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A culpa agora é da Bahia

CB, Brasil, p. 14
04 de Fev de 2005

A culpa agora é da Bahia
Coordenador do projeto de transposição põe em dúvida imparcialidade do estudo do Banco Mundial, que condena a realização da obra

Bernardino Furtado
Do Estado de Minas

Depois que estudos técnicos do Banco Mundial (Bird) condenaram o projeto de transposição do rio São Francisco, considerando que ele é inviável, o governo federal resolveu contra-atacar, mas de uma forma inusitada. Em texto distribuído na noite da última quarta-feira pela Agência Estado, o chefe de gabinete do ministro da Integração Nacional e coordenador-geral do projeto de transposição do rio São Francisco, Pedro Brito, pôs em dúvida a imparcialidade dos estudos do Bird sobre a obra, sob a alegação que o autor do trabalho é baiano. Brito citou nominalmente Gabriel Azevedo, técnico de longa data da representação do Bird no Brasil. O comentário do coordenador-geral mira na conhecida rejeição do governo da Bahia e de organizações não-governamentais do estado à transposição.
As críticas do Banco Mundial são de natureza técnica, já que não seria justo supor que o Bird rejeitaria o projeto por ser cearense o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, e pernambucano o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. A transposição do São Francisco concebida pelo governo atual e pelo anterior, do presidente Fernando Henrique Cardoso, promete beneficiar o Ceará e Pernambuco. E, ao contrário do que disse Pedro Brito, os projetos dos dois governos são semelhantes.
Em nota oficial, o Ministério da Integração Nacional diz que o Bird nunca analisou o atual projeto de integração do rio São Francisco com bacias do Nordeste Setentrional” e sim o plano do governo Fernando Henrique. O texto cita quatro mudanças feitas em 2003 e 2004 que o Bird não teria considerado. A comparação (leia quadro) permite duas conclusões. Ou o projeto não mudou ou o Bird analisou, sim, o projeto do governo Luiz Inácio Lula da Silva de transposição das águas do São Francisco.
Empréstimos
Ontem, Brito moderou o discurso e disse que o Banco Mundial era um parceiro importante e que o governo brasileiro estava empenhado em formatar” a expansão do projeto Proágua Semi-Árido com financiamento do banco. No entanto, o governo Lula devolveu US$ 40 milhões do primeiro contrato do Proágua porque não conseguiu gastar o dinheiro em obras e aplicar recursos do Orçamento Geral da União (OGU) a título de contrapartida ao financiamento.
O governo Lula assegurou R$ 622 milhões no OGU de 2005 para a transposição. O Bird cobra juros entre 3% e 5% ao ano, enquanto o custo do dinheiro no Brasil é de no mínimo 18,25% ao ano, correspondente à taxa básica, a Selic.
O projeto de transposição também vai encontrar pela frente um parecer contrário feito pela assessoria técnica do Partido dos Trabalhadores na Câmara. Torna-se, por princípio, inviável o apoio do PT ao projeto do governo federal de transposição das águas do São Francisco para o Semi-Árido do Nordeste Setentrional e a implementação de medidas complementares destinadas à revitalização ambiental de seus afluentes e ao aumento da disponibilidade hídrica daquele rio”, conclui o parecer.

Projetos semelhantes
Divulgação/Banco Mundial

Em agosto de 2003, o Bird apresentou 35 slides sobre as obras
Vazão
O projeto atual reduziu para quase a metade a vazão captada continuamente. O número atual seria 26 metros cúbicos por segundo, com média de 63,4 metros cúbicos por segundo, contra 48,5 metros cúbicos por segundo do projeto do governo Fernando Henrique. No conjunto de 35 slides da apresentação feita pelo Bird ao vice-presidente José Alencar, em agosto de 2003, há um gráfico que apresenta a média de 64 metros cúbicos por segundo, um arredondamento dos 63,4 metros cúbicos por segundo. A ilustração indica também a vazão máxima de 127 metros cúbicos por segundo, exatamente como está no relatório de impacto ambiental (Rima) do projeto, apresentado pelo governo Lula em julho de 2004.
Revitalização
Em 2000, o projeto não previa a revitalização do rio São Francisco e o atual, sim. O governo está tratando a revitalização de forma marginal. Praticamente não investiu nada em 2004 nessa área, e os recursos previstos para 2005 correspondem a 10% do valor destinado às obras da transposição. O Bird já ofereceu recursos para acelerar a revitalização.
Sinergia
O projeto atual prevê a sinergia hídrica, que é um ganho no aproveitamento do volume de água armazenado nos grandes açudes do Ceará, do Rio Grande do Norte e da Paraíba. Um dos gráficos que consta da apresentação do Bird ao vice-presidente José Alencar considera um ganho de 23,8 metros cúbicos por segundo pelo efeito sinérgico”, exatamente como está no Rima de 2004.
Questão fundiária
A reforma agrária na margem dos 622 quilômetros de canais da transposição não estava prevista no projeto anterior. O governo Fernando Henrique realizou assentamentos nas imediações do açude Castanhão, no Ceará, por exemplo. O governo Lula apenas fez um cadastramento das terras na margem dos canais. Em São José de Piranhas (PB), por exemplo, minifundiários e assentados do Banco da Terra vão ter suas propriedades inundadas por uma represa da transposição e ainda não sabem se serão reassentados. No estudo apresentado ao governo Lula, o Banco Mundial recomenda que os problemas fundiários sejam equacionados previamente à implantação do projeto de transposição, que está prevista para abril próximo.

CB, 04/02/2005, Brasil, p. 14

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