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Datsi 'Ahori: A guerra Xavante

CB, Brasil, p.1, 13-15
25 de Jan de 2004

Datsi 'Ahori: A guerra Xavante
Juiz federal decide na quinta-feira se determina a retirada de 600 posseiros da reserva Marãiwatsede, em Mato Grosso. Índios ameaçam recorrer à força caso não haja acordo para a desocupação da área de 168 mil hectares

Bernardino Furtado e Ronaldo de Oliveira
Enviados especiais

Na noite da última quarta-feira, uma caminhonete despejou 20 xavantes, a maioria mulheres e crianças, na margem da rodovia BR-158. O grupo foi engrossar o acampamento montado, em novembro de 2003, por 100 índios, junto aos limites da antiga fazenda Suyá Missu, no município de Alto Boa Vista, no nordeste do Mato Grosso. Do outro lado da pequena ponte de madeira está a Terra Indígena Marãiwatsede, demarcada em 1998. Os cerca de 600 posseiros instalados nos168 mil hectares da reserva não admitem sair. Os xavantes prometem usar a força caso a Justiça Federal não suspenda uma liminar, concedida aos posseiros em dezembro passado, que impede a entrada na área.

Os xavantes depositam esperanças numa audiência marcada para a próxima quinta-feira, dia 29. O juiz da 5ªVara Federal de Cuiabá, José Pires da Cunha, ouvirá dez testemunhas indicadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Ex-funcionários da Suyá Missu, um ex-prefeito e dois padres pretendem demonstrar (veja depoimentos e fotografias na página 14) que os xavantes já viviam no local quando o usineiro paulista Orlando Ometo tentou implantar numa região remota, a 1.300 km de Brasília, uma megafazenda de gado, de aproximadamente 600 mil hectares.

Para onde vai, o cacique Damião Paridzané carrega uma fotografia. O vidro protetor do porta-retrato está partido em vários pontos, mas deixa ver o líder xavante pintado a caráter ao lado do presidente Fernando Henrique Cardoso, em dezembro de 1998. Naquele dia, Damião recebeu simbolicamente uma cópia do decreto que criou a Terra Indígena Marãiwatsede. ''A terra é nossa. Vamos para a Datsi'ahöri (guerra) porque já esperamos demais'', afirma o cacique.

Retirados da fazenda em 1967, os cerca de 150 xavantes da Suyá Missu ficaram inicialmente na Missão Salesiana de São Marcos, 400 km ao sul, onde ainda vivem na aldeia U'hi. O restante espalhou-se pela reservas xavantes de Sangradouro, Prabubure e Couto de Magalhães. Em 1986, com a criação da Terra Indígena de Pimentel Barbosa, o cacique local, Warodi, acolheu um grupo remanescente de Marawãitsede numa parte da reserva. Nessa área, a 230 km ao sul da antiga fazenda Suyá Missu, formou-se a aldeia Água Branca, o maior núcleo de ex-moradores de Marãiwatsede, atualmente com cerca de 600 índios. É na Água Branca que pontifica Damião, aconselhado por dez anciões. O mais velho deles, Cirilo, numa cadeira de rodas, pede pressa na volta à Marãiwatsede para se juntar aos ancestrais lá enterrados.

Incentivos fiscais

O retorno dos xavantes para o que restou da Suyá Missu é dificultado pelo longo domínio privado sobre as terras da antiga fazenda. Em 1971, Orlando Ometo vendeu as terras para a Liquifarm, empresa de capital italiano que atuava no Brasil na distribuição de gás de cozinha.

Em 1974, a Funai forneceu à Liquifarm uma certidão assegurando a inexistência de aldeias indígenas na área. Esse documento legitimou um financiamento de US$ 30 milhões da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).

Graças à injeção de dinheiro, a Suyá-Missu chegou a abrigar 80 mil cabeças de gado.
No fim da década de 80, a Liquifarm foi comprada pelo grupo italiano Agip Petroli. Em 1992, durante a conferência Eco-92, no Rio de Janeiro, um executivo da Agip declarou que a empresa pretendia devolver a terra aos xavantes. A notícia foi seguida de uma invasão da área por posseiros. A direção da Agip desautorizou as declarações do executivo.
Condicionou a volta dos Xavante à compra ou expropriação da Suyá-Missu pelo governo brasileiro.

