituídos por "homens de confiança" do presidente ou do ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, "que nada entendem de combate ao desmatamento na Amazônia".
- Outro problema é a dotação orçamentária, que vem sendo cortada ano a ano. O Ibama não tem concurso há muito tempo. E nos últimos dois anos o governo usou a estratégia de levar os militares para a Amazônia, enquanto os números mostram que é uma grande cortina de fumaça para deixar o grileiro, o pecuarista desmatar, as invasões às terras indígenas e áreas de conservação continuarem - afirma Rômulo Batista, porta-voz da campanha Amazônia do Greenpeace.
Combate ao desmatamento
Entre as ações necessárias para combater o desmatamento, especialistas afirmam que, além da reestruturação dos órgãos ambientais, é necessária a retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), considerado como importante ferramenta na redução do desmate no passado, e do Fundo Amazônia.
Relatório do Observatório do Clima apresentado em audiência pública em outubro de 2020 aponta que o fundo, criado para financiar projetos de redução do desmatamento e fiscalização, tem cerca de R$ 2,9 bilhões parados desde 2019.
Batista também defende o aumento das penas para crimes ambientais, uma "moratória", com proibição de qualquer tipo de desmatamento na Amazônia por cinco anos, e a retomada da demarcação de territórios indígenas e criação de unidades de conservação.
- Temos centenas de pedidos de demarcação de terras indígenas parados. Também é necessária a implementação desses territórios que foram criados - afirma o porta-voz do Greenpeace.

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