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Crise Yanomami e casos de racismo inspiram enredos políticos de quatro escolas no Rio

O Globo - oglobo.globo.com
Autor: Luísa Marzullo
13 de Fev de 2024

Salgueiro, Grande Rio, Portela e Paraíso do Tuiuti fizeram desfiles críticos

No meio de enredos mais lúdicos como a importância das crianças e até mesmo a fruta caju, quatro escolas de samba do Grupo Especial que desfilaram na Marquês de Sapucaí entre domingo e segunda-feira optaram por sambas carregados de política. Neste contexto, as apostas foram em temas que dizem respeito às questões ambientais e raciais.

Coincidentemente, na primeira noite de desfiles, o sorteio organizado pela Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa) determinou que Salgueiro e Grande Rio se apresentassem no mesmo dia e em posições seguidas. Essas agremiações colocaram suas fichas em enredos ligados aos povos indígenas.

Este mesmo sorteio determinou que, no segundo dia, a questão racial também aparecesse em duas escolas: Portela, a segunda da noite, e Paraíso do Tuiuti, que desfilou na quinta posição.

Do Andaraí, o Salgueiro foi à avenida com o samba "Hutukara", que significa "a parte do céu do qual nasceu a terra". Em versos como, "falar de amor enquanto a mata chora" e "você quer me ouvir falar Yanomami para postar no seu perfil" levantaram o público.

As comissões traziam carros elétricos ácidos, a exemplo de um troco ensanguentado e uma retroescavadeira dourada. Neste contexto, foram discutidos temas como o aquecimento global, o desmatamento e a defesa da Amazônia.

Ao Globo, o sambista Dudu Nobre, um dos compositores de "Hutukara" exalta a importância do enredo: "Estou emocionado de ver na avenida. É uma temática essencial."

Em uma pegada menos crítica, a Grande Rio trouxe o samba "Nosso Destino é ser onça", inspirado em um mito indígena da tribo Tubinambá. Neste enredo, a onça representa um ser divino e poderoso, um símbolo da preservação ambiental e da resistência.

A escolha dos enredos é um reflexo do primeiro ano de governo do presidente Lula (PT), que foi criticado por suas políticas junto aos indígenas.

Após um logo período sem demarcações durante o mandato de Jair Bolsonaro (PL), o petista assumiu o governo em janeiro de 2023 com a promessa de voltar a acelerar o processo. Para isso, montou um ministério específico para o tema, o de Povos Indígenas, mas a avaliação de especialistas tem sido de que o processo decorre de maneira lenta.

Até dezembro, oito terras haviam sido demarcadas e, logo no início do ano, em fevereiro, uma crise com o povo Yanomami foi enfrentada. Em fevereiro passado, imagens de desnutrição grave, infecções respiratórias e doenças diarreicas chocaram o mundo, expondo a crise humanitária enfrentada por esta população.

Racismo na atualidade
Na mesma toada, os desfiles da segunda noite também foram complementários, mas em outra temática que tem sido pauta dos noticiários.

Com o samba "Um defeito de cor", inspirado no livro homônimo de Ana Maria Gonçalves, a Portela investiu em um desfile com o enfoque na história das mães negras do país, que sonham com uma vida sem preconceito para os seus filhos.

Neste contexto, personalidades como o ator Lázaro Ramos, o ator Paulo Vieira e o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, interpretaram o advogado abolicionista, Luiz Gama - tido como um importante revolucionário para a sua época. Ao GLOBO, o ministro elogiou o tema: "O enredo é espetacular. É um livro maravilhoso. É um dos maiores livros da literatura contemporânea".

Apesar de, à princípio, passar como uma homenagem literária, o samba deixa claro sua intenção de trazer reflexões com versos como "Nasci quilombo e cresci favela", que retratam a luta por condições igualitárias enfrentadas pelo povo negro e favelado no país. Segundo dados do IBGE, 75% dos mais pobres no Brasil se declaram negros.

Duas escolas após a Portela, a Tuiuti reviveu essas dificuldades, mas de outra maneira. Por volta de 3h30 da manhã de terça-feira, o enredo "Glória ao Almirante Negro" trouxe a história de João Cândido, o líder da revolta da Chibata, que ocorreu em 1910 no Rio Grande do Sul.

O samba tem como intuito reconhecer Cândido enquanto herói nacional - o homem que se rebelou contra a Marinha após o final da escravidão por ele e seus companheiros receberem um tratamento desumano, com o uso de chibatadas, por exemplo.

Apesar de se pautar em um fato antigo, a escola fez conexões com o presente para expor que a desigualdade racial segue sendo uma realidade. O carro em que isto ficou emblemático foi justamente o último. Em uma espécie de caravela, a Tuiuti colocou velas com casos de racismo que estamparam os jornais num futuro recente.

Tratavam-se de dizeres como "jovem negro de 17 anos chicoteado por furtar chocolate", em referência a um episódio que ocorreu em um estabelecimento paulista em 2019, e "jovem negro sofre racismo em mercado na zona norte" - o caso ocorreu em setembro passado.

https://oglobo.globo.com/rio/carnaval/noticia/2024/02/13/crise-yanomami…

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