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Desmatamento

O Globo, Tema em Discussão, p. 6
Autor: CASSEL, Guilherme
03 de Set de 2007

Desmatamento

Sem simplismos

É preciso não fechar os olhos para uma realidade que brota na Amazônia, e que não parece estar desenhada nos mapas oficiais: assentamentos malfeitos, seja por falta de planejamento ou pelo descaso com que são administrados alguns programas, têm sido responsáveis pelo aparecimento de novas áreas de desmatamento. Reportagens do GLOBO feitas nos últimos anos mostram que a fixação desordenada de famílias na terra é uma das muitas vertentes a abastecer os números sobre as áreas de floresta destruída.

Não se trata de generalizar e deixar de enxergar avanços na atual política de ocupação da Amazônia. Mas também não contribui para resolver os graves problemas da região negar a existência de áreas críticas nos assentamentos, nas quais é ignorado o pressuposto da cota de madeira a ser extraída legalmente. Fotos de áreas desmatadas e depoimentos de assentados dão conta de que se deve cobrar responsabilidades com a preservação ambiental também dos beneficiados por programas oficiais de ocupação da terra.

Problemas, notadamente numa região tomada pela tensão social e alvo de interesses os mais díspares, não podem ser enfrentados com maniqueísmos. Ou com anátemas, como o que, de forma simplista, transforma investimentos no setor de agronegócios na mãe de todos os males atuais da Amazônia.

Por exemplo, a contraposição entre esse tipo de atividade e a agricultura familiar, prática de grupos de pressão e até de certos organismos oficiais, é um falso dilema. As duas formas de exploração dos imensos recursos da região, bem como a pecuária planejada, a extração racional de madeira e outras vertentes econômicas, podem conviver harmonicamente, desde que obedeçam a regras estabelecidas de acordo com os interesses de todo o arco da sociedade, e não de segmentos sociais ou econômicos isolados.

Os graves problemas da Amazônia devem ser enfrentados com choque de realidade, não com simplificações e palavras de ordem.

Outra opinião

Modelo humano

Guilherme Cassel

Após o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontar a redução do desmatamento na Amazônia, surgiram ataques à política de reforma agrária, utilizando-se de dados imprecisos e manipulações grosseiras. Assentamentos e pequenas propriedades foram apresentados como sinônimo de atraso e fez-se de conta que a Amazônia não é habitada por pessoas.

A agricultura familiar, em conjunto com os assentamentos de reforma agrária, é responsável por 40% da produção agropecuária do Brasil e pela produção dos principais alimentos que compõem a dieta da população, como mandioca, feijão, leite, milho, aves e ovos. Esses dados podem ser considerados como expressão de atraso? Os assentamentos foram acusados de serem responsáveis por 15% do desmatamento da Amazônia. Esse número não corresponde à realidade. A Amazônia, historicamente, é pressionada por atividades de extração ilegal de madeira, grilagem de áreas públicas, exploração carvoeira, e pela expansão de grandes projetos agropecuários. A partir de 2003, implantamos uma nova política fundiária para a região, inscrita no Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia.

Em agosto, o Inpe revelou que o desmatamento nos assentamentos caiu pelo quarto ano consecutivo, chegando a uma redução de 52% no último ano. Os exemplos apresentados para acusar os assentamentos referem-se ao período de 1970 a 2002, ou seja, nenhum de acordo com a nova política fundiária.

Outra crítica ignora que a Amazônia é habitada por 6,7 milhões de pessoas na área rural (21% da população rural brasileira). Desde o ciclo da borracha, passando por programas de colonização e por migrações forçadas, milhões de pessoas foram abandonadas na região.

Recusamos dois modelos: o da floresta sem povo e o modelo predatório baseado na monocultura, na pecuária extensiva e na destruição ambiental. Queremos um novo padrão de desenvolvimento, que respeita o povo, combate a grilagem de terras e estimula uma agricultura sustentável. Quem sobrevoa a Amazônia só vê um tapete verde.

Quem caminha por ela, enxerga gente que luta por uma vida digna e defende a natureza. Esse é o caminho que decidimos percorrer.

Guilherme Cassel, é ministro do Desenvolvimento Agrário.

O Globo, 03/09/2007, Tema em Discussão, p. 6

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