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Cultura afro impulsiona turismo no pais

OESP, Brasil, p.A16
30 de Jan de 2005

Cultura afro impulsiona turismo no país
Quilombos resgatam história e atraem visitantes às comunidades, onde podem conhecer artesanato e pratos típicos
Antônio Gois
Enviado especial a Parati
Enquanto a maioria das comunidades remanescentes em áreas de quilombos ainda lutam pela titulação das terras, outras, aos poucos, começam a explorar um potencial turístico até então praticamente ignorado pelos próprios moradores.
Em muitos casos, a falta de titulação é mesmo um entrave -segundo a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, o governo federal só titulou até agora duas comunidades das 124 que estabeleceu como prioridade, mas o principal desafio para os remanescentes desses quilombos é resgatar sua história e cultura de modo a torná-las atrativas.
É isso que tem sido feito, por exemplo, no quilombo Carapinho da Independência, em Parati. Desde que a comunidade conseguiu legalizar a titulação de parte de suas terras, em 1999, os moradores passaram a aproveitar o fato de estar numa cidade turística para atrair turistas interessados no artesanato, comida e, principalmente, na história do local.
A história desse quilombo começou quando três escravas que trabalhavam na Casa Grande da fazenda Independência ocuparam no século 19 as terras do local. Isso aconteceu após os proprietários terem abandonado a propriedade por causa de um período de decadência econômica da região.
Hoje, vivem lá aproximadamente 500 pessoas em 11 núcleos familiares, onde estão várias gerações de uma mesma família.
A proximidade do centro histórico de Parati (o quilombo fica no km 589 da rodovia Rio-Santos, a 13 km do trevo de entrada da cidade) ajuda no empreendimento, 1que, aos poucos, vem- atraindo mais turistas.
"Quem vem para cá, em geral, está mais interessado na nossa história que na paisagem. Outros param por causa da placa na estrada que indica a casa de artesanato do quilombo. Recebemos também grupos de estrangeiros e de alunos de escolas públicas e particulares do Rio e de São Paulo", diz Ronaldo dos Santos, 27, lider comunitário do quilombo e integrante da Associação das Comunidades de Quilombos do Estado do Rio de Janeiro.
Uma preocupação comum em Parati e em outro quilombos interessados em atrair turistas é não deixar que essa atividade traga prejuízos. Ruth Pinheiro, presidente da CAD(Centro de Apoio ao Desenvolvimento), ONG pioneira na formação de guias para turismo étnico, diz que a orientação a essas comunidades é não deixar que o turismo traga drogas ou exploração sexual.
É por isso que, em Parati, o roteiro turístico do quilombo -onde há guias formados pelo CAD- é marcado sempre com antecedência. Nele, estão incluídos um passeio pelas trilhas do local com direito a banho em cachoeira, visita a núcleos familiares típicos de comunidade quilombolas, almoço com pratos típicos da região e uma atividade com contadores de história.
Apesar de o projeto ser tocado aos poucos, alguns moradores já percebem beneficios. É o caso de Adilsa Martins, 48, artesã que faz produtos usando cipó extraído do próprio quilombo. "Antes, eu vendia minhas cestas para comerciantes de Parati que queriam sempre pagar menos do que eu queria receber. Quem compra direto aqui no quilombo paga um preço que eu acho mais justo." Agora, ela diz que em alguns meses consegue arrecadar até R$ 250 da venda dos produtos.
No Rio, Parati não é o único quilombo a atrair turistas. Em Valença (a 150 km do Rio), o quilombo da Fazenda São José já é conhecido entre os admiradores da cultura negra por organizar apresentações de jongo, calangos, capoeira e por servir uma feijoada a quem visita o local.
São Paulo
São Paulo também tem comunidades de olho nesse potencial. É o caso do quilombo de Ivoporanduva, que fica em Eldorado (285 km de São Paulo). Na região do Vale da Ribeira há várias comunidades remanescentes do período em que a cidade foi um ponto importante na rota do ouro.
Para o subsecretário de Políticas para Comunidades Tradicionais da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Carlos Eduardo Trindade, o turismo pode ser uma fonte de renda viável para mais comunidades quilombolas. "Várias no Norte e Nordeste têm potencial turístico, mas precisam ser capacitadas para isso. E preciso também ter um certo cuidado nesse processo, já que as comunidades passam a receber pessoas estranhas. É necessário ter certeza de que os mora-' dores serão beneficiados nesse intercâmbio", diz ele.
Como parte dos esforços do governo para garantir que turismo seja explorado de maneira benéfica, Trindade afirma que uma das iniciativas este ano é, em parceria com o Ministério do Trabalho, fazer um programa de qualificação profissional em quilombos onde haja espaço para o turismo.

