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Desafio franciscano

CB, Brasil, p.16
06 de Out de 2005

Desafio Franciscano
Ciro Gomes vai propor a Lula o adiamento do projeto em resposta à greve de fome de dom Luiz
Ullisses Campbell e Sandro Lima Da equipe do Correio
Bernardino Furtado Enviado especial a Cabrobó (PE)
Oministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, vai levar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva a proposta de adiar o projeto de transposição do rio São Francisco até que seja encerrada a greve de fome do bispo dom Luiz Flávio Cappio. A sugestão de suspender o projeto foi feita ao ministro ontem por seis deputados do Partido Verde (PV) que compõem a frente parlamentar Salve o São Francisco. Na audiência com os parlamentares, Ciro disse estar preocupado com o estado de saúde do religioso, que está há 10 dias sem comer.
Ontem, pela primeira vez dom Luiz foi atendido por um médico e se pesou. Do início do protesto até agora, o religioso perdeu quatro quilos, passando a pesar 61kg. Estava com dores nos braços, respiração ofegante e lapsos de memória, mas não reclamava. Estou firme e lúcido”. Ele reafirmou que não aceitará um simples adiamento do projeto de transposição adotado pelo governo.
Na tentativa de fazer o religioso desistir do protesto, o governo escalou o ministro Jaques Wagner, da secretaria de Relações Institucionais. Wagner embarca hoje para Cabrobó (PE) para conversar com dom Luiz acompanhado do representante do Vaticano no Brasil, dom Lorenzo Baldisseri. Acredito que a partir deste diálogo, se encerrará a greve de fome”, afirma Wagner.
A proposta de recuo no projeto do ministro Ciro Gomes chegará ao Planalto um dia após o presidente Lula ter negado que poderia adiar o projeto. Ontem, em São Paulo, o presidente disse que respeita o protesto do religioso e lembrou que as obras não começaram porque ainda não foi dada a autorização do Ibama. Não poderia haver suspensão de uma obra que não tem data marcada para começar. Estou tranqüilo quanto à justeza da obra e, como eu sou um cristão que acredita em Deus, eu acho que nós vamos ter uma boa solução”, justificou.
O Palácio do Planalto já acionou o Itamaraty para tentar convencer o Vaticano a se posicionar oficialmente contra o protesto de dom Luiz e tentar reverter a má repercussão internacional do gesto. Outra ação que está sendo articulada pelo Planalto é a aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que destinaria R$ 300 milhões em 20 anos para obras de revitalização do rio.
Lembranças
No ato em São Paulo, Lula lembrou que já fez greve de fome quando era líder sindical no ABC e disse estar confiante em uma solução negociada com o religioso. O bispo tomou uma posição pessoal e eu o respeito porque também já tomei na minha vida uma decisão de fazer greve de fome”.
O ministro Jaques Wagner admitiu ontem que o projeto da transposição do rio pode ser modificado. Estamos abertos ao diálogo e, durante a negociação, alguns pontos do projeto podem ser revistos”, afirmou. Em Cabrobó, ele vai reiterar o convite feito por Lula para que o bispo venha a Brasília para uma audiência com o presidente, que acredita ser a revitalização a alma do projeto”. Quero que o bispo sinta a presença de uma pessoa que está representando o presidente da República”, justificou. A visita de Wagner é a segunda tentativa do governo de pôr fim à greve de fome do bispo. Antes, o presidente Lula havia enviado uma carta ao religioso por meio de um assessor.
O ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Jorge Félix, também demonstrou preocupação com o protesto do bispo. O que não pode ocorrer é o homem morrer”, disse, durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES).
No décimo dia em greve de fome, dom Luiz disse que, por enquanto, apenas sente cólicas estomacais e fraqueza física. Segundo o médico Rogério Leal, o bispo está em bom estado clínico. Para poupar o religioso, as paróquias da região estão recomendando aos fiéis a suspensão das romarias. O tempo de atendimento e distribuição de bênçãos foi reduzido.
Para orientar o bispo, deverá chegar hoje a Cabrobó o frei Sérgio, um franciscano gaúcho que já fez greve de fome por 23 dias. Antes de ser atendido pelo médico, dom Luiz explicou as razões do protesto. Esse modelo não é justo porque levará água para a indústria da irrigação produzir camarões e frutas para a mesa dos ricos brasileiros e do exterior, enquanto os nordestinos continuarão a passar fome”, afirmou.

