FSP, Ciência, p. A22
10 de Mar de 2007
Cúpula da UE adota meta de renováveis
Bloco de 27 nações decide incluir 20% de fontes alternativas na matriz energética até 2020 para mitigar mudança do clima
Para ambientalistas, acordo é o mais importante do tipo desde a adoção de Kyoto; Europa assume dianteira na luta contra o aquecimento
RENATE KRIEGER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM BRUXELAS
A União Européia decidiu mudar o curso da política energética do bloco para combater as mudanças climáticas que ameaçam o planeta. Seus 27 países estabeleceram ontem o objetivo unilateral de aumentar o uso de fontes de energia renovável para 20% até 2020.
Durante os dois dias da reunião do Conselho Europeu em Bruxelas, o estabelecimento de uma meta obrigatória para a utilização da energia eólica, solar, biocombustíveis e hidrelétrica foi alvo de controvérsias. Atualmente, somente 6,5% da energia produzida na Europa vêm de fontes alternativas.
"Podemos dizer ao resto do mundo: "A Europa está tomando a dianteira, vocês podem se juntar a nós para lutar contra a mudança climática'", disse o presidente da Comissão Européia, Manuel Durão Barroso.
Os ambientalistas aplaudiram o acordo. Para o Greenpeace, a cúpula européia sobre clima foi "a maior decisão do gênero desde a adoção do Protocolo de Kyoto", em referência ao acordo internacional para reduzir emissões dos gases que aprisionam o calor da Terra na atmosfera (como o gás carbônico), agravando o efeito estufa.
A proposta da UE, presidida pela chanceler alemã Angela Merkel, menciona a importância da energia nuclear, apesar de não classificá-la como renovável. Esse reconhecimento é uma vitória do presidente francês, Jacques Chirac. Ele liderou a oposição a metas para energia renovável porque mais de 70% da eletricidade francesa é de origem nuclear.
Chirac queria a inclusão da energia nuclear, que não emite gases-estufa, na contabilização das energias alternativas. Perdeu por esse lado, mas nações como a França poderão ter metas mais suaves de adoção de energia renovável.
Assim como a França, a Polônia e outros estados menores da UE acabaram dando o braço a torcer, destacando a importância "histórica" da decisão.
Durante o encontro, a Polônia defendeu a perspectiva dos regimes pós-comunistas da UE, para os quais a meta de 20% de energia renovável é impossível de ser atingida.
"Precisaremos da ajuda financeira da Comissão Européia", disse à Folha o ministro da Economia polonês, Piotr Wozniak, evocando a necessidade de adaptação do sistema energético do país aos parâmetros dos países ricos do bloco.
A decisão da UE, no entanto, deverá considerar os diferentes pontos de partida de cada país para aplicar as metas. No documento final divulgado após a reunião, a UE estipula que "os países-membros deverão decidir metas nacionais de fontes de energia renovável para cada setor específico (eletricidade, aquecimento e transportes)".
Para a chanceler alemã, a aprovação das metas demonstra unidade no bloco europeu e serve para pressionar grandes poluidores como EUA, China e Rússia a adotarem medidas contra o aquecimento global. "Com o acordo, a Europa poderá assumir uma posição de liderança exemplar", afirmou a chanceler, na quinta-feira.
O acordo segue uma decisão da Comissão Européia, que já havia sido referendada pelos ministros do Ambiente, de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em no mínimo 20% até 2020. Se países industrializados como a China e os Estados Unidos concordarem, a meta pode chegar até 30%.
O acordo também ambiciona melhorar a eficácia e o aproveitamento da energia, diminuindo o consumo dos países da UE em 20% até 2020. Nesse contexto, a Comissão Européia deverá determinar diretrizes para a redução do consumo na iluminação pública, casas e escritórios. As lâmpadas incandescentes, que gastam mais energia, poderão ser banidas do continente em 2010.
A meta de 20% na redução de gases-estufa foi calculada em relação a 1990. O acordo de Kyoto objetiva reduzir as emissões de gases-estufa da UE em 8% até 2012. Até agora, só 1,2% da meta foi cumprida.
Com agências internacionais
Europa baliza pós-Kyoto, diz especialista
DA REDAÇÃO
A decisão da UE de elevar sua meta de energias renováveis para 20% até 2020 cria uma pressão política para a próxima fase do Protocolo de Kyoto, que deverá ser adotada no ano que vem. A avaliação é de José Goldemberg, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP.
"A meta indica como vai ser o novo Protocolo de Kyoto. O novo acordo não pode ser pior que isso [que os 20% adotados pela UE]", disse Goldemberg. Para ele, a decisão européia tem sabor de vingança: em 2002, Goldemberg e o Brasil foram derrotados na Cúpula de Johannesburgo ao propor uma meta de 10% de renováveis para o planeta até 2010.
"A UE é o único bloco que se comporta seriamente." Mas ele diz que isso é pouco: afinal, os europeus só respondem por 15% das emissões mundiais de gases-estufa.
FSP, 10/03/2007, Ciência, p. A22
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