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Desmatamento destrói até 92 por cento no entorno de terras indígenas na Amazônia

FSP - https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2023/09/
19 de Set de 2023

Desmatamento destrói até 92% no entorno de terras indígenas na Amazônia
Áreas ocupadas por povos originários viram ilhas verdes e são barreira contra supressão crescente da floresta

Cristiano Martins
Nicholas Pretto
Augusto Conconi
19.set.2023 às 23h15

Uma área equivalente a 278 mil campos de futebol, maior que a capital de São Paulo e que 96% das cidades do Sudeste. Esse é o tamanho da superfície desmatada numa faixa de 10 km no entorno imediato da Terra Indígena Karipuna, entre os municípios de Porto Velho, Nova Mamoré e Buritis, em Rondônia.

O desaparecimento de três quartos da floresta em volta contrasta com a natureza quase intocada dentro da demarcação. A pressão, no entanto, ultrapassa as cercas. Na última década, invasões para grilagem e extração ilegal de madeira multiplicaram a devastação interna de 6 km² para 71 km² (cerca de 5% da área).

O caso Karipuna é um entre muitos exemplos da ameaça crescente ao redor dos territórios indígenas na Amazônia, mostra análise da Folha. No alvo da votação sobre a tese do marco temporal, a ser retomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta quarta-feira (20), essas reservas são algumas das últimas barreiras ao avanço do desmatamento.

O desmate já supera metade da vegetação nativa no entorno de 36 unidades alcançadas pela fronteira agrícola da Amazônia, e chega a 92% nas bordas da reserva Sororó, em São Geraldo do Araguaia (PA). Os cálculos consideram uma distância de 10 km para fora dos limites de cada terra indígena.

Baseada nos dados oficiais do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) até 2022, a análise indica o solo indígena como a categoria fundiária mais preservada da Amazônia.

As 327 áreas ocupadas por povos originários representam um quarto do bioma e só perderam 1,5% da vegetação primária. Enquanto isso, a supressão já é de 24% no restante da região.

Com a expansão das atividades agropecuárias e ocupações urbanas em direção à floresta, muitos desses territórios se tornaram verdadeiras ilhas verdes, cercadas principalmente por pastagens e lavouras. Garimpo, exploração madeireira e grilagem são outros vetores de pressão.

Especialistas alertam que a aceleração do desmatamento estimulada pela insegurança jurídica e pela fragilização das garantias de proteção do Estado pode reverter o cenário de conservação ambiental nas áreas indígenas, com graves consequências no contexto da crise climática.

"Temos um passivo de demarcação no Brasil. Hoje, quem faz a defesa territorial são muitas vezes os próprios povos, colocando suas vidas em risco e em muitos casos morrendo por causa dessa disputa", diz Martha Fellows, coordenadora do núcleo de estudos indígenas do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).

A ameaça escalou nos últimos tempos, notadamente entre 2019 e 2022, sob o governo Jair Bolsonaro (PL), quando procedimentos de delimitação e regularização foram paralisados. A devastação ao redor dos territórios no período (6.216 km²) aumentou 66% na comparação com os quatro anos anteriores.

Em termos proporcionais, a destruição mais expressiva se deu em volta da reserva Karipuna, com 14% do desmatamento registrado nesse intervalo mais recente.

O aumento da pressão externa refletiu em taxas alarmantes no interior dos territórios, ainda que em menor escala. A área desmatada nos anos da gestão Bolsonaro (1.604 km²) corresponde ao triplo do período anterior e a 10% de toda a supressão registrada dentro das reservas.

"É algo diretamente relacionado à leitura política, ao respaldo que o governo dava para esse tipo de atividade. Quando o presidente fala que não vai demarcar nenhum centímetro, isso é um recado para as pessoas invadirem", afirma a pesquisadora.

Os dados sugerem que o nível de proteção legal pode inibir ataques. No geral, as taxas de desflorestamento são maiores nos territórios em estágios menos avançados do processo regulatório, que vai da fase de estudo à homologação e regularização pelo governo federal.

Um exemplo é a terra Ituna-Itatá, localizada entre Senador José Porfírio (PA) e Altamira (PA).

Ainda na etapa de avaliação, a unidade está protegida por uma portaria de restrição do uso, resolução que deveria ser suficiente para garantir a proibição da entrada de pessoas estranhas aos quadros da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).

Ainda assim, o território virou alvo de invasões e crimes ambientais, em especial o garimpo. A porção da floresta destruída na reserva disparou de 2% para 17% apenas entre 2018 e o ano passado.

Outro caso emblemático é o das terras vizinhas Sororó e Tuwa Apekuokawera. Regularizada em 1983, a primeira mantém um baixo desmatamento (5%) em meio ao entorno mais pressionado da região. Já a segunda, delimitada e aguardando demarcação desde 2012, vive situação oposta, com 96% da área devastada.

Estudo recente do Ipam concluiu que uma eventual escalada do desmatamento em terras indígenas ameaça o equilíbrio climático do Brasil. Os territórios na Amazônia formam um estoque de 55 bilhões de toneladas de carbono, o equivalente a 26 anos de emissões brutas do país em gases de efeito estufa.

Os pesquisadores também calcularam o "efeito ar-condicionado" da floresta. Em média, áreas indígenas apresentam temperatura 2oC mais baixa que as não protegidas, com a diferença chegando a 5oC no entorno do Parque do Xingu (MT). Já a evapotranspiração (processo de devolução da umidade para a atmosfera, base para a formação de nuvens) é 9% maior que nas áreas externas.

"Além de outros efeitos, a queda na preservação pioraria as condições para o próprio agronegócio, pois grande parte da produção de commodities não é irrigada, depende da chuva", diz a especialista.

Segundo levantamento da Folha, o marco temporal ameaça a posse de indígenas sobre ao menos 24% dos territórios na Amazônia Legal. A proporção chega a 36% no país.

A tese em julgamento define que os povos têm direito de ocupar apenas terras que habitavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988, data da Constituição. O placar no STF está em 4 a 2 contra o marco.
Metodologia

A análise da Folha usou dados do sistema Prodes, do Inpe. O sistema considera como desmatamento a supressão da vegetação nativa e registra somente as áreas desmatadas com extensão superior a 6,25 hectares. A série histórica vai até outubro de 2022.

O cálculo das proporções desmatadas se baseia na área total dos territórios. Foram utilizados o recorte do bioma amazônico delimitado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e os limites das terras indígenas definidos pela Funai.

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