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Desastres custaram ao Brasil R$ 182 bi em duas décadas

OESP, Metrópole, p. A17
10 de Mar de 2017

Desastres custaram ao Brasil R$ 182 bi em duas décadas

Giovana Girardi

Prejuízos causados por desastres naturais no Brasil custaram pelo menos R$ 182,8 bilhões - uma média de R$ 800 milhões por mês -, entre 1995 e 2014. Os números fazem parte do mais completo mapeamento da quantidade de eventos meteorológicos, como secas, estiagens, inundações e enxurradas, que atingiram o País nesse intervalo de 20 anos e o impacto financeiro que eles tiveram.
Estão incluídas na análise tragédias como as enchentes e deslizamentos de terra que atingiram a região serrana do Rio de Janeiro, em 2011, deixando 918 mortos, além das inundações no Vale do Itajaí (SC), em novembro de 2008; em São Luiz do Paraitinga (SP), em janeiro de 2010 e a seca que atinge várias cidades do Nordeste brasileiro desde 2013. Minas Gerais foi o Estado com mais registros e o Rio Grande do Sul, o líder em prejuízos (leia mais sobre o que faz da região tão vulnerável).
Os autores do trabalho, realizado pelo Centro de Estudos e Pesquisas sobre Desastres (Ceped) da Universidade Federal de Santa Catarina, com apoio do Banco Mundial, afirmam, no entanto, que os resultados são reconhecidamente subestimados. Isso ocorre porque os dados disponíveis sobre os eventos climáticos e seus possíveis danos materiais são limitados.
Para este estudo, os pesquisadores levaram em conta as informações reportadas pelas Defesas Civis municipais aos Estados e à União, que em geral só são feitas nos casos mais graves, em que o município sozinho não consegue lidar com o desastre e precisa de ajuda financeira. E consideraram somente impactos diretos.
"É só a ponta do iceberg e ainda assim estamos falando de uma média de R$ 800 milhões por mês. Que é, para se ter uma ideia, mais ou menos o gasto que se tem com caminhão pipa por ano no Nordeste. É um número que deveria chamar a atenção do poder público", afirma Frederico Ferreira Pedroso, especialista do programa de Gestão de Riscos de Desastres do Banco Mundial.
Uma outra pesquisa feita pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, lançada no final de 2015, havia estimado os custos dos desastres naturais entre 2002 e 2012 em até R$ 355 bilhões. A metodologia foi um pouco diferente, explica Carlos Eduardo Young, que liderou o trabalho, uma vez que se baseou nos prejuízos totais de quatro desastres de alta gravidade no Rio, em Alagoas, em Pernambuco e em Santa Catarina e os extrapolou para o resto do País.
Young reconhece que, por causa disso, o resultado pode ter sido superestimado. "Mas esse trabalho de agora me deixa muito feliz porque tem muito mais informações que o nosso. E apesar de trazer uma subestimativa, é coerente com as nossas conclusões e confirma que os danos estão crescentes e são mais relevantes", explica Young.
Mais frequentes e intensos. De acordo com o estudo do Ceped, o problema vem se intensificando. Do total de 22.810 registros do Sistema Integrado de Informações de Desastres da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil que foram analisados, 76% são referentes à segunda década de estudo (veja infográfico abaixo), que também concentrou 82% do valor dos danos e prejuízos.
Os autores ponderam que houve uma melhoria na notificação dos desastres, mas defendem que isso explica apenas em parte o aumento dos registros ao longo dos anos. A conclusão é que a frequência dos eventos e as perdas também estão aumentando.
"Num horizonte de apenas 20 anos, verificamos que a primeira década teve menos eventos e, proporcionalmente, eles foram menos danosos que na segunda", afirma Rafael Schadeck, pesquisador do Ceped e organizador do levantamento. Enquanto na primeira década o valor por evento, em média, foi de R$ 5,84 milhões, na segunda década do estudo essa relação aumentou para R$ 8,71 milhões.
Para os autores, um dos motivos para isso é o crescimento desordenado das cidades e o que eles chamam de "aumento da exposição" aos riscos. "O problema é que as cidades estão crescendo para onde não deveriam. A gente vai se colocando em uma situação cada vez mais complicada. O planejamento urbano tem de levar isso em conta para permitir uma efetiva prevenção", defende Pedroso.
Não é à toa que um dos principais prejuízos contabilizados no trabalho são os que ocorreram nas moradias das pessoas, Ao longo dos 20 anos, em todo o País, mais de 1,8 milhão de habitações foram danificadas e mais de 185 mil foram destruídas, com Santa Catarina liderando no primeiro caso e o Rio, no segundo. Os prejuízos desses danos superaram R$ 16 bilhões.
Planeta quente. Além da melhora da notificação e do aumento da exposição das cidades, para completar o quadro do problema também é fato que os eventos extremos - como tempestades intensas e concentradas e secas severas e duradouras - estão mais frequentes. É uma tendência em todo o mundo e está cada vez mais relacionada com o aquecimento global e as mudanças climáticas, como apontou o relatório O Clima Global 2011-2015, divulgado pela Organização Meteorológica Mundial no final do ano passado.
Outros levantamentos mostram que o problema é global. No final do ano passado, o Banco Mundial estimou em US$ 520 bilhões os custos anuais em todo o mundo com desastres naturais. A Noaa (agência americana para oceanos e atmosfera) calculou que de 1980 a 2016 os EUA tiveram 203 eventos extremos que resultaram em custos de US$ 1,1 trilhão.
A atmosfera mais quente atrapalha o complexo regime de interações de ventos e correntes que vêm da Antártida e da Amazônia e acaba por provocar os eventos extremos de calor e frio, de seca e de chuva. Os últimos três anos bateram recordes consecutivos como os de maior temperatura média desde o início dos registros, em 1880. Dos 16 anos mais quentes da história, com exceção de 1998, todos estão nos anos 2000.
A tendência para o futuro, explica o climatologista Francisco Aquino, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Estado que liderou os prejuízos no País -, é que com o planeta mais quente esses eventos extremos fiquem mais intensos e frequentes. "Considerando o cenário atual de emissões de gases de efeito estufa (que são os responsáveis pelo aquecimento do planeta), a próxima década deverá ser ainda mais intensa em desastres naturais".
Daí a recomendação do relatório do Ceped: "É de vital importância a inserção, de forma ativa e articulada, da gestão de riscos e de desastres na agenda dos governos e da sociedade".

