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Curto-circuito nos investimentos em energia

OESP, Economia, p. B4
11 de Jan de 2004

Curto-circuito nos investimentos em energia
Empresas atrasam 65% das obras, seguram projetos novos, falam em devolver concessões

RENÉE PEREIRA

O apetite dos investidores pelo setor elétrico brasileiro está cada vez mais moderado, apesar dos esforços do governo com a divulgação do novo modelo para o segmento. Várias empresas estão com a carteira de projetos praticamente zerada, sem novas obras. Outras já revêem os planos de construção de usinas licitadas e até cogitam a devolução de concessões dadas pelo governo. Para piorar o quadro, cerca de 65% das hidrelétricas licitadas estão com o cronograma atrasado, segundo relatório de fiscalização da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Isso representa 30 usinas, com potência para gerar 8.348 megawatts (MW).
Não faltam motivos para as empresas justificarem o atraso na construção das unidades, como problemas regulatórios, rigidez nas regras ambientais e fragilidade financeira das empresas. A Eletricidade de Portugal (EDP), por exemplo, já cogita a possibilidade de devolver a concessão da Usina Hidrelétrica Couto Magalhães, a ser construída no Rio Araguaia, nos Estados de Goiás e Mato Grosso.
Com capacidade para gerar 150 MW e investimentos da ordem de R$ 245 milhões, a previsão era que o empreendimento entrasse em operação em abril de 2007.
Mas, segundo o diretor-vice-presidente da empresa, Custódio Migens, as exigências dos órgãos ambientais excederam os números previstos no contrato.
"A construção, nos termos atuais, elevaria o custo da usina e não conseguiríamos entregar dentro do prazo previsto. Por isso, estamos pensando em rescindir o contrato."
O mesmo ocorreu com a Usina Hidrelétrica Santa Isabel (1.087 MW), também a ser instalada no Rio Araguaia. Em 2003, o consórcio, formado por Billiton, Camargo Corrêa, Alcoa e Votorantim, decidiu devolver a concessão por causa das dificuldades na obtenção da licença ambiental. "Hoje, além desse problema, o cenário não é propício à decisão de novos investimentos em energia", avalia Migens. Nos últimos anos, a EDP injetou no setor cerca de US$ 2 bilhões. Apesar das incertezas em relação à usina Couto Magalhães, a companhia mantém o investimento na hidrelétrica Peixe Angical (452 MW), no Rio Tocantins.
As empresas eletrointensivas, cuja energia representa boa parte dos custos dos seus produtos, como a indústria de alumínio, também decidiram rever os investimentos no setor. Neste caso, o problema está no avanço dos preços do transporte de energia, que triplicaram em dois anos. O aumento no valor das tarifas, segundo as companhias, atrapalha a competitividade dos produtos.
Por isso, empresas como Alcan e Alcoa ameaçam paralisar seus projetos de geração.
Segundo o presidente da Alcan, João Beltran Martins, os investimentos iniciados estão inviáveis por causa do aumento das taxas da transmissão, que sequer foram mencionadas no novo modelo do setor. Ele afirma que, embora haja um compromisso para a construção das usinas, a empresa não vai se arriscar a dar andamento a uma obra que não é economicamente viável. "A solução é parar o projeto e ver o que vai ocorrer. Não vou abrir um buraco ainda maior, do qual não conseguirei sair, só porque ganhei a concessão de uma usina. Temos de rever o investimento", afirma.
A empresa já investiu US$ 100 milhões em usinas hidrelétricas. Além disso, deverá injetar mais US$ 110 milhões no complexo hidrelétrico Caçu/Barra dos Coqueiros, com capacidade para 155 MW, e que ainda está em fase de projeto.
"Mas essa obra se tornou uma interrogação. Se não tiver a questão da transmissão resolvida, como posso ir adiante?", questiona Martins.
Entre 1998 e 2002, segundo a Aneel, a indústria eletrointensiva arrematou 47% do potencial hídrico ofertado pelo governo. Isso sem levar em conta parcerias feitas pelas empresas com outras companhias de energia. "O governo tem de criar o mínimo de competitividade para esses empreendedores, já que não tem condições de investir sozinho no setor", afirma Wilson Ferreira Júnior, presidente da CPFL, cujos sócios também são empresas eletrointensivas.
Segundo ele, se hoje fosse realizado um leilão de hidrelétricas, a empresa não participaria. Exceto se houvesse algum parceiro para compartilhar os riscos do projeto. A previsão é de que uma nova rodada de licitações de usinas ocorra no segundo semestre, após regulamentação do novo modelo elétrico. Hoje a CPFL mantém a construção de três empreendimentos: Barra Grande, Campos Novos e Monte Claro, com capacidade para 1.500 MW.
Nesta semana a empresa anuncia o início da construção de mais duas hidrelétricas: 14 de Julho e Castro Alves, do Complexo Energético das Antas (Ceran). Além disso, a CPFL tem a concessão de Foz do Chapecó, cujas obras apenas devem ser iniciadas em 2005. Mas Ferreira Júnior alerta que esses investimentos fazem parte de decisões antigas, cuja maturação dos projetos demorou quase quatro anos - caso das duas unidades do Ceran. Além disso, a construção de uma hidrelétrica é demorada, leva em torno de três anos, dependendo do tamanho.
Para somar aos aspectos regulatórios e problemas ambientais, questões econômicas das empresas estrangeiras também têm contribuído para inibir as decisões de investimentos no País. Nos últimos dois anos, as companhias reavaliaram seus ativos no mundo, venderam usinas e reduziram investimentos.
No Brasil não foi diferente.
As americanas Duke Energy e Alliant Energy, no momento, apenas administram seus ativos no País, sem novos projetos no portfólio de investimentos. No caso da Duke, que tem 8 usinas hidrelétricas, a suspensão dos projetos de geração ocorreu no começo do ano passado, avaliados em cerca de US$ 300 milhões. Já a Alliant está revendo os investimentos no País. "Não temos nada novo e vamos aguardar mais detalhamento do novo modelo", afirma o diretor da empresa, Carlos Eduardo Miranda.
Outra que espera as novas regras é a Tractebel Energia, maior geradora privada do setor, com dez usinas em funcionamento. Nos últimos anos, a empresa investiu R$ 2 bilhões em novas unidades e deve construir a Hidrelétrica São Salvador (241 MW) e Estreito (1.087 MW). Ambas estão em fase de licenciamento. "Apesar disso, queremos ver como serão as regras de comercialização de energia", afirma o presidente da empresa, Manoel Zaroni.
"O momento é de prudência. Se tivesse um leilão de usinas agora não sei se participaria."

OESP, 11/01/2004, Economia, p. B4

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