VOLTAR

Curso técnico vai atender moradores da floresta

FSP, Cotidiano, p. C6-C7
22 de Set de 2013

Curso técnico vai atender moradores da floresta
Aulas no meio da Amazônia vão ensinar extrativistas a comercializar
Iniciativa de ONG, escola pretende formar técnicos em produção sustentável para áreas de conservação

SABINE RIGHETTI ENVIADA ESPECIAL A CARAUARI (AM)

Coração da floresta amazônica, nas margens do sinuoso rio Juruá, que segue do Amazonas rumo ao Acre. Ali, na chamada comunidade Bauana, a 800 km de Manaus, teve início o primeiro curso técnico para ribeirinhos que vivem na floresta.
A proposta da ONG ambientalista FAS (Fundação Amazonas Sustentável) é formar técnicos em produção sustentável em unidades de conservação (áreas em que populações tradicionais têm permissão para explorar a região sem desmatar).
Os alunos são moradores da floresta. Em Bauana, há 19 famílias, que somam pouco mais de cem pessoas. Elas vivem em pequenos grupos, nas margens do rio Juruá.
O lugar é isolado: a reportagem viajou duas horas e meia de avião de Manaus até Carauari e mais cinco horas de lancha até o local.
Quem está no curso --o primeiro desse tipo na floresta-- será especialista no que a comunidade faz sem ter conhecimento técnico: coleta de castanha e de açaí e manejo de peixes como o pirarucu.
São 50 alunos na primeira turma, cujas aulas começaram há uma semana e seguirão por um ano e meio.
"Esses meninos concluíram o ensino médio sem nunca terem aprendido um conceito ligado ao dia a dia deles na floresta, como o manejo de pirarucu", diz o engenheiro florestal Virgílio Viana, superintendente geral da FAS.
Doutor pela Universidade Harvard, Viana recentemente assumiu o posto de coordenador de florestas na ONU.
Como todo bom ambientalista, ele sabe que manter a população extrativista na floresta é uma ótima alternativa para mantê-la em pé.
"Mas é preciso dar conhecimento técnico para essas pessoas", argumenta.
DISCIPLINAS
Esse conhecimento virá de aulas teóricas e práticas sobre produção sustentável, informática, português, instruções sobre como fazer planilhas e empreendedorismo.
"Tudo como em um curso técnico feito em Manaus", explica Joésia Moreira Julião Pacheco, diretora-geral do Cetam (Centro de Educação Tecnológica do Amazonas), responsável pelo curso.
O espaço, de fato, tem tudo: salas de aula, alojamento para alunos e docentes, biblioteca, laboratório de informática e refeitório --tudo funcionando com gerador.
Até agora, o gasto com a implantação do projeto foi de R$ 1,5 milhão. O dinheiro, obtido pela FAS, veio da empresa HRT, que explora petróleo na região amazônica.
A manutenção do espaço ficará por conta de parceiros que a FAS está buscando.
Os jornalistas SABINE RIGHETTI e EDUARDO KNAPP viajaram a convite da FAS (Fundação Amazonas Sustentável)

Alunos levam rede e ficam alojados no local do curso
Blocos de aulas serão dados a cada 15 dias

(SABINE RIGHETI) DA ENVIADA ESPECIAL A CARAUARI (AM)

Os 50 alunos que vão estrear o curso técnico na floresta moram a até seis horas de barco do Núcleo de Conservação e Sustentabilidade, onde foi instalada a escola.
Por causa da distância e da dificuldade para manter os alunos longe de suas comunidades, que dependem da mão de obra desses jovens para a atividade extrativista, a proposta é fazer blocos de disciplinas a cada 15 dias.
Funciona assim: os alunos permanecem cerca de 15 dias alojados no local do curso, com aulas diárias em período integral, depois têm 15 dias em suas comunidades.
É a chamada "pedagogia da alternância", comum em áreas remotas e rurais. "Isso facilita a manutenção de professores no curso", explica Virgílio Viana, chefe da FAS.
De fato, manter docentes na floresta é um desafio.
De acordo com a vice-prefeita de Carauari, Antônia Susy Varros de Lima, algumas escolas de educação básica da região do Juruá já chegaram a ficar sete anos fechadas por falta de professor.
"Ninguém quer vir dar aula nesses lugares remotos."
No caso do curso técnico, há especialistas do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) e de universidades públicas do Amazonas interessados em dar disciplinas --alguns deles estavam em visita ao núcleo quando a reportagem esteve lá.
NA REDE
Para participar do curso, os alunos levam suas redes e ficam alojados em grandes dormitórios. Já os professores se hospedam em pequenas casas, que permitem que eles viajem com suas famílias.
Álcool, cigarro e namoro são proibidos no local.
Para garantir a diversão de quem está imerso no curso, há um espaço de jogos e muita música. Aos domingos, antes da aula, há uma missa.
Apesar de o objetivo do curso seja formar técnicos para a floresta, há quem esteja lá porque quer sair da região.
"Quero um futuro melhor. Não quero trabalhar na roça como minha família", diz Raimunda Melo de Souza, 17. Ela mora a uma hora de barco do local do curso.

FSP, 22/09/2013, Cotidiano, p. C6-C7

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/130327-curso-tecnico-vai-ate…
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/130328-alunos-levam-rede-e-f…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.