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De quem é essa terra, afinal?

Huffpost Brasil- http://www.brasilpost.com.br
Autor: Peter Rosenwald
16 de Set de 2016

Tenho um quadro naive favorito, que mostra dois indígenas observando de seu Éden a chegada das primeiras caravelas portuguesas. Ele é intitulado "A Perda do Paraíso de 22 de Abril de 1500".

A primeira vez que este gringo teve contato com uma das muitas comunidades indígenas brasileiras foi numa noite chuvosa em Corumbau, Bahia, perto de onde os nativos retratados no quadro teriam visto pela primeira vez a tragédia que se avizinhava. Nossa posada tinha contratado uma tribo de uma reserva próxima, Pataxó da Barra Velha, para apresentar danças rituais para os hóspedes. Os índios estavam pintados e usavam adereços e vestimentas típicas. Foi uma experiência ao mesmo triste e comovente ver aquele povo de passado nobre diminuído por 500 anos de negligência e abuso, mas mantendo sua dignidade e manifestando com orgulho sua cultura histórica. Era uma declaração de sua resistência contra a violência e a indiferença que sofrem há séculos.

A lembrança daquela noite foi ampliada pela excepcional exposição "Adornos do Brasil Indígena: Resistências Contemporâneas", inaugurada recentemente no Sesc Pinheiros, em São Paulo. A exposição está em cartaz até 8 de janeiro do ano que vem. Quem estiver interessado nas populações nativas brasileiras deveria visitá-la e levar os filhos. O ingresso é gratuito.

O trabalho esplêndido é o primeiro produto de uma parceria criativa entre o Sesc e a Universidade de São Paulo. A exposição reconhece a violação histórica e corrente dos direitos humanos dos povos indígenas cuja terra foi expropriada ou roubada e tem o objetivo de discutir "as identidades na luta por direitos coletivos, possíveis por meio do respeito às diferenças e aos processos de diferenciação que, em última análise, nos tornam humanos", diz Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo.

O propósito da exposição é abrir um diálogo entre culturas. Seu tema é a resistência duradoura dos indígenas ao roubo continuado de suas terras e suas tradições, algo que presiste até hoje não só no Brasil, mas também nos Estados Unidos e no resto do mundo. Recentemente, em uma carta aberta com palavras fortes enviada ao presidente Michel Temer, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) afirmou: "Rechaçamos a determinação deste governo interino de regredir ou suprimir direitos conquistados, que atingem diversas áreas da nossa vida: na saúde e educação diferenciadas, na alimentação e moradia, entre outros". A causa tem um problema adicional: o Brasil é um dos dois países da América do Sul que não reconhecem a posse de terras por indígenas.

Por enquanto, o governo bloqueia a construção de uma represa controversa no coração da floresta amazônica que ameaça inundar a floresta dos índios Munduruku e pode forçar muitos deles a abandonar suas terras. Não há questão que o objetivo mais importante para as populações tribais brasileiras seja o controle sobre suas terras. Elas perguntam, com toda justiça: de quem é essa terra, afinal?

Dada a dimensão do problema, qual a relevância dessa exposição?

Ela contém três partes: Adereços - o corpo como um meio de resistência; Adereços - testemunhos de resistência; e Adereços - celebrações da resistência. O ambiente popular do Sesc, distante da formalidade inibidora dos museus, oferece exatamente o tipo de diálogo com uma grande audiência que convida à compreensão das várias formas de "resistência". As mágicas pinturas corporais, os cocares com penas, colares e braceletes intricados e vários outros artefatos simbólicos da coleção do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP (MAE/USP) se juntam a arte contemporânea que imagina ou celebra a experiência tribal.

No excelente catálogo, Maria Cristina Oliveira Bruno, museóloga do MAE/USP escreve: "A aproximação entre artefatos etnográficos de arqueológicos (...) e artistas brasileiros contemporâneos abre muitas possibilidades de fruição para visualizarmos cumplicidades e, ao mesmo tempo, atenuarmos os distanciamentos percebidos quando as questões do Brasil Indígena se entrecruzam com o nosso cotidiano. Nesse sentido, nossa intenção (...) é propiciar encontros que permitam momentos de inflexão sobre a resistência contemporânea do Brasil Indígena". De fato - e de maneiras criativas e não-didáticas.

Em vez de ressaltar o roubo e pilhagem dos colonizadores em nome do "progresso" e da "civilização", a exposição tem uma abordagem única, reconhecendo as várias formas de resistência que formam a ponte entre a cultura histórica indígena e nossa "civilização" moderna.

Infelizmente, não há como voltar no tempo. Mas "Adornos do Brasil Indígena: Resistências Contemporâneas" oferece um caminho para o futuro, uma compreensão aprofundada que pode ajudar nossos parceiros indígenas e nos ajudar a manter o que resta do seu paraíso.

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