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Desencanto da velha militancia afasta de Lula os movimentos sociais

OESP, Nacional, p.A4
06 de Mar de 2005

Desencanto da velha militância afasta de Lula os movimentos sociais
Críticas ao presidente, que já eram comuns, vêm crescendo e esfriando o entusiasmo de Cimi, MST, parte da CUT eoutros grupos
Roldão Arruda
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva festejou, na semana passada, a informação de que no ano passado o PIB cresceu 5,2% em relação a 2003. A notícia foi manchete no site do PT - assim como têm acontecido com outras que falam de aumento de exportações e outros bons resultados na economia. Curiosamente, porém, cada boa notícia da área econômica parece aumentar a distância entre Lula e seus aliados mais antigos. Sobretudo aqueles vinculados a movimentos sociais. Para eles, o antigo companheiro joga todas as suas fichas no crescimento do PIB e no controle da inflação, postergando mais e mais o pagamento da chamada dívida social.
Críticas fermentam em todos os setores. Na quinta-feira, após passar quatro dias visitando a aldeia guarani na periferia de Dourados, no Mato Grosso do Sul, onde há crianças morrendo em decorrência de desnutrição, o teólogo e cientista político Egon Heck, da coordenação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), observou que a situação dos índios brasileiros piorou.
"A morte das crianças é o indicador mais dramático, mas não o único", disse o missionário. Para ele, essa é mais uma das decepções dos movimentos sociais: "Aumenta a cada dia o fosso entre as esperanças depositadas no governo Lula e a realidade."
O Cimi é ligado à ala progressista da Igreja Católica, que apoiou e empurrou o PT de seu nascimento, vinte anos atrás, até a Presidência da República. As comunidades eclesiais de base (CEBs), animadas pela Teologia da Libertação, constituíam uma das principais incubadoras de quadros do partido, ao lado do movimento sindical. Hoje os progressistas se alinham entre os críticos.
Na segunda-feira, quando esteve em São Paulo para participar do programa Roda Viva, da TV Cultura, o presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), bispo d. Tomás Balduíno, disse a jornalistas que o descontentamento é mais visível entre os líderes dos movimentos: "A base ainda confia nele. Mas a tendência é que a desconfiança se espalhe."
Outro sinalizador do afastamento acaba de acender na mais poderosa central sindical do País - a CUT, braço do PT na área trabalhista. Na quarta-feira, dez integrantes da executiva nacional da entidade participaram de um ato de protesto contra a reforma sindical que o presidente apresentou naquele dia ao Congresso. Entre os presentes ao ato, no qual Lula foi chamado de traidor, encontrava-se o vice-presidente da CUT, o metroviário Wagner Gomes.
VERGONHA
Também há mal-estar na cúpula do Movimento dos Sem-Terra (MST), outro aliado. Na segunda, ao saber que o governo contingenciou R$ 2 bilhões do total do orçamento previsto para o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o mais conhecido líder da organização, João Pedro Stédile, irritou-se. "É uma vergonha", disse. "Revela que a área econômica é quem manda; e que o governo não tem um projeto nacional, permitindo que o Ministério Fazenda tome decisões sem nenhuma diretriz."
O resultado do corte será o comprometimento das metas da reforma agrária. "A reforma, ao invés de ser tratada como parte de um projeto de desenvolvimento nacional, é incluída na lista das despesas", afirma Stédile.
Até a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), tradicionalmente mais tolerante, faz críticas. Durante o congresso nacional da entidade, na semana passada em Brasília, seus líderes reclamaram da lentidão do governo na execução da reforma agrária.
GASTA O MÍNIMO
O distanciamento entre governo e antigos aliados foi destaque na análise de conjuntura distribuída dias atrás aos membros da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Produzido por um grupo assessores, sob a coordenação do sociólogo Pedro Ribeiro, da Universidade Católica de Brasília, o texto mira a política econômica. "O governo cobra o mais que pode de impostos e gasta o mínimo possível, exceto no pagamento de juros", diz. "Ganha a credibilidade dos credores, alcança o equilíbrio financeiro e controla a inflação, mas fica sem recursos para agir nas áreas sociais."
A afirmação de que o primeiro líder operário a chegar à Presidência da República se preocupa demais com a dívida tem sido constante. "O Lula tem um medo terrível dos credores, medo de que o mercado crie uma situação de desordem no País", diz o economista Plínio de Arruda Sampaio, outro petista histórico.
De acordo com a análise de conjuntura distribuída aos bispos, Lula deveria rever a política econômica, voltar-se mais para o social e se reconciliar com as bases. Se não fizer isso, corre o risco de isolar-se da militância, que já foi a alma do partido, e deixa de contar com a possibilidade de pressão da sociedade civil para promover mudanças. Tende a se tornar mais dependente de negociações e troca de favores no Congresso, na linha é dando que se recebe.
Apesar das críticas, não há sinais de mudança no horizonte do governo. O nome do ministro da Fazenda não circula nas especulações sobre reforma ministerial, o índice de aprovação do governo é alto e os índices econômicos ainda são festejados.

Ninguém os ouve, mas tratamento é de rei
Roldão Arruda
Apesar das críticas que fazem ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva, seus antigos aliados relutam em romper com ele. Uma das razões para isso é que, apesar de ainda não terem assistido a nenhum dos esperados grandes embates para o pagamento da dívida social, eles nunca foram tão bem tratados pelo governo como estão sendo agora. Líderes do MST, da CPT e da Contag circulam com desenvoltura no Ministério do Desenvolvimento Agrário, no Incra e no Palácio do Planalto. A maior parte dos superintendentes regionais do Incra nomeados por este governo saiu dos quadros destas organizações. As cooperativas e associações que o MST espalhou pelo País nunca receberam tantos recursos como agora. A reforma agrária anda devagar, mas o presidente da República tem ido a encontros de sem-terra e trabalhadores rurais. Quando não pode, manda seus ministros. É um processo contraditório: ao mesmo tempo que agrada os aliados, o governo não atende suas reivindicações. Um exemplo dessa imbroglio aconteceu dias atrás. Na sexta-feira, dia 25, o ministro Luiz Dulci, da Secretaria-Geral da Presidência da República, recebeu líderes de 43 organizações de defesa da reforma agrária. Todos saíram do encontro convencidos de que o governo Lula não pouparia esforços para cumprir a meta de assentamento de 430 mil famílias de sem-terra, até 2006. Mas na segunda-feira eles foram surpreendidos com a informação de que no bolo de verbas do Orçamento contingenciadas pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci, R$ 2 bilhões vão sair do Desenvolvimento Agrário.

OESP, 06/03/2005, p. A4

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