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CTNBio parada

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: ODA, Leila
04 de Nov de 2006

CTNBio parada

Leila Oda

Quando o presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), Walter Colli, vem a público dizer que 'são praticamente nulas as possibilidades de o País ter este ano alguma nova decisão sobre liberação comercial de sementes transgênicas' e, ao mesmo tempo, ainda precisa fazer um apelo para que os integrantes da CTNBio compareçam às reuniões, conforme matéria publicada no Estado de 22/10, é possível ter uma dimensão dos problemas que a comissão está enfrentando na tentativa de realizar o seu trabalho.

Atualmente, a CTNBio passou a ter 54 integrantes, metade deles com a posição de suplente. Para a aprovação de uma liberação comercial, por exemplo, são necessários 18 votos favoráveis, com a presença de dois terços dos titulares. Como tem sido alto o índice de absenteísmo nas reuniões, acaba não sendo possível fazer as votações. 'O problema está na lei. Em vez de uma comissão, eles criaram uma assembléia geral', desabafou Colli, na mesma manifestação contra as amarras que a CTNBio está enfrentando.

A verdade é que existem dois grupos dentro da CTNBio se digladiando o tempo todo: um deles querendo agilizar os trabalhos e o outro com o único compromisso de retardar o andamento dos processos. Diante disso, o que podem fazer os pesquisadores sérios que precisam dar continuidade a seus trabalhos e não podem ficar à mercê de um órgão regulatório que não consegue dar andamento aos processos de avaliação para poder liberar ou não os inúmeros pedidos para a realização de pesquisas de campo na área de biotecnologia?

Na realidade, os que querem dar maior agilidade ao processo são tachados de 'defensores da biotecnologia', quando, na realidade, o que querem é fazer cumprir a Lei de Biossegurança, que prevê uma análise caso a caso, enquanto aqueles que retardam o processo defendem a obsoleta proposta, superada pela lei, de 'um país livre de transgênicos'.

Reunidas em setembro em Florianópolis, as Comissões Internas de Biossegurança (CBios) de instituições públicas e privadas debateram outro problema gravíssimo do setor, que são os atentados a estações experimentais e laboratórios de pesquisa provocados por vândalos empenhados em destruir a ciência brasileira. Em moção de repúdio a essa dilapidação organizada, que põe em risco a própria continuidade dos investimentos públicos e privados em pesquisa e desenvolvimento (P&D), os pesquisadores informaram que estão buscando proteção para seus trabalhos em outros países, onde as leis e normas de biossegurança são observadas, inclusive em países vizinhos, como a Argentina.

Em relatório recente, a ONU propôs oito metas para o milênio, quatro das quais fazem referência direta à biotecnologia moderna como principal ferramenta: aplacar a fome nos países em desenvolvimento sem ampliar o desmatamento, aumentar as reservas de água do planeta, diminuir o desmatamento e ampliar a produção de energia limpa. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) também em seu último relatório aponta a biotecnologia como principal aliada dos países em desenvolvimento para obter cultivos com maior rendimento, mais resistentes a pragas e que possam ser cultivados em regiões com menos água.

A pesquisa biotecnológica, diferentemente da pesquisa básica, prevê sua imediata aplicação e o retorno do investimento feito. Portanto, utilizar critérios diferenciados para analisar processos de pesquisa e de liberação comercial constitui um verdadeiro despropósito e contribui para a retração dos investimentos no setor. O Brasil possui inúmeras pesquisas em instituições públicas como a Embrapa, a Fiocruz e universidades que visam a atender a demandas sociais importantes e que não podem ser obtidas por outros processos tecnológicos. Pois, continuando a morosidade nas avaliações da CTNBio, essas pesquisas não poderão dar o retorno à sociedade brasileira do investimento feito.

Como se não bastassem as dificuldades para a continuidade da análise dos atuais processos pendentes em sua pauta, a CTNBio também criou normas internas que contribuem para sua inércia. Ela poderia, por exemplo, concentrar-se nas avaliações de risco contidas nesses processos e repassar às CIBios as avaliações burocráticas, sem implicações técnicas. Atualmente, para fazer uma pequena ampliação no laboratório, um pesquisador que trabalhe com um organismo geneticamente modificado (OGM) que não apresenta risco (chamado risco 1), por exemplo, precisa encaminhar para aprovação da CTNBio (que já fiscaliza as CBios sistematicamente), gerando um novo processo que vai contribuir para atravancar ainda mais a continuidade da avaliação dos demais processos.

Ainda mais grave é que os representantes ambientalistas da CTNBio afirmam que não existe atraso algum na avaliação dos processos, e sim uma busca de maior segurança. O que parece passar despercebido a esses militantes são as grandes perdas ambientais e econômicas para o País, que pagará a conta dessa atitude. Com isso, o que conseguem é impedir o acesso brasileiro a uma tecnologia que há mais de dez anos vem provando agredir menos o meio ambiente, que economiza a água do planeta, causa menos erosão e, ainda, economiza o uso de defensivos e será fundamental para o programa de biocombustível.

Como o governo pretende ter a biotecnologia como grande aliada para resolver os problemas nacionais, se não dá condições de colocar esses produtos nas mãos do cidadão brasileiro? Já está superada a etapa de apenas refletir sobre o risco do uso da biotecnologia. Faz-se urgente refletir sobre o risco de não se ter esta tecnologia como principal aliada para atingirmos as Metas do Milênio estabelecidas pela ONU.

Leila Oda, pesquisadora da Fiocruz, é presidente da Associação Nacional de Biossegurança (ANBio)

OESP, 04/11/2006, Espaço Aberto, p. A2

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