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Decisão sobre usina nuclear Angra 3 pode sair hoje

FSP, Dinheiro, p. B6
25 de Jun de 2007

Decisão sobre usina nuclear Angra 3 pode sair hoje
Paralisadas desde 1986, obras poderão ser reiniciadas sob polêmica no governo e questionamento de especialistas
Para o empreendimento ser concluído, seriam gastos cinco anos e meio e mais R$ 7,2 bi, que se somariam ao R$ 1,5 bi já investido

Humberto Medina
Da sucursal de Brasília

O CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) se reúne hoje e poderá decidir sobre a construção da usina nuclear de Angra 3. Dentro do governo, há oposição do Ministério do Meio Ambiente. Fora, questionamentos de especialistas e investidores sobre a oportunidade de se construir mais uma usina nuclear e sobre o custo da energia que poderá ser gerada.
Com a retomada já anunciada pelo próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o aval do CNPE é considerado pela ala do governo favorável à usina (ministérios de Minas e Energia e da Ciência e Tecnologia, principalmente) como uma mera formalidade. Se aprovada, a usina demoraria pelo menos cinco anos e meio para ser construída, consumiria aproximadamente R$ 7,2 bilhões e poderia gerar 1.305 MW (megawatts).
A principal linha de defesa do projeto dentro do governo é o aspecto "estratégico": o Brasil precisaria estimular o conhecimento científico nessa área e de alternativas de geração de energia no longo prazo a partir de 2025, quando as melhores opções de construção de hidrelétricas já terão se consumado.
"É importante sobretudo como visão estratégica de longo prazo. A partir de 2025 já começam a faltar opções para compor a base de geração. Nesse caso, a opção nuclear é bem interessante", afirma Maurício Tolmasquim, presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética, estatal que planeja o setor). Tolmasquim defende a construção de Angra 3 e de mais quatro usinas nucleares, uma a cada cinco anos.
Responsável por pensar o setor a longo prazo no governo, ele acha que a discussão hoje já está mais madura, mas diz que o assunto é polêmico. "Não é unânime, mas nem sempre é possível a unanimidade."
Dentro da linha de argumentos a favor da usina, a Aben (Associação Brasileira de Energia Nuclear) avalia que o aumento da demanda por energia é determinante para a decisão.
"No momento atual, com crescimento de demanda e dificuldade de atendimento, fica claro que o Brasil não pode abrir mão de Angra 3", disse Francisco Rondinelli, presidente da entidade.

Críticas
Para o físico nuclear José Goldemberg, a construção da usina não é uma boa idéia por vários motivos. Segundo ele, um dos argumentos que não devem ser usados para defender a opção nuclear é o risco de falta de energia no médio prazo. "Autorizar Angra 3 não vai resolver a crise que se avizinha para daqui a três ou quatro anos", disse. Goldemberg foi membro do CNPE no governo Fernando Henrique Cardoso. "A usina levaria entre cinco e sete anos para ficar pronta."
Goldemberg diz também que os argumentos ambientais pró-usina -geração nuclear produz energia sem emitir gases que contribuem para agravar o efeito estufa- não são suficientes, porque a quantidade de gases que deixaria de ser emitida é muito pequena se comparada com prejuízos causados pelas queimadas na Amazônia, por exemplo.
Segundo ele, a opção preferencial do país deveria continuar sendo a energia renovável, principalmente a hidrelétrica. "É preciso destravar as hidrelétricas no país. Acho que é necessário rever o processo de licenciamento ambiental."
Para Luiz Pinguelli Rosa, coordenador do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, a usina de Angra 3 não seria prioritária. "Acho admissível, mas não vejo prioridade. Acho que o governo precisa ter coragem de enfrentar a batalha das hidrelétricas. Estou sentindo um certo escapismo com o problema."
Pinguelli se refere à dificuldade do governo de licenciar hidrelétricas de grande porte, como as do rio Madeira (RO). "Há mais o que fazer do que as hidrelétricas do rio Madeira. Angra 3 não pode ser uma represália [ao atraso no licenciamento]", disse.
O mercado também vê com ressalvas a possibilidade de contar com mais uma usina nuclear. "Não é imprescindível hoje. Tenho muito mais perguntas do que respostas sobre isso", afirma Cláudio Salles, presidente do Instituto Acende Brasil, organização que reúne os principais investidores privados em energia no país.
Segundo o representante dos investidores, é preciso mais transparência no investimento para saber como se formará a tarifa de Angra 3. O temor é que o governo coloque, compulsoriamente, uma energia subsidiada no mercado.

Ambientalistas dizem que desfalques no CNPE podem influenciar resultado

Da sucursal de Brasília

Caso realmente delibere sobre Angra 3, o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) tomará sua decisão com dois desfalques: as cadeiras destinadas ao cidadão brasileiro especialista em energia (vaga desde 2002) e a do representante das universidades (vaga desde 2005).
Entidades ligadas à defesa do ambiente argumentam que desses votos poderia vir parte da oposição à construção da usina, ou pelo menos mais informações à sociedade.
"A sociedade civil não recebe informação de quando vão acontecer as reuniões do CNPE", afirma Guilherme Leonardi, do Greenpeace. "É uma questão de voto e de acesso à informação", diz. Segundo ele, um exemplo de falta de acesso a informações na discussão de Angra 3 foi o processo de audiência pública para obtenção de licença ambiental prévia para a usina nuclear.
"As audiências públicas foram feitas sem que o estudo e o relatório de impacto ambiental estivessem disponíveis", diz.
O processo de licenciamento ainda está em andamento. Segundo Leonardi, em vez de usina nuclear, o Brasil deveria investir em fontes alternativas renováveis e em conservação de energia.

Composição
O CNPE é presidido pelo ministro de Minas e Energia e, fora os cargos vagos, é composto por representantes de outros oito ministérios (Casa Civil, Fazenda, Planejamento, Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente, Agricultura e Integração Nacional), além de um representante dos Estados.
Dessa composição, já é conhecida a opinião da Casa Civil, Minas e Energia e Ciência e Tecnologia, que são a favor, e Meio Ambiente, que é contra.
Criado em 1997, o CNPE é um órgão de assessoramento do presidente da República. A rigor, o presidente não precisa ouvi-lo para tomar decisões e, mesmo quando o conselho faz uma recomendação, ela não precisa ser seguida pelo presidente. No entanto, no caso de uma decisão polêmica como a retomada da construção de mais uma usina nuclear, o aval do CNPE poderia ser conveniente ao governo na hora de defender o projeto.

FSP, 25/06/2007, Dinheiro, p. B6

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