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Defensoria recorre contra decisão que pede desocupação de quilombo

G1/Ba - http://g1.globo.com/bahia
19 de Set de 2012

Defensoria recorre contra decisão que pede desocupação de quilombo

Defensoria Pública da União solicitou pedido de reforma da decisão judicial.
Defensor explica que novas provas serão apresentadas.

A Defensoria Pública da União (DPU) recorreu na manhã desta quarta-feira (19), da decisão da justiça baiana que determinou o despejo dos moradores da região conhecida como Quilombo do Rio dos Macacos, em Simões Filho, região metropolitana de Salvador. O direito à área foi concedido à Marinha pela Justiça. A localidade do Rio dos Macacos fica a 500 metros da base da Marinha.

De acordo com o defensor público Átila Ribeiro Dias, foi solicitado um pedido de reforma da decisão judicial, para a apresentação de novos argumentos, incluindo o relatório do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que teria documentos que comprovam a existência de familiares dos atuais ocupantes da região desde, pelo menos, os anos de 1900. Segundo o defensor, tais argumentos dariam o direto à área aos atuais ocupantes.

A apelação foi solicitada junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Segundo a Defensoria, não há previsão de quando o pedido de reforma da decisão será julgado. O órgão solicitou também que a sentença de desocupação seja suspensa até que o tribunal se manifeste. Os atuais moradores da localidade não devem ser despejados nesse período.

Relatório do Incra
O superintendente regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na Bahia, Marcus Nery, afirma que o relatório técnico finalizado na sexta-feira (20) indica que o território do Rio dos Macacos, situado na cidade de Simões Filho, vizinha a Salvador, é quilombo.

"Nosso relatório indica que a comunidade é centenária e demilita esse território. Nosso estudo indica ainda que a comunidade está lá desde antes da chegada da Marinha", explica o superintendente.

"Quem define a comunidade como quilombola é a própria comunidade, que se autodefine. Depois disso, a Fundação Cultural Palmares emite uma certificação e posteriormente o Incra faz estudo dessa ocupação histórica, com um estudo antropológico dessa ocupação", completa o superintendente.

Mesmo com a confirmação do Incra, representantes da comunidade ocuparam a sede da instituição durante esta quinta-feira (26) e fizeram um protesto solicitanto a publicação imediata do relatório no Diário Oficial do Estado e da União. "O que estamos cobrando é que o relatório seja publicado no Diário Oficial com urgência, porque sem essa publicação, isso não tem legitimidade nenhuma. Nós estamos aqui hoje pedindo a garantia dos nossos direitos, porque não queremos que nossa luta vá por água abaixo", informou um dos representantes do quilombo, José Rosalvo de Souza.

Sabendo a importância dessa publicação, o superintedente explica: "Nosso relatório está concluÍdo e sabemos da necessidade da publicação. Sendo publicado vamos ter os entendimentos para que possamos dar os próximos passos até chegarmos a titulação daquela área".

Os representantes da comunidade quilombola deixaram a sede do Incra por volta das 21h30 desta quinta após uma reunião com o superintendente e outros membros do órgão. Através da assessoria, o Incra informou que foi marcada uma reunião entre integrantes da comunidade e representantes do Instituto na terça-feira (31), em Brasília, para falar sobre o Rio dos Macacos.

A líder da comunidade, Rosimeire Santos, disse ao G1 que aguarda confirmação da reunião para o dia 31 e que anteriormente o encontro em Brasília estava marcado para o dia 1o de agosto, data que segundo ela será feita a desocupação da área onde fica o quilombo. "Nós não temos para onde ir, só vamos sair de lá arrastados", afirma.

A área é foco de disputa de território demandada pela Marinha do Brasil desde o ano de 2010. Um mandado de reintegração de posse seria executado em março, foi parado para que o Incra realizasse o relatório e transferido para 1o de agosto. Por isso a necessidade da publicação do relatório antes desta data.

