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Desertos na fronteira

CB, Política, p. 9
07 de Mai de 2008

Desertos na fronteira
Multinacional pretende implantar florestas de eucalipto em região já ameaçada

Lucio Vaz
Enviado especial

Processos de arenização de extensas áreas na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul são apontados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) como um dos "passivos ambientais" do bioma Pampa. São considerados graves, pela difícil reversibilidade. É nessa região que a multinacional Stora Enso pretende implantar suas florestas de eucalipto para produção de celulose. Embora se estendam por 10 municípios, os areais são chamados na região de os "desertos do Alegrete". O Correio visitou o município e registrou três areais que estariam em expansão, segundo depoimentos dos moradores.

Pelos critérios da Conferência sobre Desertificação das Nações Unidas no Quênia (1977), não se tratam de desertos. O Rio Grande do Sul não está incluído nas regiões com risco de desertificação. As zonas de degradação do sudoeste gaúcho são identificadas como "áreas de atenção especial" em mapa elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente. O Atlas da Arenização no Sudoeste do Rio Grande do Sul, elaborado pelo Departamento de Geografia da Universidade do Rio Grande do Sul (UFRGS), coordenado pela professora Dirce Suertegaray, aponta uma área de 37 km² ocupada pelos areais, segundo mapeamento feito com imagens de satélite. Só em Alegrete são 13,2 km².

Segundo o estudo da UFRGS, a formação dos areais resulta inicialmente de processos hídricos, que formam ravinas e voçorocas. Essas desenvolvem-se por erosão lateral e regressiva, alargando suas bordas. Em decorrência do transporte de sedimentos pela água durante chuvas torrenciais, formam-se depósitos arenosos em forma de leque. Com o tempo, esses leques vão se agrupando e dão origem a um areal. Os ventos que atuam sobre essas áreas, em todas as direções, permite a ampliação desse processo. Os areais teriam sido formados há mais de 100 anos.

Expansão
Distante cerca de 70 km da cidade de Alegrete, o "deserto" Costa Leite é o maior do município. Tem cerca de 1,5 km de extensão por 700 metros de largura. Os moradores do local plantaram eucaliptos nas proximidades da estrada para conter a expansão do areal.
"Funcionou por ali, mas aumentou do lado oposto", comenta Benhur Soares Leal, diretor da escola municipal do Jacaquá, distante um quilômetro. Ele trabalha há 18 anos na escola e acompanha a evolução do areal. "De 10 anos para cá, evoluiu com maior rapidez", relata. Benhur mostra pontos de erosão do lado aposto da pequena floresta de eucaliptos. E mesmo na área florestada as dunas já começam a invadir a estrada. Alguns quilômetros adiante, é possível avistar da estrada um "deserto" em formação, ainda sem nome.

O diretor da escola afirma que a plantação de eucaliptos estancou a expansão no deserto de São João, distante cerca de 50 km dali. Plantaram um maciço florestal em torno de todo o areal. "Lá, houve vontade política, controlaram o problema. Aqui, falta vontade para resolver o problema", comenta. Conta que a Secretaria Estadual do Meio Ambiente cedeu as mudas para conter o areal Costa Leite, mas teria faltado maior empenho dos proprietários da área.

O Atlas da Arenização condena a plantação de eucaliptos na região. A planta tem raízes profundas e sobrevive mesmo em condições adversas, mas empobrece o solo e consome os recursos hídricos na região, afirmam os técnicos.

O "deserto" do Passo Novo, a 30 quilômetros de Alegrete, tem cerca de 1 km². O capataz da fazenda, Ermino Gonçalves Nunes, afirma que o areal "aumentou uns 100 metros" nos últimos anos. A areia já avançou sobre a cerca de arame de um potreiro. "As pessoas dizem que vai aumentar cada vez mais. Talvez tome conta de todo este pedaço de campo. Quando tem ventania, aumenta aquele monte alto (duna). E faz aquele poeira!".

A origem dos desertos tem várias explicações na região. Rui Costa Leite é neto de Constantino Costa Leite, antigo proprietário da fazenda onde está o deserto que leva o seu sobrenome. Rui tem a sua versão: "Isso começou por causa das brigas de touros. Eles cavavam o chão. Depois, o vento levava a areia, que cobria o pasto", relata. Benhur acha que a consistência arenosa do terreno e a ação dos ventos deram origem aos "desertos".

O geólogo Ingo Scheider, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Alegrete, tem outra explicação: "Não é nada disso que falam. Isso é resultado da basculamento de blocos, da acomodação dos basaltos da Serra Geral. São placas tectônicas que se movimentam a 410 quilômetros de profundidade, numa velocidade de três milímetros por ano".

"Múcio apóia redução de limites", diz deputado

O deputado estadual Frederico Antunes (PP), ex-presidente da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, afirmou ao Correio que o ministro de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro (PTB-PE), declarou ontem o seu apoio à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) no 49/2006, de autoria do senador gaúcho Sérgio Zambiasi (PTB), que reduz a faixa de fronteira de 150 quilômetros para 50 quilômetros no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

"É uma solicitação de todos nós, porque essa emenda vai possibilitar investimentos estrangeiros na região. E, logicamente, o primeiro a ter interesse é o setor florestal?, disse o deputado.

Antunes afirmou que há interesse de empresas do Chile e da Argentina em projetos de fruticultura, além de projetos de energia aeólica e de viniculturas. "Um dos pontos é a silvicultura, mas não é só isso?, acrescenta. O deputado lembra que a faixa de fronteira foi criada no regime militar, em 1979: "Por que faixa de fronteira se não temos guerra? Acho que não deveria ser nem 50 quilômetros?.

Para o deputado gaúcho, o debate sobre a implantação de florestas de eucaliptos no estado está mais voltado para as questões "ambientais e ideológicas? do que para as partes econômica e social.

CB, 07/05/2008, Política, p. 9

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