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Defesa pedirá novo julgamento para março

FSP, Brasil, p. A9
12 de Dez de 2005

Defesa pedirá novo julgamento para março
Advogada dos dois condenados por matar a freira Dorothy Stang defende que eles têm direito a ser julgados novamente

Kátia Brasil

A defesa dos dois condenados por assassinar a missionária Dorothy Stang irá pedir novo julgamento para março de 2006 no Tribunal de Justiça do Pará. A defensora pública Marilda Cantal vai usar três argumentos para isso.
Primeiro, Cantal vai alegar que o fato de não ter ocorrido unanimidade dos sete jurados, quando decidiram, na noite de sábado, o grau do crime cometido pelos réus, abre essa possibilidade.
Os sete integrantes do júri -quatro homens e três mulheres- julgaram que Rayfran das Neves Sales, 29, o Fogoió, cometeu homicídio duplamente qualificado (crime de mando, além de não ter dado chance de defesa à vítima). Recebeu pena de 27 anos de prisão, em regime fechado.
Já seu cúmplice, Clodoaldo Carlos Batista, 31, o Eduardo, foi considerado culpado pelos mesmos crimes por cinco dos sete jurados. Outros dois encamparam a tese da defesa, segundo a qual Eduardo tentou convencer Fogoió -autor dos seis disparos que atingiram a vítima- a desistir de tentar matar a religiosa na noite anterior ao crime.
Por 5 votos a 2, portanto, foi decidido que Eduardo foi co-autor do assassinato. Sua pena foi menor que a dada a Fogoió -17 anos, em regime fechado.
A defensora pública disse que só não caberia recurso se os dois tivessem recebido a mesma condenação e a mesma sentença de todos os sete jurados. "Os jurados deveriam ter sido unânimes na qualificação do crime."
O segundo argumento -no caso de Fogoió- é o fato de ele ter sido condenado a mais de 21 anos, o que, segundo Cantal, dá direito ao réu ser julgado novamente.
Por fim, Cantal também alegará que seus clientes são réus primários, isto é, não tinham antecedentes criminais.
O promotor de Justiça Edson Souza avalia que não houve contrariedade nas provas.
Para ele, os tribunais no Brasil entendem que o jurado (Conselho de Sentença) decide conforme as provas que constam nos autos do processo. E, no caso de Fogoió e Eduardo, elas são verdadeiras.
"Uma decisão só é anulada quando é manifestamente contrária a essas provas. No caso de Fogoió, vai ter novo júri porque ele pegou mais de 21 anos de prisão. Eduardo também tem direito ao novo julgamento. Mas tenho 90% de certeza de que a decisão de condenação dos dois será mantida pelo tribunal", disse.

Três acusados do crime aguardam julgamento
As condenações de Rayfran das Neves Sales (Fogoió) e de Clodoaldo Carlos Batista (Eduardo) pelo assassinato da missionária Dorothy Stang não encerram o caso. Mais três acusados de participar do crime -presos em Belém- aguardam julgamento.
Amair Feijoli Cunha, o Tato, e os fazendeiros Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, e Regivaldo Galvão, o Taradão, são acusados de ser intermediário e mandantes do crime, respectivamente.
Os três conseguiram, por meio de recurso, adiar o julgamento para 2006, o que dá a eles chance de conseguir liberdade provisória até o Tribunal do Júri.
Tato está no Presídio Estadual Metropolitano, a 40 km de Belém. Bida e Taradão estão presos no Centro de Recuperação do Coqueiro, a 23 km do centro da capital, em celas separadas, de três metros quadrados cada.
Para os advogados de acusação, o julgamento em separado de Fogoió e Eduardo beneficiou os três acusados, pois as duas condenações já seriam uma satisfação à sociedade.
Segundo Fogoió, o assassinato de Dorothy foi intermediado por Tato. Porém, em dez depoimentos anteriores, o condenado confirmou a participação dos dois fazendeiros como mandantes.Bida e Taradão são acusados de ser os responsáveis pelo pagamento de R$ 50 mil pelo assassinato, o que evidenciaria o crime de mando e a formação de um consórcio para matar a freira.No julgamento, Fogoió e Eduardo chegaram a inocentar Bida e Taradão. Antes de depor, Fogoió destituiu seus advogados.
Leal disse à Folha que Bida é inocente, mas que há pressões de terceiros para incriminá-lo, sugerindo que outras pessoas participaram indiretamente do crime.
Bruno Barbosa, advogado de Tato, disse que Fogoió e Eduardo deixaram claro que foram induzidos a mudar os depoimentos. A defensora pública dos condenados, Marilda Cantal, nega que tenha dado essa orientação.
A Folha não localizou o advogado Osvaldo Serrão, que defende Taradão. No resumo do processo, ele argumenta que a confissão de Tato, que o incriminou, foi tomada de forma ilícita.

Para ONG, ação se resume a caso Dorothy
A diretora-executiva da ONG Justiça Global, Sandra Carvalho, elogiou a celeridade do processo do caso Dorothy, mas ressalvou: "Se esse tipo de ação não se resumisse a um caso tão emblemático, o Pará não seria o campeão no país em assassinatos a trabalhadores rurais".
Ela se baseia em um relatório da ONG divulgado no mês passado. Os dados são da CPT (Comissão Pastoral da Terra) e revelam que, de 1971 a 2004, 772 camponeses e defensores de direitos humanos foram assassinados no Pará.
Para Sandra Carvalho, a condenação de Fogoió e Eduardo é apenas "uma etapa importante".
O documento da ONG diz que "centenas de pessoas -entre mandantes, intermediários e pistoleiros- são envolvidas, mas houve apenas nove julgamentos".
Apenas três mandantes foram julgados e condenados no Estado. Um deles -um fazendeiro que matou um rapaz há 14 anos e recebeu a pena em 2000- hoje cumpre prisão domiciliar em sua casa em Goiânia, diz o relatório. Dois estão foragidos.
Mesmo alguns casos de grande repercussão jamais tiveram um processo instaurado. Entre eles estão cinco chacinas, que juntas somam 51 mortes.

FSP, 12/12/2005, Brasil, p. A9

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