A Marinha do Brasil informou ao G1 que não irá se pronunciar sobre o relatório do Incra.

"Lá tem presença de famílias históricas, braços familiares que existem desde 1911", diz o analista do Incra, Claudio Nery.

Mesmo em greve nacional, parte dos servidores do Incra na Bahia trabalhou na finalização do relatório, cujo prazo venceria no dia 1" de agosto. Os grevistas ressaltam que o trabalho "foi uma exceção dos servidores em greve sensibilizados com a situação da comunidade e cientes da importância da conclusão do trabalho para as famílias quilombolas".

O técnico Cláudio Bonfim acrescenta que, no documento, é orientado a delimitação de uma área de 301 hectares para as 46 famílias remanescentes de escravos residentes. Atualmente, a terra é composta por mais de 800 hectares, segundo conta. "O relatório chega a essa conclusão, tem o território e aquele que é pleiteado, que não tem a mesma dimensão do território tradicional", diz. A equipe que executou o laudo, segundo ele, é interdisciplinar, composta por analista, agrônomo, antropólogos, entre outros.

Defesa
Depois de entrar com recurso contra decisão de juiz federal, que impede construção de casas na comunidade Rio dos Macacos, a Defensoria Pública da União na Bahia (DPU-BA) acionou a Justiça pedindo a suspensão do processo que prevê a retirada dos remanescente escravos da área. De acordo a Defensoria, o órgão militar quer "expandir" um condomínio utilizado pelos oficiais.

A DPU deu entrada no processo no dia 17 de julho. Segundo a DPU, a atitude foi motivada depois de detectado o falecimento de um dos réus do processo. Em nota, a Defensoria explica que utilizou um dispositivo do Código de Processo Civil, que define a suspensão da ação em caso de "morte ou perda da capacidade processual de uma das partes".

Repressão

As denúncias de repressão aos residentes do quilombo são foco de ação do Ministério Público Federal (MPF-BA). A Procuradoria direcionou recomendação ao Comando do 2o Distrito Naval da Marinha no dia 1" de junho, com o intuito de coibir "constrangimento físico e moral" aos remanescentes de escravos.

No último conflito ocorrido na localidade, a líder da comunidade, Rosimeire dos Santos, conta que marinheiros que acompanharam o oficial de Justiça - que entregou a decisão da Justiça, que proibiu a reconstrução de casas - foram violentos. "Eles vieram entregar o documento sem avisar, de surpresa. Chamaram meu irmão de vagabundo, derrubaram no chão, com a arma estalada para atirar. Meu irmão estava com uma pessoa ao telefone e entregaram o documento do juiz Evando Reimão dos Reis", relata.

O Ministério Público Federal (MPF) recomendou atuação do comando frente a qualquer tipo de constrangimento "moral e físico" contra quilombolas, expedida no dia 1" de junho. A Marinha deve se posicionar a respeito das providências que serão tomadas para investigar os casos e aplicar medidas disciplinares aos envolvidos. A Defensoria Pública do Estado afirma que 46 famílias residem atualmente no local, ocupado há pelo menos 150 anos.

Antiga fazenda

Vilma Reis, presidente do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra da Bahia (CDCN-BA), explica que a área em que hoje vivem as famílias de quilombolas era fazenda há 238 anos. Segundo ela, em 1972 foram retiradas do local 57 famílias, época em que a Vila Naval foi construída. "Até hoje essas famílias expulsas estão encostadas no muro, porque nunca perderam o vínculo com a comunidade", disse.

Vilma Reis retrata que a fazenda pertencia à família Martins, por décadas dona de grande parte do território do recôncavo baiano, mas que abdicou da propriedade de São Tomé de Paripe com a decadência do açúcar. "Foram se envolver em outras atividades, mas os quilombolas permaneceram no local. Se for lá, ainda vê os restos de fazenda, das correntes e de todo o material que servia para a tortura [dos escravos]. O laudo da Marinha mostra totalmente o contrário", descreve.

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