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De bem com a consciência, de mal com a lei

O Globo, Economia, p. 26
30 de Jan de 2008

De bem com a consciência, de mal com a lei
Cartão que compensa emissão de gases do efeito estufa é enviado até para quem não tem carro. Idec faz alerta

Nadja Sampaio

Várias empresas como Ipiranga, IG, Bradesco, ABN Amro Bank e a Volkswagen estão desenvolvendo campanhas de marketing prometendo compensar emissões de gases de efeito estufa, causadores do aquecimento global, com projetos que incluem o reflorestamento de alguma área. No caso da Ipiranga, a campanha, politicamente correta, está em conflito com os direitos do consumidor, pois a empresa está enviando seus cartões para os consumidores, sem que eles tenham pedido. As reclamações já estão chegando a esta seção.

Igor Ramos Koury Peixoto reclama que recebeu um cartão Ipiranga, sem nunca o ter solicitado. Ele afirma que tentou cancelá-lo, mas o sistema estava indisponível: - Não dirijo, não possuo habilitação, sou um pedestre sem dinheiro bolso. Portanto, não entendo porque recebi este cartão.

Eduardo Aguero considera abusivo e ilegal receber um cartão sem ter pedido: - Não autorizei que meus dados fossem acessados e utilizados pela Fininvest. Isto é uma invasão de privacidade. Tentei reclamar por email para a Fininvest, mas o site fecha antes de a minha mensagem ser enviada. Quero ter certeza do cancelamento deste cartão.

A Ipiranga diz que os cartões destes leitores foram cancelados.

Consumidor deve cancelar e inutilizar o cartão Marcos Diegues, gerente jurídico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), diz que ao enviar o cartão, a empresa está infringindo dois artigos do Código de Defesa do Consumidor (CDC): o artigo 39 proíbe que se envie, sem solicitação prévia, qualquer produto ou que se forneça qualquer serviço. E pelo artigo 43, os dados do consumidor em um cadastro só poderão ser utilizados com sua autorização.

Diegues diz que, se o consumidor não quiser o cartão, o ideal é ligar para a empresa e cancelá-lo, anotando dia, hora que ligou e o nome do atendente. Deve, ainda, inutilizar o cartão antes de jogar fora, pois o maior perigo é o cartão ser utilizado por outra pessoa que o desbloqueie: - O consumidor deve ser crítico em relação a essas campanhas, pois isso é muito marketing. Melhor do que pagar para compensar a emissão de gás carbônico é evitar sua emissão, locomovendo-se menos de carro.

Para Ricardo Morishita, diretor do Departamento Nacional de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), uma ação social precisa ser coerente. Ele observa que do ponto de vista jurídico, a proteção ao meio ambiente e o direito do consumidor são direitos difusos, pois atingem a todas as pessoas.

Não faz sentido dizer que está cuidando do meio ambiente e ferir a lei de proteção ao consumidor: - É como diz uma citação da obra de D. Quixote "não é possível fazer o bem com pequenos males". É preciso ter consistência nas ações.

Morishita ressalta ainda que o consumidor tem que prestar atenção quando participa de promoções na quais entrega seus dados. Geralmente, em letras pequenas, há um aviso de que os dados podem ser compartilhados com outras empresas.

O gerente-geral jurídico da Ipiranga, Guido Silveira Filho, explica que o consumidor não tem prejuízo porque o cartão vai bloqueado para a função de crédito, mas pode ser utilizado, sem o desbloqueio, como um cartão de vantagens, com desconto em vários serviços e compra de produtos, além disso, não é cobrada anuidade.

Ele explica que no outro cartão da Ipiranga, em cada litro de gasolina, o consumidor recebe de volta um valor.

No caso do cartão carbono zero, em vez de receber de volta esta parcela, o valor é investido em programas de compensação de emissão de carbono, entre eles, o reflorestamento.

Segundo o advogado, a Ipiranga já comprou 25 mil mudas de árvores no Paraná e o trabalho de plantio e acompanhamento é desenvolvido com outros parceiros.

Campanhas não são alívio para mudanças climáticas
Idec critica o apelo de marketing

As campanhas que prometem compensar emissões de carbono não deixam claro que esta é uma ação que leva várias décadas para ser concretizada. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) lembra que os combustíveis fósseis utilizados nos transportes são a maior causa do aumento do efeito estufa. Portanto, é contraditório e questionável que uma empresa como a Ipiranga, que vive de contribuir para as mudanças climáticas, ofereça a absolvição do pecado ao consumidor que compra seu produto. Para o Idec, o consumidor não compensa suas emissões de carbono simplesmente caindo nos apelos de marketing, que visam a aumentar a base de clientes. E defende que apenas uma consciência mais leve não alivia as mudanças climáticas.

A forma mais comum de neutralização no Brasil, dentro do mercado voluntário, é o reflorestamento.

Mas para que surja algum efeito são necessários 30 anos, em média, para o desenvolvimento da vegetação. É fundamental que haja o acompanhamento da vegetação cultivada.

Segundo cálculos da Max Ambiental, para cada tonelada de carbono emitida, é necessário plantar cinco árvores.

A neutralização é possível, segundo Luiz Henrique Piva, coordenador da campanha de Clima do Greenpeace, mas é preciso tomar cuidado para não se vender isso como se fosse um pedacinho do céu. Isto porque muitos consumidores acreditam que, ao pagar uma pequena parcela, estão automaticamente contribuindo para reduzir as emissões.

Existem dois caminhos para esta neutralização de carbono: o mercado oficial e o voluntário. O mercado oficial possui regras rígidas e os projetos são aprovados pela Organização das Nações Unidas (ONU). Neste mercado, os principais projetos são de aterros sanitários, transformação de gás metano em energia elétrica e energias renováveis. O reflorestamento, comum no mercado voluntário, ainda não ocorre no mercado oficial.

O Globo, 30/01/2008, Economia, p. 26

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