Dos cerca de 600 mil hectares originais da megafazenda dos Ometo, 55 mil hectares foram desapropriados pelo governo federal para os assentamentos Mãe Maria e Dom Pedro. Cerca de 300 mil hectares foram vendidos a particulares. Em março de 2003, a área restante, já registrada como terra indígena pelo governo, foi vendida por R$ 3 milhões ao fazendeiro goiano Jurandir de Souza Ribeiro. Um primo dele, o prefeito de Acreúna, Wander Carlos de Souza, maior produtor individual de algodão do Brasil, é dono da Fazenda Guanabara, vizinha à velha Suyá Missu. Em terras Guanabara está o acampamento do cacique Damião.

Apoio de desbravadores
Os primeiros homens brancos a se instalar na região vão à Justiça defender a causa xavante. Depoimentos e fotos mostram que índios já estavam na região bem antes dos atuais fazendeiros chegarem ao nordeste do estado

Fazenda Suyá Missu é fruto do modelo de ocupação do oeste e da Amazônia implantado em meados da década de 50 e mantido no regime militar. Transferia-se grandes porções de terras públicas a grupos privados para a fundação de megaprojetos agropecuários.

Graças à infra-estrutura necessária ao empreendimento, agricultores com pouco ou nenhum dinheiro eram atraídos para nacos menores de terra. No Mato Grosso, a família Ometo aventurou-se também na Serra do Cachimbo e construiu a cidade de Matupá. Ariosto da Riva, sócio dos Ometo na Suyá Missu, apropriou-se de uma grande área a oeste e fundou a cidade de Alta Floresta.

Com a ajuda do governo federal e muita disposição, Orlando Ometo, dono da Usina da Barra, em Barra Bonita (SP), apostou alto em Suyá Missu. A Fundação Brasil Central, criada pelo presidente Getúlio Vargas, emprestou parte das máquinas usadas na abertura de 450 quilômetros de estrada entre Barra do Garças e a fazenda. Orlando levou um batalhão de operários e técnicos para a empreitada, a maioria ligados à Usina da Barra.
Desse grupo fazem parte o arquiteto Ricardo Rodrigues de Moraes, o mecânico Reinaldo Oioli, o construtor de estradas José Carlos Rodrigues de Oliveira e o contador Dario Carneiro. Outros, como o piloto de avião Rolim Amaro, seguiram o rastro da empreitada. Rolim passou a lua-de-mel na fazenda. Depois de voar muito para a Suyá Missu, comprou da recém-criada TAM o avião que pilotava. Mais tarde, tornou-se dono da empresa, hoje líder no mercado doméstico de aviação. O mecânico Reinaldo Oioli registrou, em fotos, seus contatos com os xavantes a cada avanço das máquinas.

Na audiência judicial no próximo dia 29, oito desses ex-desbravadores vão apoiar a causa de Marãiwatsede. Depois, prometem visitar os xavantes para devolver os presentes que ganharam dos índios há quase 40 anos.

Depoimentos

Ricardo Rodrigues de Moraes Arquiteto, projetou a casa de hóspedes, a casa do gerente e habitações para outros funcionários da Suyá Missu entre 1962 e 1964. Aos 70 anos de idade, mora em Praia Grande (SP)

Fiquei com a impressão de que o Orlando Ometo conseguiu estabelecer uma convivência harmoniosa com os xavantes de Suyá Missu. Era chamado de indá - o fonema da palavra xavante que equivale ao tratamento de senhor, em português -, mas com um acento carinhoso. Orlando ofertava um boi por dia para os xavantes se regalarem. Os índios moravam numas 20 malocas em semicírculo que ficava junto à cabeceira da pista para aviões da fazenda. Não falavam praticamente nada em português e andavam nus. Apenas o cacique, que ganhara camisas dos ''brancos'', costumava receber os visitantes vestido em quatro delas, uma por cima da outra. Era uma demonstração de opulência e, indiretamente, de poder.

