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As denúncias contra a Funai

OESP, Notas & Informações, p. A3
18 de Jan de 2004

As denúncias contra a Funai

O governador de Mato Grosso do Sul (MS), José Orcírio Miranda dos Santos - o Zeca do PT -, que não consta ser um irresponsável, fez uma das denúncias mais contundentes, de um chefe de governo estadual, contra um órgão público federal - subordinado ao Poder Central, que tem no comando seu mais importante correligionário. O governador acusou a representação da Fundação Nacional do Índio (Funai), no Estado, de fazer um "jogo por baixo, sujo", incentivando as invasões realizadas pelos índios caiovás e guaranis na região de Japorã e Iguatemi, no extremo sul de MS, onde já ocupam 14 fazendas.
"Temos informações concretas do Serviço Reservado de que anteontem (terça-feira) uma viatura da Funai estava transportando outros índios terenas do outro Mato Grosso (MT) para aumentar o contingente de conflito aqui em Mato Grosso do Sul. Existem informações de que funcionários da Funai, articulados com ONGs - que estamos tentando levantar quais são -, estão trabalhando no sentido de cada vez mais trazer os índios guaranis do Paraguai, para engrossar esse conflito, algo em torno de 600 a 1.000 índios", disse o governador, que fez essa denúncia, diretamente, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, em reunião mantida com estes em Brasília.
Independentemente das fontes ou da veracidade das informações obtidas pelo governador de Mato Grosso do Sul, a respeito do estímulo à radicalização e à violência de grupos indígenas, propiciado por um órgão governamental, pelo texto e contexto de declarações anteriores do presidente da Funai, o antropólogo Mércio Pereira Gomes, percebe-se de onde emana esse incentivo.
Comentando declarações de produtores rurais de MS, por exemplo, disse o antropólogo: "Os índios estão indo à nossa frente, por causa de sua ansiedade. Eles sabem que já existem estudos comprovando que a terra que estão ocupando atualmente é deles. De acordo com estes estudos, feitos por um antropólogo, brasileiro, competente, a área de seu território era bem maior do que a atual, estendendo-se até o Rio Iguatemi. No total, são 17 fazendas em território indígena."
Examinemos tais declarações: tratando-se apenas de "estudos", que ainda não tiveram a chancela normativa legal - para efeitos demarcatórios -, por que "passá-los" para as comunidades ou lideranças indígenas, transformando-os assim, precipitadamente, numa pauta de reivindicações fundiárias? E qualquer área ocupada, hoje em dia, por comunidades indígenas, não terá sido, no passado, "bem maior do que a atual" - uma vez que os índios "possuíam" todo o território nacional? A esse respeito, aliás, o presidente da Funai tem sido sobremaneira enfático, ao lembrar o óbvio, isto é, que o Brasil foi construído sobre território indígena, nestes termos: "Eles perderam 99% de sua população e 90% de seu território. Desde 1910 têm sido feitos esforços para se devolver parte disso a eles."
Ora, não nos parece correto confundir o escopo constitucional de preservação das terras indígenas, consignado no artigo 231 da Carta Magna, quando se refere aos "direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam" (com este tempo verbal no presente, bem entendido) com a quimérica, para não dizer surrealista, pretensão de "devolver parte disso" (isto é, do território nacional) aos índios. Se fosse consagrado entre os povos do mundo esse critério de "devolução", provavelmente Estado nacional algum teria condições de preservar sua legítima soberania...
Pelo parágrafo 6.o do referido artigo 231 da Constituição a nulidade ou extinção da ocupação, domínio ou posse de terras indígenas só poderão acarretar indenização quanto às benfeitorias, derivadas de ocupação de boa-fé. Uma reivindicação do governador Zeca do PT é a de que se faça uma alteração constitucional para permitir, também, indenização pela terra nua, o que seria razoável para compensar inúmeras famílias de pequenos fazendeiros - com propriedades de no máximo 100 e 200 hectares -, produzindo há décadas em suas terras, que teriam de ser deslocados em razão do processo demarcatório das terras indígenas. Sem dúvida, essa é uma questão socioeconômica que não pode ser ignorada pelo governo federal, porque diz respeito ao desenvolvimento regional e, sobretudo, à paz no campo.

OESP, 18/01/2004, Notas & Informações, p. A3

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