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Culpados em regime semi-aberto

CB, Brasil, p. 18
05 de Abr de 2008

Culpados em regime semi-aberto
Pouco mais de três anos depois do assassinato da missionária americana, no Pará, dois homens condenados a 17 e 18 anos de prisão recebem o benefício. Enquanto isso, mandante nunca foi julgado

Leonel Rocha
Da equipe do Correio

Pouco mais de três anos depois de terem participado do assassinato da freira americana Dorothy Stang, em Anapu, sudoeste do Pará, os agricultores Clodoaldo Carlos Batista e Amair Feijoli da Cunha - condenados, respectivamente, a 17 e 18 anos de prisão - cumprem agora pena em regime semi-aberto. Os dois foram beneficiados pelo bom comportamento e pela progressão do regime de encarceramento. Hoje trabalham como lavradores na colônia agrícola Heleno Fragoso, em Santa Isabel, interior do estado. Os advogados de defesa dos condenados solicitaram a saída dos dois nos feriados da semana santa, mas o pedido foi indeferido. Vão tentar uma nova folga para os clientes no Dia das Mães.
Na nova prisão, Clodoaldo e Amair, conhecido com Tato, passaram a ser monitorados por agentes penitenciários, fora das celas com grades. O autor dos seis disparos que mataram a religiosa, Rayfran Salles, continua na penitenciária e será submetido a segundo julgamento em data ainda a ser marcada pelo Tribunal de Justiça do Pará. Já condenado a 27 anos de cadeia, Rayfran foi julgado duas vezes. Mas o segundo julgamento foi anulado em outubro do ano passado porque a Justiça entendeu que houve repetição de um dos jurados que já tinha participado do julgamento de outro réu do mesmo caso. Dos cinco réus denunciados, apenas Clodoaldo e Amair estão com sentença final transitada em julgado. O julgamento do principal mandante do crime, o fazendeiro Regivaldo Pereira Galvão, não tem data prevista.
Segundo o promotor Edson Cardoso de Souza, Regivaldo, conhecido como "Taradão", era o principal interessado na morte da religiosa. Ele disputava a mesma gleba de terra, conhecida como Bacajá, onde a irmã Dorothy coordenava a implantação do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Esperança, um assentamento coletivista de reforma agrária. Além disso, a promotoria provou que foi o fazendeiro quem pagou a multa e as despesas com indenização de agricultores que trabalhavam para ele em situação análoga à escravidão e sob a chefia de Vitalmiro na mesma gleba. Além disso, de acordo com o promotor, Regivaldo utilizava o mesmo lote para criar gado que tinha a marca RG. Mesmo depois do assassinato da religiosa, o fazendeiro continuou utilizando os pastos da gleba Bacajá.
Data
A expectativa do promotor é de que o Tribunal de Justiça consiga marcar para o segundo semestre deste ano o julgamento de Taradão. A promotoria terá de esperar a apreciação de três ou quatro recursos que o advogado de defesa do fazendeiro ainda pretende impetrar no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e até no Supremo Tribunal Federal (STF). Somente depois da decisão dos ministros de tribunais superiores e da publicação de todos os acórdãos das decisões é que o promotor solicitará ao juiz do caso a marcação da data do julgamento. Como o réu está solto, o caso não tem prioridade.
"O processo está sendo solucionado e esperamos que este ano ainda todos os réus estejam condenados em definitivo", previu o promotor.
O promotor espera que Regivaldo seja condenado a mais de 20 anos de prisão e, por isso, também tenha direito a um segundo julgamento. Os trâmites finais do processo vão atrasar ainda mais a definição da Justiça sobre os culpados pela morte da freira. Além de Taradão e Rayfran, o fazendeiro Vitalmiro Bida de Moura, conhecido como Bida, também será julgado pela segunda vez, já que foi condenado a mais de 20 anos pelo primeiro júri. Isso atrasará ainda mais a definição judicial sobre os responsáveis pelo crime.
As companheiras da freira que continuam na região de Altamira e Anapu atuando em favor dos sem-terra receiam que a demora nos julgamentos deixe o caso sem solução definitiva. A freira Rebeca Spires, antiga amiga de Dorothy Stang, teme pela impunidade. "A demora é muito grande. O nosso receio é que se repita, neste caso, a impunidade dos mandantes que vemos ocorrer em outros casos de assassinatos de trabalhadores rurais", protestou Spires. Irmã Dorothy foi morta aos 73 anos, em fevereiro de 2005.