Dario Carneiro Contador, trabalhou de 1963 a 1970 no escritório da Suyá Missu.Mora em Cordeirópolis (SP) e tem 64 anos de idade

Quando cheguei, os xavantes moravam num grupo de oito malocas a uns três quilômetros da sede da fazenda. Circulavam com plena liberdade. Às vezes, passavam de dois a três dias sem aparecer na sede. Toda semana, o Ariosto da Riva, sócio de Orlando Ometo na fazenda, mandava matar um boi para os índios. O xavante Tibúrcio era uma espécie de porta-voz do grupo. Depois os índios se afastaram e foram morar a uns 30 km de distância da sede, ainda dentro da fazenda. Na minha interpretação, foram os padres salesianos, liderados pelo Mario Panziera, coordenador da Missão São Marcos, que decidiram retirar os índios da Suyá-Missu. Com ajuda do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), Panziera conseguiu um avião Douglas DC-3 da FAB para transportar os xavantes para São Marcos.

Padre Bartolomeu Giaccaria Primeiro tradutor da língua e autor de livros sobre a cultura xavante,o salesiano trabalhava na Missão São Marcos quando os índios retirados da Suyá Missu chegaram.Tem 74 anos de idade

Os salesianos retiraram os xavantes de Suyá Missu, em 1967, a pedido dos próprios índios. Eles tinham sido levados pelos donos da fazenda para uma área longe da sede que alagava no verão e era extremamente seca no inverno. Estavam morrendo aos montes. Os Xavante eram explorados pelos funcionários da Suyá Missu em serviços braçais. É verdade que o Orlando Ometo demonstrou preocupação com o futuro dos índios, e visitou São Marcos algumas vezes durante cerca de dois anos após a chegada deles à missão. Em São Marcos, metade dos xavantes de Suyá Missu morreram de sarampo. A doença também dizimou muitos dos índios que já moravam na missão.

Reinaldo Oioli, Mecânico,foi contratado por Orlando Ometo para fazer manutenção nas máquinas que abriram a estrada de Barra do Garças à Suyá Missu.Hoje,aos 76 anos de idade,tem um depósito de ferro velho em Barra Bonita (SP),sua cidade de origem

Comandava 20 mecânicos e mudava o acampamento a cada 40 quilômetros. Nos últimos estágios, já estava dentro da Suyá Missu. Tive contato primeiro com os xavantes de Areões, depois de São Domingos e, finalmente, com os de Suyá Missu. Na fazenda, eles tinham uma aldeia a cerca de um quilômetro da sede. Eram bons e atenciosos. Eles nos ajudavam, geralmente cortando madeira para calçar máquinas, coisas assim. Eram muito fortes, tinham um físico muito bonito. Depois que foram para São Marcos, tive notícias deles pelo Dariozinho (Dario Carneiro), que passou uns tempos lá. Os Xavantes obedeciam mais ao Dariozinho do que ao próprio cacique Tibúrcio. Dariozinho foi mandado a São Marcos para convencer os índios a tomar remédio.

Padre Pedro Sbardellotto Salesiano,trabalhou em vários povoados do Nordeste do Mato Grosso. Em São Félix do Araguaia,chegou a montar uma missão com cerca de 400 xavantes.Tem 87 anos e mora atualmente na Missão São Marcos

Visitei a Suyá Missu várias vezes entre 1964 e 1967, aproximadamente. Meu objetivo inicial era prestar assistência religiosa aos empregados da fazenda. Havia um pequeno grupo Xavante, liderado pelo Tibúrcio, próximo à sede da propriedade. Soube que a maior parte dos índios morava a uns 30 quilômetros. Fui lá, acompanhado do xavante Mário Juruna e um outro, cujo nome não me lembro. Foram dois dias de viagem a pé, extremamente penosos, até a aldeia Marãiwatsede. Certa vez, o Ariosto da Riva me contou que, a pedido do cacique Tibúrcio, mandou fazer umas vinte camisas vermelhas. Dias depois, voando sobre a aldeia, Ariosto avistou quatro índios vestidos com as camisas. Esse episódio demonstrou que o grupo, que se mudou para perto da sede da fazenda, se comunicava com a aldeia, embora dissessem que tinham medo de sofrer represálias caso voltassem a Marãiwatsede.