Centro no Rio especializa guia em cultura afro
Da sucursal do Rio
Conhecer melhor a cultura afro-brasileira para gerar renda através do turismo não é uma exclusividade de quilombos. Esse tipo de atividade é impulsionado em grande parte por turistas negros norte-americanos.
Uma das entidades pioneiras no Brasil nessa atividade é o CAD (Centro de Apoio ao Desenvolvimento). Com sede no Rio, o centro já formou guias especializados em cultura afro-brasileira e organiza roteiro étnico-cultural na cidade, com visitas ao monumento a Zumbi dos Palmares, ao museu do Negro e a outros locais.
A presidente do CAD, Ruth Pinheiro, conta que, quando esse filão começou a ser explorado pelas agências de viagens, os agentes perceberam que precisavam se qualificar melhor.
Lembro-me de um grupo que se recusou a pagar uma agência porque, ao perguntarem ao guia um pouco sobre a história de Zumbi, ouviram apenas que ele era gay, porque era a única coisa que o guia tinha lido a respeito.
Para a presidente do CAD, não há dúvidas de que o Estado mais desenvolvido na promoção do turismo étnico é a Bahia. "Lá, a prefeitura e o governo resolveram investir na herança cultura negra, algo que ainda precisa ser feito em outros Estados, como o Rio."

Comunidade disputa por titulação de terras
Da sucursal do Rio
A principal reivindicação das comunidades quilombolas é a agilização da titulação. Em todo o Brasil, a Fundação Cultural Palmares, órgão do Ministério da Cultura, tem registro de 743 quilombos, mas sabe-se que esse número está subestimado.
Para a Seppir (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), esse total é de pelo menos o dobro, mas há especialistas que estimam em 5.000.
Para chegar ao número mais preciso, a Seppir está cruzando dados do cadastro da Fundação Cultural Palmares com os registros do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
O governo federal decidiu priorizar o processo de titulação em 124 comunidades. Apesar dos esforços, somente duas tiveram êxito nesse processo no ano passado.
Para que uma comunidade ganhe a titulação da terra, não basta ser reconhecida pela Fundação Cultural Palmares. É preciso ter o título de propriedade, o que muitas vezes esbarra em disputas judiciais e na falta de documentos.
O decreto 4.887 (de 2003) permite que uma comunidade reivindique o título de quilombo pelo critério de auto-definição sem que seja necessário que historiadores comprovem essa situação.
Em muitas comunidades, as terras de quilombos foram ocupadas por causa de doações dos próprios fazendeiros ou após o abandono das terras quando a atividade econômica desenvolvida no local entrava em decadência.
Até mesmo uma área urbana (o bairro da Lagoa, na zona sul do Rio) já teve uma comunidade reconhecida, mas o quilombo da Ladeira do Sacopã briga na justiça contra três condomínios de classe média alta vizinhos.
Essa indefinição legal prejudica a exploração turística do local, cujas principais lideranças são dois músicos: Luiz Sacopã, 63, e Maria de Freitas (a Tia Neném), 79.0 local, onde há rodas de samba, é visitado por artistas e sambistas.
Problema parecido enfrenta o quilombo de Santana, em Quatis (sul do Estado do Rio). A comunidade foi beneficiada com um projeto de alfabetização do MEC e do Sesi, recebeu apoio da Firjan e da Petrobras para modernizar e vender sua produção agrícola, mas está em disputa com fazendeiros.
Após visita ao quilombo, o MEC e o Sesi prometeram erradicar o analfabetismo nos quilombos do Rio. O Sesi informou que ainda está em fase de recenseamento.

Martinho da Vila vai reunir classe artística
Da sucursal do Rio
Martinho da Vila, 66, foi o nome escolhido pelo governo para ser uma espécie de embaixador dos quilombos brasileiros. Como coordenador do projeto Quilombo Axé, ele terá a função de divulgar as manifestações culturais das tradicionais comunidades.
Na verdade, não só ele. O sambista está convidando outros artistas para a missão. "Será um tipo de adoção. Cada artista vai escolher um quilombo e depois divulgar o trabalho", diz Martinho.
Lançado em dezembro, em Brasília, o Quilombo Axé prevê que durem dois dias as visitas dos artistas às comunidades quilombolas. Segundo Martinho, um cantor poderá fazer show numa cidade próxima e, em seguida, ir para o quilombo escolhido.
"Estou falando com meus colegas de samba e mais Sandra de Sá, Cidade Negra, Marcelo D2... As pessoas estão dispostas a participar. E outros ficarão sensibilizados e entrarão nessa corrente", acredita o cantor e compositor.
A escolha de Martinho não foi nada casual. Ele cresceu na Boca do Mato, pequeno bairro da zona norte carioca que fica próximo à Serra dos Pretos Forros, onde ouviu muitos cantos entoados por escravos. "Madalena do Jucú", um de seus sucessos, foi adaptado de um tema ouvido na serra.

OESP, 30/01/2005, p. A16

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