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Degradação avança

CB, Brasil, p.8
14 de Mai de 2005

IBGE revela que quase 4.300 gestores de cidades afirmam que suas populações sofrem pelo menos algum tipo de desgaste ambiental. A falta de saneamento básico é o que mais afeta a qualidade de vida do povo
Degradação avança
Érika Klingl e Hércules Barros
Da equipe do Correio
Os sinais são visíveis. A qualidade do ar é pior. A água consumida por quase metade da população está poluída com esgoto. Novos focos de desmatamentos e queimadas surgem no Brasil a cada dia. Quase 4.300 gestores de municípios brasileiros declararam ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ter pelo menos um problema ambiental.
O número representa 77% das 5.560 cidades que existiam no país em junho de 2001, quando o trabalho de campo dos pesquisadores do instituto estava começando.
Quando o que está em jogo é a qualidade de vida da população, os números não deixam de impressionar.
Seis em cada dez brasileiros estão sendo atingidos diretamente pelos danos ao meio ambiente. Mais de 2.200 municípios, onde vivem 108 milhões de habitantes, convivem com esgoto a céu aberto, desmatamento e queimadas ou escassez de água”, diz trecho do levantamento do IBGE.
A vendedora Francisca Pinheiro de Lima, 40 anos, é apenas uma dessas pessoas. Moradora há cinco anos da Estrutural, ela se acostumou com o esgoto que corre a céu aberto. Essa é a vista que eu tenho. Promessa de esgoto só em época de eleição”, conta a mulher, natural da praia de Canoa Quebrada, um lugar paradisíaco no Ceará. Veio para Brasília por causa do trabalho do marido. O problema se tornou mais grave quando o filho mais novo de Francisca teve sua saúde afetada pela poluição. Em 2002, Eustáquio, 9 anos, repetiu a primeira série por passar a maior parte do ano internado com infecção respiratória. Dentre os problemas de degradação ambiental, a falta de saneamento básico é o que afeta a qualidade de vida das pessoas na maior parte dos municípios brasileiros, seguido pelo desmatamento, as queimadas e presença de vetor de doença.
O Suplemento de Meio Ambiente da Pesquisa de Informações Básicas Municipais – MUNIC 2002, divulgado ontem pelo IBGE é inédito pois aborda pela primeira vez a questão ambiental no âmbito municipal. Toca em temas específicos, como a presença de estrutura administrativa, a disponibilidade de recursos financeiros, a existência de legislação ambiental, mas também questões genéricas relacionadas à conservação da natureza. O levantamento parte da visão do gestor público e de pessoas ligadas ao meio ambiente na cidade, através do levantamento da ocorrência de alterações ambientais relevantes e de suas possíveis causas. Foram eles que responderam aos questionários.

Tratamento de esgoto
Existem poucas coisas mais importantes em uma casa com crianças do que uma rede de distribuição de água e esgoto adequadas. Essa é uma das conclusões da pesquisa do IBGE divulgada ontem. Enquanto a taxa de mortalidade de crianças menores de 5 anos residindo em casas com saneamento é 26,1 por mil, para as que residiam em domicílios inadequados, a taxa chegava a 44,8 por mil na média nacional e até 66,8 por mil em algumas cidades do Nordeste. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera aceitável apenas o índice inferior a 20 mortes por grupo de mil. O suplemento de Meio Ambiente do instituto identificou entre os 1.159 municípios com taxas de mortalidade infantil acima de 40 óbitos por mil nascidos vivos, as causas ambientais como as que mais afetam às condições de vida da população. Segundo as prefeituras dessas cidades, as principais causas da mortalidade são: esgoto a céu aberto, doenças endêmicas ou epidemias e vetores de doença.
Escassez
Só em quarto lugar aparece a escassez de água, ainda que 1.086 desses municípios estejam no Nordeste. Dos demais municípios com alta taxa
de mortalidade, 48 estão na região Norte e 25 em Minas Gerais, no vale do Jequitinhonha. Ao relacionar a ausência de saneamento adequado com a mortalidade infantil, a pesquisa revela o importante papel desempenhado pela instalação de redes de água e esgoto nos domicílios brasileiros. Dos 10,4 milhões de domicílios brasileiros que ainda não dispunham de esgotamento sanitário adequado, quase quatro milhões estavam na região Nordeste. Apesar disso, a tendência dos indicadores de mortalidade da criança foi de queda na década sobretudo nessa região. Se, para o Brasil, houve um declínio de 35% na taxa de mortalidade de crianças menores de cinco anos, entre os dois censos, no Nordeste a queda foi de 41,7%, embora a taxa ainda seja alta, de 50 mortes por mil nascidos vivos, enquanto a média do país era de 34,8 por mil e, na região Sul, de 21,5 por mil.

