Desmatamento ameaça nascentes

Desmatamento ameaça nascentes
Área de cerrado equivalente a 500 campos de futebol é destruída, em Planaltina de Goiás, para dar lugar a uma plantação de soja

Renato Alves
Da equipe do Correio

O rio Maranhão pede socorro. A expansão de condomínios residenciais e as plantações de grãos ameaçam uma das principais fontes de água dos brasilienses. A mais recente agressão atinge a nascente do rio. Tratores desmataram uma área de cerrado nativo equivalente a 500 campos de futebol, no lado goiano da divisa norte do Distrito Federal.
As árvores derrubadas são cortadas para virar carvão. O terreno, antes ocupado por pequenas chácaras e pomares, dará lugar à soja. Cultura que desgasta a terra e exige muitas aplicações de veneno para seu desenvolvimento. Um risco à fauna local e aos poucos chacareiros que se negaram a vender a propriedade para o dono da fazenda de soja.
A área desmatada fica no povoado conhecido como Capão das Negas, no município de Planaltina de Goiás, às margens da estrada que liga Brasília à Chapada dos Veadeiros (GO). Mas não é possível ver a destruição da rodovia. É preciso entrar numa esburacada estrada de terra, que leva às mais de seis mil chácaras que formam o loteamento surgido em 1954.
O desmatamento representa uma ameaça não só aos chacareiros. O Capão das Negas faz divisa com a Estação Ecológica de Águas Emendadas. Localizada no DF, a unidade de conservação ambiental é uma das poucas que ainda abriga flora e fauna nativas do cerrado. Na reserva estão as principais nascentes das bacias hidrográficas que abastecem o DF e cidades do Entorno (leia quadro).
Trabalhando dia e noite, há 40 dias, os tratores passaram por cima das quase 500 chácaras compradas por um empresário de Brasília, que os moradores da região não sabem dizer o nome. Nada ficou de pé. Nem mesmo cercas e mourões. Apenas uma das casas das antigas propriedades foi mantida. Ela abriga os homens encarregados de picar, com motosserras, as árvores de pequeno e médio porte, destruídas pelos tratores. Uma equipe do Correio flagrou o grupo de oito trabalhadores fazendo o serviço, na tarde de terça-feira. Eles disseram apenas que tinham sido contratados por um homem chamado Joaquim.
Apesar do tamanho da área devastada, os órgãos responsáveis pela fiscalização ambiental ainda não agiram. A assessora da Gerência Executiva do Ibama em Goiás, Tânia Mara Rocha de Araújo, disse que a denúncia de crime ambiental só chegou ontem à tarde. Amanhã (hoje) os técnicos vão se reunir para agendar uma visita ao local.
Já os representantes do município de Planaltina alegam desconhecer o desmatamento. Capão das Negas fica a 10 km do centro da cidade. Vamos encaminhar denúncia ao Ibama e acompanhar a investigação a partir de hoje (ontem), garantiu o secretário de Administração e Finanças da cidade, Jandir Guimarães. O vereador Hamilton de Alencar Mota (PSB), que tem chácara no Capão das Negas, disse que a Comissão de Meio Ambiente da Câmara Municipal tem conhecimento dos danos. Mas ainda não houve uma deliberação a respeito, lamentou.
Com o propósito de preservar o corredor ecológico que liga a Estação Ecológica de Águas Emendadas ao Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, foi criado, em 2000, o Consórcio Intermunicipal de Gestão e Educação Ambiental da bacia do Rio Maranhão-Tocantinzinho. A iniciativa do Governo do Distrito Federal e de administrações de cidades goianas daquela região foi vetada pela Procuradoria do DF, sob o argumento de que o DF não tem municípios.

Escassez de água já afeta população

As terras do Centro-Oeste atraem os maiores produtores de grãos do país por dois motivos: o plantio tem baixo custo e conta com tecnologia específica. Enquanto o hectare de soja nos Estados Unidos custa US$ 200 (R$ 600), em Goiás e Mato Grosso sai por US$ 100.
  Por outro lado, a quantidade de água no Distrito Federal diminui quase na mesma velocidade em que crescem as plantações. Levantamento da ONG WWF, com base em estudo da Caesb, revela que nos últimos 15 anos mais de 720 litros de água por hora deixaram de ser oferecidos, por causa da contaminação de algumas nascentes.
Qualquer atividade que danifique nascentes pode acelerar os processos de erosão e assoreamento do rio, afirma o geólogo e presidente da ONG da Cafuringa. A qualidade da água também depende da vegetação em torno do rio.
Colaborou Aline Fonseca

Fontes afetadas

O Distrito Federal tem seis grandes bacias hidrográficas.
Bacia do Rio Descoberto
Nasce próximo a Brazlândia e corre para o Rio Paraná. É a bacia mais importante para o abastecimento do Distrito Federal, e também a que registra maiores problemas (junto com a do Rio Paranoá). Os grandes assentamentos criados em sua volta resultaram em poluição, desmatamento das cabeceiras e assoreamento de córregos e rios.
Bacia do Rio do Alagado/Ponte Alta
Nasce próximo ao Gama e segue para o Rio Paraná. Tem problemas similares ao da Bacia do Descoberto. É uma das que apresenta maior índice de poluição. Os problemas de assoreamento são visíveis.
Bacia do Rio Maranhão
Nasce nas Águas Emendadas e corre para o Rio Tocantins. É a mais preservada do DF. A qualidade da água continua boa. O relevo montanhoso faz com a que a densidade demográfica no local ainda seja baixa, mas ambientalistas alertam: é uma área de expansão habitacional. Novos condomínios surgem na região. Se não forem tomadas as precauções agora, poderá apresentar sérios problemas. Já podem ser observados desmatamentos localizados.
Bacia do Rio Paranoá
Subdivisão da Bacia do São Bartolomeu. Apesar de um terço dela estar dentro de áreas de preservação ambiental, é uma das mais problemáticas do DF. O maior problema é a intensa ocupação urbana próximo à cabeceira. Ambientalistas alertam para um maior controle da densidade demográfica, que já está no limite aceitável pela natureza.
Bacia do Rio Preto
Nasce na divisa com Formosa (GO) e corre para o Rio São Francisco. Está localizada numa área onde se concentra a produção agrícola do Distrito Federal. A grande quantidade de pivô central (instrumento usado para a irrigação do solo) faz com que água seja captada de forma desordenada. E a bacia já começa a sentir as conseqüência, com a redução do volume de água.
Bacia do Rio São Bartolomeu
Nasce no Rio Pipiripau e segue para o Paraná. É uma área de ocupação mista (urbana e rural), que abrange as cidades de Planaltina, Sobradinho e São Bartolomeu. A densidade demográfica ainda não pode ser considerada alta, mas é crescente. Como o esgoto não é totalmente tratado e a coleta de lixo não é regular, as águas estão poluídas. Já apresenta problemas de erosão.

CB, 17/06/2004, Cidades, p. 36