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Declaração de Mourão eleva incerteza para Vale

O Globo, Economia, p. 17
29 de Jan de 2019

Declaração de Mourão eleva incerteza para Vale
Presidente em exercício afirma que gabinete de crise poderia estudar destituição da diretoria da mineradora, medida que precisaria ser articulada junto ao Conselho de Administração. Analistas temem ingerência na companhia

BRASÍLIA E RIO
JORGE WILLIAM

Recuo. Hamilton Mourão afirmou, no fim da tarde, que o afastamento da diretoria da Vale é uma medida "complexa"
Declarações do presidente em exercício, Hamilton Mourão, aumentaram ontem as incertezas em torno do impacto que a tragédia ocorrida em Brumadinho (MG) terá sobre o comando da Vale. Mourão afirmou que o gabinete de crise criado no Palácio do Planalto para tratar do assunto poderia estudar a destituição da diretoria da empresa. A frase gerou preocupação sobre o risco de possível ingerência do governo na empresa.

As declarações fizeram cair ainda mais as ações da Vale no mercado financeiro. O governo detém a chamada golden share, uma ação especial com direito a veto em decisões estratégicas, e poderia convocar uma reunião do conselho para discutir o futuro de sua diretoria.

- Essa questão da diretoria da Vale está sendo estudada pelo grupo de crise e vamos aguardar para ver quais são as linhas de ação que eles estão levantando. Tenho que estudar isso aí, não tenho certeza que possa fazer essa recomendação - afirmou o presidente em exercício.

Mourão, que assumiu a presidência na manhã de ontem enquanto Jair Bolsonaro era operado em São Paulo, defendeu a investigação e punição criminal dos culpados.

- Primeiro, a que dói no bolso já está sendo aplicada. Segundo, é (apurar) se houve imperícia, imprudência ou negligência por parte de alguém dentro da empresa. Essa pessoa tem que responder criminalmente porque, afinal de contas, quantas vidas foram perdidas nisso aí? É aquela velha frase que eu já disse outro dia, apurar e punir quem tiver que ser punido. Agora tem que punir mesmo -defendeu Mourão.

Mais tarde, com a repercussão das declarações, o presidente em exercício tentou minimizar o efeito de suas palavras. Em entrevista ao GLOBO, afirmou que o governo não tem planos para destituir a diretoria da Vale:

- Não existe isso. Não há um plano claro para destituir a diretoria da Vale - afirmou o presidente.

Perguntado sobre a declaração anterior, Mourão disse que apenas respondeu a uma pergunta sobre se a diretoria poderia ser afastada:

- Eu disse que isso poderia ser estudado.

FUNDOS DE PENSÃO

Segundo Mourão, o afastamento poderia ser considerado caso as investigações do caso comprovem que a companhia teve culpa na tragédia. O presidente em exercício admitiu, no entanto, que o afastamento da diretoria da empresa é algo "complexo" e que só pode ser feito via Conselho de Administração, em um movimento articulado entre governo e os principais acionistas.

A golden share do governo permite interferir em questões como mudança de sede, liquidação da empresa, venda ou encerramento de atividades, jazidas minerais, entre outros, mas não permite explicitamente uma troca no comando. O estatuto da empresa apenas prevê que o detentor da golden share tem o direito de eleger e destituir, um membro do Conselho Fiscal e o seu respectivo suplente. A alternativa, neste caso, seria uma articulação com outros dos principais acionistas.

Investidores estrangeiros têm 47,7% do capital da Vale. Outros acionistas de peso incluem a Litel, que reúne quatro grandes fundos de pensão - Previ, Petros, Funcef e Funcesp -com fatia de 21% das ações. A BNDESPar, subsidiária de participações em empresas do BNDES, detém 6,7%.

O porta-voz da Presidência da República, Olavo do Rego Barros, confirmou a avaliação de Mourão. Ele disse que os estudos para troca do comando estão sendo aprofundados para que a medida ocorra de modo "natural e dentro dos ditames legais".

Segundo uma fonte, o comitê de crise está aguardando o resultado das investigações pela Polícia Federal. E, havendo indicativos de culpa pessoal, essa medida poderá ser adotada.

SINAL NEGATIVO

Para Sabrina Cassiano, analista da Coinvalores, o impacto das declarações do presidente em exercício foi negativo para a empresa:

-Isso trouxe muita incerteza e preocupação. Apesar de o governo não ter poder para tirar diretamente a diretoria, ele pode usar de algum artifício para isso, embora o mercado não saiba como isso poderia ser feito.

Em 2017, a Vale aprovou um plano de reestruturação societária que a tornaria uma companhia sem controle definido. Dessa forma, ela entrava no Novo Mercado da Bovespa e melhorava a sua governança. O anúncio na época foi exaltado pelo mercado por limitar as interferências do governo na empresa.

- Pelo estatuto, o conselho é composto por 12 conselheiros e apenas dois precisam ser independentes. Assim, o governo pode indicar vários conselheiros (indiretamente, via outros acionistas). E por sua vez, o conselho decide sobre as questões estratégicas da empresa, como a permanência ou não do presidente da companhia - afirma Marco David, sócio do escritório de advocacia Kuntz.

Para Rafael Passos, analista da corretora Guide Investimentos, as falas de Mourão criaram uma sinalização negativa, pois o mercado considera "complicada" qualquer tipo de intervenção em empresa privada.

Em 2011, o então presidente Luis Inácio Lula da Silva pressionou e conseguiu afastar do comando da empresa o executivo Roger Agnelli. Na ocasião, Lula fez críticas à estratégia da empresa de reduzir o tamanho e investimentos para melhorar os resultados da companhia. Desgastado politicamente na ocasião, Agnelli deixou o comando da mineradora.

O Globo, 29/01/2019, Economia, p. 17

https://oglobo.globo.com/brasil/comite-ministerial-sobre-brumadinho-est…

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