VOLTAR

Dados defasados fazem Brasil cair sete posições no índice de desenvolvimento humano (IDH) da ONU

OESP, Geral, p. A10
15 de Jul de 2004

Dados defasados fazem Brasil cair sete posições no índice de desenvolvimento humano (IDH) da ONU
País passou do 65.o lugar para o 72.o de 2001 a 2002 pelo uso de dados diferentes da educação

Bruno Paes Manso

Dependendo do critério, os resultados podem ser bem diferentes: o Brasil encerrou o ciclo de oito anos de governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) com uma queda brusca no ranking que mede o desenvolvimento humano no mundo. Na comparação com 175 países e 2 territórios, entre os anos 2001 e 2002, o Brasil despencou da 65.ª posição para a 72.ª, ficando abaixo da colocação que se encontrava no começo dos anos 90. Caso sejam considerados apenas os 145 países que ofereceram uma série completa de dados, entretanto, pode-se detectar um avanço de cinco posições do Brasil no ranking, passando da 64.ª para a 59.ª no mesmo período.
O Estado calculou o ranking dos países com séries de dados mais longas porque, segundo técnicos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), corresponderiam a um grupo de nações com dados mais confiáveis.
O relatório com os dados referentes ao ano de 2002 será divulgado hoje pelo Pnud. Segundo a entidade, a queda do Brasil aconteceu por causa de mudanças ocorridas na fonte de dados usadas para calcular os índices.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é composto por três base de dados:
uma referente ao PIB per capta, outra que mede a esperança de vida ao nascer e uma ligada à educação. A queda brasileira no ranking aconteceu por causa da piora nos dados de educação, mais especificamente uma redução na taxa de alfabetização de adultos - o porcentual de analfabetos entre pessoas com mais de 15 anos.
Na realidade, contudo, não foi o total de analfabetos brasileiros que aumentou. Houve uma alteração na fonte de dados enviada à Unesco pelo Governo Federal para medir os índices de analfabetismo. No relatório divulgado no ano passado - referente ao exercício do ano de 2001 - para medir a taxa de analfabetos, o governo brasileiro mandou dados da Pesquisa Nacional de Amostra a Domicílios (Pnad), que considerava os avanços brasileiros na erradicação do analfabetismo conquistados entre 2000 e 2001.
Para calcular o IDH de 2002, entretanto, o governo enviou números de analfabetismo referentes ao Censo de 2000, que apontavam uma maior proporção de analfabetos. O uso dos dados defasados para o relatório deste ano levou o índice a apontar um retrocesso brasileiro na educação, que não existiu.
A mudança causou uma confusão importante e joga dúvidas relevantes sobre os reais avanços sociais alcançados durante o governo Fernando Henrique, o que levou o ex-ministro Paulo Renato Souza, da Educação, a acusar o atual governo de manipulação dos dados (leia reportagem ao lado).
A 65.ª posição apontada a partir da base de dados usada ano passado colocava o Brasil entre os países que mais avançaram no IDH desde os anos 70. Foram 16 posições em 26 anos, de 1975 a 2001, ritmo acompanhado apenas pela Malásia. A mudança mais brusca havia sido constatada entre os anos 2000 e 2001, durante a gestão Fernando Henrique, quando em um período de apenas um ano, o Brasil pulou quatro posições, passando da 69.ª colocação para a 65.ª.
Os avanços nas áreas sociais, principalmente na educação, haviam sido apontados como a principal fonte do sucesso brasileiro no ranking. Além da diminuição do total de analfabetos, a taxa de escolaridade bruta combinada, do ensino básico ao superior, era tida como a principal responsável. Essa taxa mede a proporção de pessoas com idades entre 7 a 22 anos matriculadas na escola.
Com os novos dados, porém, a evolução brasileira no ranking mundial fica bastante aquém da anteriormente divulgada. Voltando ao 72.o lugar entre os países mais desenvolvidos no mundo , o Brasil retrocede a uma posição relativa em que não se encontrava desde antes dos anos 90.
Saúde e Educação - Caso as três bases de dados do IDH sejam separadas, é possível ter uma fotografia mais precisa do Brasil em relação às informações relacionadas à renda, educação e saúde. O Brasil fica em 63.o lugar entre os países de maior renda per capta, em 62.o nos países com melhores índices de educação e cai para 111.o posição em relação a longevidade da população.

Paulo Renato fala em manipulação
O atual governo não quis se posicionar sobre a acusação do ex-ministro
O ex-ministro da educação do governo Fernando Henrique Cardoso, Paulo Renato Souza, acusou o Governo Federal de manipular os dados da educação para "esconder os avanços sociais registrados durante o governo passado". O Ministério da Educação não quis se posicionar sobre as acusações e disse que espera a divulgação oficial dos resultados para se manifestar.
A confusão no IDH deste ano se concentrou em um dos dois dados que formam o índice de educação. Nos números referentes a 2001 que apontam a taxa de alfabetização de adultos, divulgado no RDH de 2003, segundo o ex-ministro, foram usados os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2001. O dado que deveria ter sido enviado para a elaboração do relatório deste ano, raciocina Souza, seria a Pnad de 2002 ou uma estimativa que desse seqüência ao levantamento anterior.
O dado de analfabetismo enviado pelo governo, contudo, foi tirado do Censo do ano 2000. "Houve manipulação, desonestidade intelectual e estelionato a respeito do desempenho do governo anterior", acusa Souza. "No ano que vem, o Brasil volta a subir no ranking e o governo federal vai dizer que são deles os méritos".
Segundo José Carlos Libânio, representante do Pnud no Brasil, no ano passado foi enviado ao governo brasileiro e a governos de diversos países ao redor do mundo a seguinte pergunta: "quantos brasileiros com 15 anos ou mais são alfabetizados?". A escolha entre qual a fonte a ser usada ficava a critério de cada país.
Libânio explica que os dados do Censo têm a vantagem de cobrir de maneira mais ampla as diversas regiões brasileiras. O levantamento da Pnad, segundo afirma ele, não abrange os habitantes de áreas rurais da região Norte do País, por exemplo, o que poderia prejudicar a qualidade dos números. A solicitação para que fossem enviados novos dados sobre analfabetismo foi feita para todos os países e territórios, mas apenas 40 mandaram. Para os 133 restantes, foram usados dados a partir de estimativas feitas pela Unesco. O Brasil foi uma das nações que mandou números novos, o que causou a confusão.
Imperfeição - O IDH é um índice que passou a ser usado pela Organização das Nações Unidas (ONU) a partir dos anos 90, mas é considerado limitado pelos próprios técnicos do Pnud. Ele é usado como alternativa aos antigos índices que serviam para a comparação de países, como o PIB per capta, que acabava registrando apenas aspectos ligados à renda da população.
Mesmo passando a levar em conta os dados sociais, ligados às áreas de educação e saúde, os limites do IDH permaneceriam relevantes. "Pensar em um país a partir da média acaba mais escondendo do que esclarecendo a realidade", pondera Libânio. Ele ressalta que, apesar do Brasil ter registrado importantes avanços sociais, caso se isolem os dados conforme a região, é possível detectar que no Nordeste houve retrocessos importantes.
Retrocessos seriam ainda maiores em lugares localizados no interior da região. Esse nível de detalhamento, segundo Libânio, será alcançado em uma pesquisa a ser divulgada pelo Pnud ainda este ano. "Além disso, dados cruciais para medir o desenvolvimento de um país, como nível de emprego e liberdade política, não foram considerados". (B.P.M)

OESP, 15/07/2004, Geral, p. A10

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.