Cinco Bélgicas devastadas
Mato Grosso tem de 12 milhões a 15 milhões de hectares abandonados ou subutilizados por agricultores da região. Mesmo assim, governador luta para retirar estado da Amazônia Legal e ampliar terras destinadas ao agronegócio

Marãiwatsede (MT)-governador do Mato Grosso, Blairo Maggi (PPS), não tem medido esforços para evitar o retornodos xavantes a Suyá Missu. Chegou a anunciar uma visita, na última sexta-feira, à aldeia Água Branca, onde iria liberar recursos para a produção agrícola. Máquinas agrícolas, sementes e insumos seriam fornecidos aos xavantes da aldeia. Em troca, os índios deveriam abandonar o acampamento na BR-158. O cacique Damião, que estava numa das barracas, avisou que não voltaria à Água Branca para receber o governador. Explicou que a visita de Maggi seria inócua, pois os xavantes não abririam mão da reserva de Marãiwatsede.

Para fugir da pressão de outros líderes da etnia, seduzidos pela oferta de ajuda do governo, Damião viajou na última quinta-feira para local ignorado. Deve reaparecer numa manifestação dos xavantes em Cuiabá, programada para a próxima quinta-feira, dia da audiência com o juiz federal José Pires da Cunha

A posição sobre a reserva Marãiwatsede é coerente com o projeto de Maggi. Em carta enviada em 31 de março do ano passado ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o governador propôs uma moratória de pelo menos dois anos nas demarcações de reservas. A volta dos xavantes a Marãiwatsede daria combustível para reivindicações de novas terras indígenas e ampliação das atuais.

No documento, Maggi alega que os atuais 15,6 milhões de hectares de terras indígenas no Mato Grosso correspondem a 17,3% do território do estado.

Cita estudos da Funai que, se concretizados, comprometeriam mais 19 milhões de hectares em novas reservas.

Assessores do governador, a exemplo do secretário de Desenvolvimento Rural, Homero Alves Pereira, têm defendido a inclusão dos cerca de 35 mil índios do Mato Grosso na agricultura de alta produtividade, que tornou o estado o maior produtor de soja e de algodão do país nos últimos anos. Um movimento dos xavantes de Sangradouro pela ampliação da reserva foi combatido com uma parceria entre governo e produtores rurais vizinhos para lavouras mecanizadas de arroz na terra indígena. O governo tem conquistado aliados indígenas, como o cacique xavante Domingos Mahoro e Rony Azoinayce, líder dos paresis.

Maggi assumiu a meta de mais que dobrar a produção de grãos do Mato Grosso nos próximos dez anos. Da safra esperada de 21 milhões de toneladas em 2004, quer atingir 45 milhões de toneladas ao fim desse período.

A criação de novas reservas indígenas não é o único empecilho à ''revolução agrícola'' de Maggi, maior produtor individual de soja do mundo, controlador da Fundação Mato Grosso (pesquisas), fornecedor de sementes, comprador de soja, armazenador e dono da Hermasa, transportadora fluvial com porto próprio em Itacoatiara, no Amazonas.

Maggi quer também tirar o Mato Grosso da Amazônia Legal. Atualmente, no norte do estado, área de expansão agrícola, as propriedades são obrigadas a manter reservas florestais em 80% da área. Fora da Amazônia Legal, o índice cairia para 50%.
Aliado de primeira hora do presidente Lula - chegou a defender a renúncia do candidato Ciro Gomes, colega de partido, em favor do candidato do PT -, Maggi tem sido desencorajado pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a levar à frente o projeto de retirada do estado da Amazônia Legal.

Um estudo do governo federal mostra que Mato Grosso ostenta outra estatística desconfortável, além do campeonato de desmatamento nos últimos dez anos.