Entenda a obra
Proposta Serão construídos 720km de canais de concreto para levar a água do rio São Francisco à região do semi-árido dos estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte.
Prazo A previsão é que as obras sejam concluídas em 2007, ou seja, no ano seguinte à próxima eleição presidencial. O governo estima que 12 milhões de pessoas serão beneficiadas com o projeto.
Meta O objetivo é captar 26 m3/s de água por segundo, ou 1% da quantidade de água que o rio despeja no mar. A vazão média, de 53 m3/s, representaria cerca de 3% da vazão total do rio.

Protesto solitário
Em Brasília, dois moradores do Distrito Federal realizaram um protesto solitário em frente ao Palácio do Planalto. Durante à tarde de ontem, Augusto Bruno Piedade e Rodolfo Siqueira de Brito seguram uma faixa protestando contra a transposição do rio São Francisco e em apoio à greve de fome de dom Luiz Flávio Cappio, que hoje completa onze dias. No protesto, Augusto e Rodolfo usavam apitos para chamar atenção dos que passavam pelo local.

Bispos criticam gesto de religioso
Apesar do apoio da população ribeirinha, dom Luiz Flávio Cappio foi ontem duramente criticado por setores da Igreja Católica. A presidência da regional nordeste da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou nota desaprovando a greve de fome: Afirmamos a nossa desaprovação à atitude extrema do nosso irmão, que provocou perplexidade e sofrimento a nós, pastores, e ao povo de Deus a nós confiado”.
Os bispos nordestinos disseram estar surpresos” com a atitude do religioso. Em congresso regional, a CNBB já havia tomado decisão a favor da transposição do São Francisco. Somos a favor de que o processo de revitalização do rio, em toda a sua extensão e complexidade, seja iniciado com a devida urgência, contemplando inclusive as necessidades vitais das populações ribeirinhas. Queremos reafirmar nossa adesão ao projeto de captação de águas do rio São Francisco, para suprir as necessidades de água potável, nas carentes bacias hidrográficas de nossos estados”, aponta a nota.
Na Paraíba, o arcebispo dom Aldo Pagotto afirmou que a conduta do bispo de Barra (BA) deve ser vista como um ato pessoal”, uma atitude isolada da opinião do episcopado”. Em nota, ele informa que as discussões sobre o projeto foram amplamente absorvidas durante audiências públicas.
Para o secretário-geral da CNBB, dom Odilo Pedro Scherer, o protesto não é moralmente aceitável. Dom Scherer espera diálogo entre o governo e o religioso. A CNBB quer deixar claro, sem fazer críticas ao bispo, seu posicionamento em defesa da vida e contra formas de interrupção como o suicídio e a eutanásia. Questionado de quem seria a culpa se o bispo morresse, Scherer afirmou: Eu desejo que ele não morra e também viva o rio São Francisco para dar vida a muita gente. A greve de fome até morrer, moralmente, não é aceitável”.
Em Cabrobó (PE), 10 prefeituras assinaram nota em defesa da transposição do rio. Dez integrantes da Comissão Pastoral da Terra (CPT) começaram greve de fome em solidariedade ao bispo em Alagoas. Segundo o coordenador da CPT, Carlos Lima, a recusa em comer é uma forma de apoiar a luta do bispo: A gente sabe que é um protesto ideológico, de quem conhece a importância do rio para a população de toda a região”. A greve não tem data para terminar.
Também em apoio ao religioso, um grupo de franciscanos realizou manifestação, no largo da Carioca, no centro do Rio de Janeiro. O ato público reuniu cerca de 100 pessoas, metade das quais vinculadas a instituições católicas. Foram coletadas assinaturas para um documento em que será pedido ao presidente Lula a interrupção do projeto.

CB, 06/10/2005, p. 16

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