Águas sujas em 40% das localidades
A água está no centro dos problemas ambientais do planeta. No Brasil não é diferente, apesar de ser o maior reservatório do mundo. Aqui, a culpa é , principalmente, da falta de saneamento e das ações predatórias.
Quase quatro em cada dez municípios brasileiros, onde vivem 68% da população, tinham fontes de água poluída, em 2002, principalmente por causa do esgoto jogado em rios e lagos. No Rio de Janeiro, a poluição da água atinge 77% das cidades. O assoreamento — a obstrução do corpo dágua por argila, areia e lodo, de rios, lagos e lagoas — e a poluição dos recursos hídricos são os dois prejuízos ao meio ambiente mais citados pelos prefeitos que responderam à pesquisa do IBGE.
Mais da metade dos municípios brasileiros indicaram a existência de assoreamento. No Rio de Janeiro e no Espírito Santo, quase 90% dos municípios enfrentam o problema. Contaminação do solo, poluição do ar e degradação de áreas legalmente protegidas são os outros três impactos negativos mais citados pelos prefeitos.
O Sul e o Sudeste concentram os municípios que se queixam da poluição da água, problema que tem como grande causador o despejo de esgoto doméstico não tratado. É um
problema principalmente dos grandes centros urbanos, assim como o despejo de lixo direto em rios, lagos e outras fontes hídricas.
Já na área rural, são poluidores também os agrotóxicos e fertilizantes. A dispersão desses produtos é a principal causa da contaminação do solo.
A vegetação que margeia os cursos dos rios tem função crucial na proteção das águas do excesso de calor, para barrar materiais que são carregados com as enchentes e para fornecer alimento aos peixes. Justamente essas matas ciliares estão sofrendo os maiores danos com a degradação ambiental.
Transtorno
Os clientes que desfrutam do Motel Flamingo, no caminho de Sobradinho (DF), nem imaginam o transtorno que passam os produtores rurais vizinhos. Os chacareiros da região do Taquari sempre usaram as nascentes do terreno, aos fundos do motel. Há dois meses a água ficou contaminada por esgoto. Quem tinha dinheiro para construir poço artesiano garantiu nova fonte de abastecimento.
Sem dinheiro, o agricultor Miguel Pinto da Silva, 39 anos, passou por sérios problemas. Casado e com seis filhos, foi obrigado a parar de tomar água da fonte porque pegou uma diarréia forte. Fiquei três dias de cama e minha filha de cinco meses (Sofia) teve alergia. Toma banho com um sabonete especial”, conta. A gerente do Flamingo, Elza Bezerra, nega que a poluição venha do motel, mas admite que o local fornece água potável ao chacareiro.

O mal do Velho Chico
Ao longo dos 505 municípios que integram a bacia hidrográfica do São Francisco, é preocupante a quantidade de gestores que admitem a existência de assoreamento em corpos dágua, como nascentes, lagos, leitos de afluentes e no próprio Velho Chico. As queixas de assoreamento nesse rio chegam a 57% das cidades, superando a média nacional, que é de 52%. Em Minas Gerais, o problema foi listado por 70% dos municípios da bacia, sendo detectado em todas as 101 cidades que fazem limite com o leito principal do rio e em muitos dos que margeiam seus afluentes. As causas mais assinaladas para o fenômeno foram: desmatamento (79%), degradação de mata ciliar (72%), erosão ou deslizamento de encostas (61%) e expansão da agricultura ou pecuária (48%).
Os resultados do Suplemento de Meio Ambiente do IBGE mostraram também que 191 municípios da bacia registraram problemas de poluição da água, sendo que 116 localizam-se em Minas, 24 em Pernambuco e 31 na Bahia. As causas mais citadas pelos gestores ambientais locais para o problema de poluição foram: despejo de esgoto doméstico (76%) e disposição inadequada de resíduos sólidos (36%). Outra causa apontada com grande freqüência para a poluição das águas foi o uso de agrotóxico ou fertilizante, principalmente no oeste da Bahia, no Pólo Agroindustrial de Barreiras e no norte, no Pólo Agroindustrial de Petrolina/Juazeiro.
A conseqüência do assoreamento, da degradação de matas e da poluição já pesa nas atividades econômicas dos que vivem no local — cerca de 8% da população brasileira. Mais de 120 municípios da bacia declararam ocorrência de redução ou perda da quantidade ou da diversidade do pescado.
Somente 38 municípios (7%) têm alguma Unidade de Conservação Municipal, que estão localizados em Minas, Bahia e Distrito Federal.

CB, 14/05/2005, p. 8

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