Defesa adia julgamento

Para o advogado Jânio Siqueira, que representa o fazendeiro paraense Regivaldo Pereira Galvão, conhecido como Taradão, apontado como principal mandante do assassinato da americana Dorothy Stang, o julgamento de seu cliente deverá demorar mais do que espera o promotor do caso, Edson Cardoso de Souza. Para Siqueira, Taradão só deverá ser julgado pela primeira vez em 2009, quatro anos depois do crime. Ele pretende impetrar novos recursos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) alegando cerceamento de defesa do seu cliente durante os depoimentos e produção de provas contra o réu. O STJ ainda vai julgar um recurso extraordinário impetrado anteriormente pela defesa sobre o mesmo crime.
"Nossa esperança é que o julgamento só aconteça quando não tiver mais nenhuma dúvida jurídica. Quero esgotar todas as chances de defesa porque falta racionalidade e sobra paixão no debate jurídico sobre o caso", argumenta Siqueira.
A demora para o julgamento também ocorre por excesso de processos no Tribunal de Justiça do Pará, além dos recursos impetrados em instâncias superiores pela defesa. Depois da negativa do Supremo, em 11 de março, de que teria havido cerceamento de defesa do réu, o advogado de Taradão estuda impetrar uma outra ação conhecida como embargos de declaração, que novamente seria julgada por uma turma de ministros do STF. Antes disso, o advogado estuda outros dois recursos ainda no STJ para tentar evitar a marcação do julgamento do seu cliente para este ano. A tese principal da defesa é a negativa de autoria.
Pagamento
A situação de Regivaldo Taradão é complicada. Ele foi apontado nos primeiros depoimentos de Rayfran Sales e de Clodoaldo Batista, condenados por terem executado o crime, como o fazendeiro interessado na morte da freira com quem disputava a mesma gleba de terra no Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Esperança, zona rural de Anapu. Taradão, segundo os depoimentos dos condenados, teria oferecido dinheiro pela morte da freira. O recado teria sido repassado aos dois executores do crime por Amair Feijoli da Cunha, conhecido como Tato, e por outro fazendeiro da região, Vitalmiro Bastos de Moura.
Tato foi condenado a 18 anos de prisão por ter sido um dos intermediários da contratação dos pistoleiros. No primeiro julgamento, Bida pegou 30 anos de prisão como um dos mandantes do crime. Ele está preso há três anos e será novamente julgado em 5 de maio. O advogado de defesa de Bida, Eduardo Imbiriba, vai sustentar a tese de negativa de co-autoria. Antes do julgamento pelo Tribunal de Justiça do Pará, a defesa aguarda a definição sobre um habeas corpus impetrado no STJ e a cargo do ministro Arnaldo Esteves Lima. (LR)

Perfil: Dorothy Stang
Em defesa dos direitos humanos

A freira americana naturalizada brasileira Dorothy Stang pertencia à congregação católica Nossa Senhora de Namur que reúne mais de 2 mil mulheres em trabalho pastoral no mundo, sempre ligadas à defesa dos direitos humanos e dos trabalhadores rurais sem-terra. Ela atuava na Amazônia desde a década de 70, sempre com trabalhadores do Xingu e, depois, na região de Anapu, sudeste do Pará.
Após ter sido várias vezes ameaçada por grileiros em razão da sua atuação em favor da reforma agrária, terminou morta em um conflito por terras destinadas à reforma agrária, mas que também eram disputadas por fazendeiros da região. Assim que chegou dos Estados Unidos, sua primeira experiência foi em Coroatá, no Maranhão, onde acompanhou o trabalho dos agricultores nas comunidades eclesiais de base. Antes de ser assassinada, denunciou ao governo federal a ação dos grileiros que atuavam no Pará.

CB, 05/04/2008, Brasil, p. 18

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