VOLTAR

De volta às raízes

Amazonas em Tempo, Dia a dia, p. C1
23 de Nov de 2008

De volta às raízes
Sem energia elétrica, por conta do gerador que queimou, os índios Kambeba estão salgando alimentos, para serem consumidos na comunidade

Ana Célia Costa
Equipe do Em Tempo
anacelia@emtempo.com.br

Novo Airão (AM) -Os índios da etnia kambeba voltaram ao passado. Eles estão salgando as carnes para conservá-las porque o gerador da comunidade queimou há quatro meses. O equipamento, instalado pela Prefeitura de Manaus, abastecia as 11 famílias, mas deixou de funcionar durante um forte temporal, em julho deste ano.
Há 25 dias, o Em Tempo presenciou o momento em que os comunitários salgaram a carne de um jacaré-açu, de quatro metros, abatido cinco dias atrás. O procedimento foi feito para que o alimento durasse toda a última semana de outubro. Os kambeba moram na comunidade 'Três unidos', na região do rio Cuieiras, na fronteira de Manaus e Novo Airão (143 km de distância da capital).
O tuxaua da tribo kambeba, Valdemir Triiquxhichuri, revelou que a comunidade ganhou o primeiro gerador há dez anos. Com o tempo, ele foi substituído por um mais potente. Porém, este queimou e depois foi substituído, mais uma vez, agora, por outro doado pela prefeitura. De acordo com tuxaua, desde que vieram de São Gabriel da Cachoeira (1.064 km de distância de Manaus), há dezessete anos, os kambeba ficaram a maior parte desse tempo sem energia elétrica, por conta dos problemas com os geradores.
Caça e consumo rápido
A falta da eletricidade fez com que os kambeba caçassem animais e os salgassem para consumo rápido. "Matamos os animais para que todos da tribo possam se alimentar, sem depender de produtos vindos de outros lugares. Há uma espécie de cozinha coletiva na comunidade onde é possível fazer a comida e se alimentar. Neste local as carnes são tratadas e ficam no varal", o explicou o chefe dos kambeba, Valdemir Triiquxhichuri.
Na comunidade, há pouco consumo de produtos industrializados. "Nós temos um problema para comprar esses produtos porque tudo é caro", afirmou o tuxaua.
A caça do jacaré-açu
Para matar o jacaré-açu, que foi a principal alimentação da última semana de outubro, houve uma verdadeira organização de todos da tribo. O animal estava no rio Cuieiras, quando foi cercado por muitos homens da tribo, "Como representava um perigo para as nossas crianças que brincam o tempo inteiro nesse rio, eu resolvi matar ele. Eu e outros homens usamos as nossas armas e depois de 4h conseguimos dominar e matá-lo", revelou. Ele disse que o animal abatido era um "adolescente", porque o adulto pode chegar até 7 metros.
Além do problema com a conservação de alimentos, os moradores da comunidade do Três Unidos estão com os eletroeletrônicos sem uso. As aulas, anteriormente, também eram realizadas à noite, mas desde que ocorreu o problema com o gerador, elas estão ocorrendo no período do tarde. A Manaus Energia, por assessoria de comunicação, disse desconhecer o problema dos kambeba.

Dificuldades da comunidade

Embora já tenham sido realizadas duas grandes reuniões da Fundação Nacional do índio (Fanai) e Fundação Nacional de Saúde (Funasa) com os povos indígenas da região dos rios Negro e Solimões, a situação deles ainda é precária, como foi visto na comunidade Três Unidos, dos Kambeba.
O tuxaua da tribo, Valdemir Triiquxhichuri, reclamou da falta de assistência da Funasa na região. "Antes era a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) que tomava conta dessas nossas questões de saúde. Agora que é a Funasa, nós não temos mais ajuda", disse. A Funasa, por meio de assessoria, informou que vai monitorar como está sendo o atendimento na comunidade.
Valdemir Triiquxhichuri é o único agente de saúde da comunidade. Ele foi treinado no município de Tefé (672 km de distância de Manaus) e ajuda a tratar dos problemas de saúde mais comuns dos comunitários.
Ele se disse preocupado com os boatos da falta e cortes de medicamentos. "Se não tiver mudança por parte da Funasa nós vamos reclamar mais. A Funasa tem recurso, mas eles não estão usando direito", avaliou.

Antropólogo afirma a importância do saber indígena

Procurado pelo EM TEMPO, o mestrando em Ciências Amazônicas da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), antropólogo Francisco César Brito Vieira, falou da importância de se conservar os ensinamentos indígenas em uma tribo. Ele comentou que o que vem acontecendo com os kambeba (salgar alimentos, como no passado) é resultado disso. "Durante um tempo, eles podem até ter o conforto de algumas novas tecnologias, mas é preciso saber como fazer as coisas quando faltar o diesel ou como agora que o gerador queimou", afirmou,
O antropólogo explicou que a volta às raízes define a importância do saber indígena. "Salgar a comida para conservá-la é simplesmente um resgate das tradições que não são poucas e não devem ser esquecidas. Muitas vezes essas facilidades da modernidade fazem com que eles fiquem vulneráveis", destacou.

Origem da tribo

Os índios Kambeba vieram do Peru e segundo Valdemir Triquxhichuri ainda existem lá cerca de vinte mil índios. Eles se mudaram para a comunidade 'Três unidos' porque queriam ficar mais perto de Manaus. "Eu sou tuxaua da tribo kambeba desde 1981. Eu tive apoio do senhor Valdomiro Cruz que é patriarca da etnia", explicou.
Na comunidade "Três unidos" vivem 11 famílias, das quais 20 adultos e 22 são crianças. A renda básica é obtida por meio do artesanato a da agricultura. "Uma vez por semana o barco de turismo Iberostar Grand Amazon vem à comunidade para que os turistas possam comprar os nossos artesanatos", disse o tuxaua Valdemir Triquxhichuri.

Amazonas em Tempo, 23/11/2008, Dia a dia, p. C1

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.