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Decreto de Lula que dá poder de polícia à Funai abre novo confronto do governo com o agronegócio

O Globo - https://oglobo.globo.com/
12 de Fev de 2025

Decreto de Lula que dá poder de polícia à Funai abre novo confronto do governo com o agronegócio
Bancada ruralista teme 'atuação militante' da fundação, enquanto Ministério dos Povos Indígenas diz que medida visa combater garimpeiros e organizações criminosas, e não fazendeiros

Luis Felipe Azevedo

12/02/2025

Decreto do governo federal que deu à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) poder de polícia para proteger terras de comunidades originárias aumentou a tensão entre a gestão Lula e o agronegócio. Integrantes da bancada ruralista defendem que essa atribuição continue apenas com os órgãos de segurança estaduais e a Polícia Federal (PF), de modo a evitar a "insegurança no campo" e uma "atuação militante da Funai" na resolução dos conflitos. Já ativistas classificam a medida como uma forma de fortalecer o combate à criminalidade nas terras indígenas (TIs).

A determinação atende a uma exigência do Supremo Tribunal Federal (STF) de dezembro de 2024 e estabelece que a Funai deve usar o poder de polícia para prevenir a ameaça ou violação dos direitos indígenas, além de evitar a ocupação ilegal das terras dos povos originários. O decreto não dá porte de arma aos servidores da fundação. A instituição também pode solicitar cooperação de órgãos como a PF e as Forças Armadas para proteger as comunidades.

Para o deputado Pedro Lupion (PP-GO), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, "não é atribuição da Funai exercer o poder de polícia" em um momento de "tensão no campo". O congressista afirma que a medida "coloca mais poder a uma entidade que não tem estrutura para dar conta das suas atribuições já existentes".

- Somos contra utilizarem uma instituição como a Funai para descumprir a Constituição. Respeitamos os direitos de indígenas aonde os povos originários têm o direito de estar, mas não nas propriedades dos outros, quando invadem áreas com títulos e ocupadas por quem as comprou. Acreditamos que a Funai pode ter uma atuação militante e o processo não seja cumprido de forma adequada - aponta.

Entre os recentes atritos do agronegócio com o governo federal estão os vetos do presidente Lula ao marco temporal para demarcação de terras indígenas e à não tributação dos fundos de investimento do setor. Por outro lado, o país teve recorde na liberação de agrotóxicos e defensivos biológicos no ano passado - pauta defendida por representantes do agro e criticada por ambientalistas.

Foco e alcance
Já o secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas, Eloy Terena, afirma que o decreto traz "transparência e segurança jurídica" ao trabalho da entidade. Segundo ele, a fundação deve publicar ainda no primeiro semestre uma instrução normativa para detalhar os procedimentos de atuação.

- Não acredito que o decreto vai atingir fazendeiros. Estamos mirando organizações criminosas e garimpeiros que atuam em terras indígenas. A medida sobre o poder de polícia indigenista já estava estabelecida na fundação da Funai e na normativa dos Povos Indígenas. O decreto vem para regulamentar esse trabalho - avalia.

Serão alvos da Funai àqueles que tentarem remover os indígenas das próprias terras de forma ilegal, os que atacarem ou descaracterizarem as placas e marcos que delimitam os territórios, além daqueles que usarem de forma inadequada a imagem dos indígenas ou das comunidades sem a devida autorização.

O decreto estabelece que a Funai pode restringir o acesso às terras indígenas, expedir certificado de medida cautelar e determinar a retirada obrigatória de ocupantes. A fundação também tem o poder de destruir, inutilizar, apreender bens ou instalações usadas nas infrações.

A Funai afirma que a regulamentação do poder de polícia é essencial para que a entidade possa cumprir sua missão de maneira mais eficaz, sem depender exclusivamente de outros órgãos de segurança pública.

"Quanto às críticas que possam existir, a Funai argumenta que o Poder de Polícia não cria novas restrições, mas apenas reforça o cumprimento do que já está previsto na Constituição e na legislação", diz a fundação.

A exigência do STF ocorreu quatro anos após a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) entrar na Justiça contra o poder público para denunciar o tratamento recebido pelos povos indígenas durante a pandemia. A Apib propôs medidas de proteção às comunidades e aos territórios na ação apresentada à Corte.

- O decreto vem para ressaltar a importância da atuação dos servidores na proteção do território. Ainda tem muito o que se melhorar, mas já é um avanço - avalia Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib.

Tentativa de derrubada
Membro da Frente Parlamentar da Agropecuária, o deputado Alceu Moreira (MDB-RS) discorda. Na avaliação dele, o poder de polícia da Funai pode trazer "derramamento de sangue e morte de inocentes no campo". Ele apresentou um projeto de decreto legislativo para derrubar a decisão do governo federal.

- Toda semana tem uma dezena de pautas contrárias aos interesses do agronegócio no governo Lula. Existe uma tentativa de parte dele de transformar o agronegócio em um criminoso. Não somos contrários aos indígenas. Eles também querem produzir com dignidade. Se o governo quer dar mais terras para eles, é só comprar - diz o parlamentar.

Outros membros da bancada ruralista, como o senador Dr. Hiran (PP-RR) e o deputado Nicoletti (União-RR), apresentaram projetos para derrubar a medida.

Morde e sopra
Marco Temporal: O presidente Lula vetou a criação de um marco temporal para demarcação de terras indígenas em dezembro de 2023. O veto foi derrubado pelo Congresso posteriormente. A questão que opõe o Executivo e Judiciário, de um lado, e o Legislativo, de outro, é discutida atualmente no STF. Em agosto, audiências para tentar uma conciliação sobre o tema foram iniciadas na Corte.
Reforma Tributária: Parlamentares ligados ao setor se queixam do veto de Lula à isenção dos fundos de investimentos e patrimoniais, em janeiro. Com a medida, os Fundos do Agronegócio (Fiagro) não terão mais isenção na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), criados pela reforma tributária proposta pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Agrotóxicos: Por outro lado, o Brasil teve recorde na liberação de agrotóxicos e defensivos biológicos no ano passado. A pauta defendida por representantes do agro é criticada por ambientalistas e pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Foram 663 produtos aprovados no período, uma alta de 19% na comparação com 2023 (555) - que havia tido a primeira queda anual em sete anos.

https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2025/02/12/decreto-de-lula-qu…

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