Estado campeão em perdas, RS sofre com secas e chuvas

Giovana Girardi

O Estado que mais teve prejuízo no Brasil pelos desastres naturais no período de 1995 a 2014 foi o Rio Grande do Sul. Lá as perdas contabilizaram R$ 24,3 bilhões, a maior parte disso na agricultura - R$ 17,2 bilhões. Em uma análise somente deste setor da economia, o Rio Grande do Sul também liderou no levantamento nacional. Em todo o País, os prejuízos da agricultura foram de R$ 82,3 bilhões.
Estudos em climatologia conduzidos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul constataram que o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná são particularmente atraentes para grandes tempestades. "As mais severas e mais duradouras da América do Sul têm um endereço especial, ocorrem ali", conta o pesquisador Fernando Aquino. Outras pesquisas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) também observaram que no Rio Grande do Sul é onde mais aumenta a quantidade de precipitações.
Mas não só. O Estado também tem sofrido com estiagens severíssimas, como a que ocorreu em 2004 e 2005. De acordo com Aquino, ali é onde mais cresce a variabilidade climática.
O agricultor Antônio Carlos Cassol, que tem uma fazenda em Giruá, na região das Missões (oeste do RS), sentiu no seu cultivo de soja e trigo a instabilidade do clima. Sua saga foi retratada no livro A Espiral da Morte - Como a Humanidade Alterou a Máquina do Clima, do jornalista Claudio Angelo, que aborda as mudanças climáticas a partir dos polos e mostra como o que ocorre nos extremos do planeta têm reflexos sobre todo o mundo. No caso da seca que quebrou a safra de soja no Rio Grande do Sul, há uma influência da redução do manto de gelo na Antártida.
Ao Estado, Cassol contou que em seus 52 anos de vida, nunca viu uma seca como aquela, apesar de já ter se acostumado a ver estiagens de quando em quando. Em 2012, lembra, foram 42 dois dias sem chuva no verão, justamente o período que deveria chover. "Mas nada como em 2004. E depois em 2005 de novo. Não deu tempo de se recuperar. Nestes dois anos as perdas foram próximas a 100%. Foi um período difícil onde nem previsão de chuvas existia", disse.
Dez anos depois, foi a vez de penar com as fortes chuvas. "Nos anos de 2015 e 2016 as precipitações foram em volumes bem mais elevados, o que acarretou danos de erosão nas lavouras", afirmou.
Aquino e alunos têm tentando entender justamente o que está acontecendo por lá. "Como climatologista, eu diria para o agricultor: o clima mudou e tem de começar a lidar com isso. O que era o comportamento meteorológico tradicional, com as mudanças climáticas está se tornando mais intenso e está diminuindo a chance de ter chuva regular", explica.

OESP, 10/03/2017, Metrópole, p. A17

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