Segundo o documento, há de 12 milhões a 15 milhões de hectares abandonados ou subutilizados para a agricultura no estado - o equivalente a cinco vezes o território da Bélgica. Segundo dados do IBGE, as parcelas produtivas não utilizadas nos estabelecimentos agropecuários correspondem a 21% do área total dessas propriedades no Mato Grosso. Só perde para o índice do Maranhão e é muito superior à média nacional, de 4,6%. Técnicos do Ministério do Meio Ambiente defendem o estímulo ao aproveitamento dessas áreas, em vez da expansão em novos nacos de floresta.

Situada numa faixa de transição entre o Cerrado e a Floresta Amazônica, a antiga Suyá Missu foi largamente desmatada durante a implantação do projeto agropecuário da Liquifarm. Uma rápida incursão no que sobrou da fazenda revela recentes desmatamentos para ampliação das lavouras e criação de pastagens. É pouco provável que o limite de 80% de reserva legal esteja sendo respeitado.

A pedido da assessoria de Maggi, o Correio enviou no último dia 16 uma lista de oito perguntas para o governador. Uma semana depois, assessores ainda prometiam enviar as respostas. Até o fechamento desta edição, porém, o questionário não havia sido respondido.

Botinudos rateiam área da reserva e se armam

Os agricultores que ocupam a Terra Indígena Marãiwatsede pertencem à estirpe dos ''botinudos''. É como são chamados, no Mato Grosso, os gaúchos, paranaenses, mineiros e goianos pobres que fizeram fortuna derrubando o cerrado e a floresta para plantar ou criar gado. O paranaense filho de gaúchos Blairo Maggi é o personagem mais ilustre desse grupo. Osmair Luiz da Mota, dono de 1.500 hectares em Marãiwatsede, é um botinudo emergente. Mineiro, faz questão de dizer que não conhece Minas Gerais. Até se mudar para o Mato Grosso, só deixava a zona rural de Capelinha do Chumbo, distrito de Patos de Minas, a cada quatro meses. Ia até o povoado e voltava para a roça no mesmo dia. Antes de invadir a Suyá Missu, em 1992, ''conseguiu comprar um gadinho'', trabalhando para pecuaristas numa outra área de preservação, a Ilha do Bananal.

O mineiro não deixa dúvida sobre a disposição dos cerca de 600 posseiros de Suyá Missi de resistir à volta dos xavantes. ''Em 1992, a Funai veio aqui, prometeu pagar indenização. Voltou onze anos depois, querendo tomar a terra e pôr os índios lá dentro. Não vamos sair'', avisa.

Renato Teodoro Filho, nascido em Prata (MG) e dono de 250 hectares na Suyá Missu, reclama do tratamento privilegiado recebido pelos índios. ''Nós somos os verdadeiros brasileiros.

Ao contrário dos índios, que vivem pendurados no governo, trabalhamos sem crédito, sem estrada, sem telefone. Tudo o que conseguimos - a energia elétrica, a central telefônica -, tivemos de pagar'',diz, referindo-se ao povoado de Estrela do Araguaia, encravadona Terra Indígena Marãitsede. Estrela do Araguaia tem cerca de 100 casas, três mercearias, dois postos de gasolina e muito barro. Recentemente, os habitantes, com apoio do governo do estado, ensaiaram uma campanha pela emancipação política da vila. O município-sede, Alto Boa Vista, de 3 mil habitantes, separou-se de São Félix do Araguaia há menos de dez anos.

Numa última carta para tornar irreversível a ocupação de Marãiwatsede, os grandes posseiros associaram-se ao produtor de algodão Jurandir Souza Ribeiro, que comprou da Agip Brasil os 168 mil hectares de Marãiwatsede em março de 2003. Jurandir está parcelando o terreno em escrituras menores para os posseiros. Diz que conservará ''apenas'' 15 mil a 20 mil hectares.

Na linha de frente, os posseiros mantêm há dois meses 18 vigilantes armados e bem nutridos. Um motor a diesel garante luz e música alta para o pequeno exército. Bois são abatidos regularmente e dessossados no próprio rancho de palha, a poucos metros das barracas xavantes do cacique Damião.

CB, 25/01/2004, Brasil, p. 1, 13-15

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