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Decreto destoa da lei

OESP, Notas e Informacoes, p.A3
28 de Nov de 2005

Decreto destoa da lei
É o jeito petista de governar. Não bastasse a interminável gestação da Lei de Biossegurança - proposta pelo Planalto para substituir legislação anterior que dava perfeitamente conta do recado na questão dos transgênicos -, só agora, na quarta-feira, o presidente Lula regulamentou o texto por ele sancionado em março último. Nesse interregno, prosseguiu por outros meios, longe das atenções da mídia, a ofensiva dos setores da administração contrários ao ingresso do Brasil no clube cada vez mais numeroso dos países que, com as devidas precauções, permitem o cultivo e o comércio de variedades geneticamente modificadas (GM) para consumo humano e animal.
Capitaneados pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a quem se pode aplicar o bordão "sou brasileira e não desisto nunca" e de quem se pode dizer que a sua combatividade bem que merecia causas melhores, tais setores se opõem aos transgênicos, a rigor, por desejarem o equivalente à abolição da luz elétrica. No caso, o modelo de economia agrícola chamado agronegócio, cujo êxito, de que o Brasil é exemplo, requer o aporte permanente e em ampla escala de recursos técnico-científicos de ponta, como os proporcionados pela engenharia genética. A fronda do atraso admite insulina GM, por exemplo, mas não soja GM.
O fato é que a ação de retaguarda desses grupos arrancou do Planalto um decreto de regulamentação da Lei de Biossegurança potencialmente capaz de transformá-la em letra morta. Isso porque, pelo texto com o qual o presidente da República decerto quis compensar a ministra Marina por outras perdas, o processo de decisão na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), a agência incumbida de autorizar o plantio de transgênicos, favorece nitidamente os que desejam que ela não autorize coisa alguma quando se tratar de pedidos para exploração comercial.
O decreto estabelece que, para a aprovação de solicitações de cultivo experimental de plantas GM, bastará a maioria simples de votos dos 27 membros da comissão formada por 12 representantes da comunidade científica e funcionários ministeriais. Já a autorização para produção propriamente dita exigirá 2/3 dos votos. Se todos os integrantes comparecerem a determinada votação, 10 votos contrários serão suficientes para bloquear qualquer requerimento do gênero. (O quórum mínimo para deliberações será de 14 membros.) A idéia inicial, aparentemente, era submeter os pedidos rejeitados a um segundo parecer. Prevaleceu, no entanto, a pressão ambientalista para que sejam pura e simplesmente arquivados.
O ministro de Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, a cuja Pasta a CTNBio estará vinculada, quer que ela comece a trabalhar ainda este ano. Não será fácil. Quando foi desativada a comissão no seu formato original, depois da sanção da Lei de Biossegurança, ficou para ser examinada uma pilha de 417 processos, entre os quais 17 de liberação comercial de transgênicos, na área vegetal ou animal - daí a pressa de Rezende. Ocorre que o decreto não prevê prazos para a designação dos componentes do órgão. Com isso, redutos antitransgênicos como os Ministérios do Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário e Trabalho poderão recorrer à arma predileta da burocracia para fazer empacar o que os desagrada - o corpo mole -, atrasando a mais não poder o início das atividades da nova CTNBio.
Depois, a tramitação dos pedidos será um exercício de rolar pedras morro acima. Em cada caso, poderão ser programadas audiências públicas, bastando para tanto o voto de metade mais um dos membros do colegiado. Além disso, suas decisões técnicas poderão ser reavaliadas a pedido de seus integrantes ou a partir de recursos dos órgãos de registro e fiscalização das atividades com transgênicos, "com fatos ou conhecimentos científicos novos e relevantes à biossegurança de organismos geneticamente modificados e seus derivados". O prazo para registro, de 120 dias, poderá ser alongado a até 180 dias para "estudos".
Aprovada uma solicitação, os descontentes - Ibama ou Anvisa, por exemplo - poderão recorrer ao Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), integrado por 11 ministros e ancorado na Casa Civil. Em tese, o Conselho terá de se pronunciar em 60 dias, descontado eventualmente o tempo para a elaboração de pareceres. "Agora temos uma lei moderna", comentou o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues. Pensamentos que consolam.

OESP, 28/11/2005, p. A3

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