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'Crise é oportunidade para propostas', diz Ignacy Sachs

OESP, Especial, p. H2
Autor: SACHS, Ignacy
25 de Jan de 2012

'Crise é oportunidade para propostas', diz Ignacy Sachs
Para o economista e sociólogo polonês, investir na economia verde significa apostar numa dimensão socioambiental do desenvolvimento

Karina Ninni

Ignacy Sachs foi o precursor do conceito de ecodesenvolvimento - que, na década de 1970, designava um modelo mais equânime e ambientalmente correto de produção, distribuição e consumo de bens. Posteriormente, a ideia preconizada por ele ganhou outros contornos e passou a ser conhecida por desenvolvimento sustentável.
O economista e sociólogo polonês viveu no Brasil e estudou no Rio de Janeiro. Trabalhou na organização da Primeira Conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, a Estocolmo-72, realizada na Suécia, e na Cúpula da Terra, mais conhecida como Rio-92.
Sachs falou ao Estado sobre a Rio+20 e o novo conceito de economia verde que a conferência irá abordar.
Economia verde remete a um conceito conciliador, apontando para as oportunidades de negócios que se abrem com as questões climáticas, em vez de pontuar as dificuldades e o custo que a transição pode (e deve) acarretar. O senhor acredita que esse conceito tem mais chances de trazer para a mesa de negociações climática os países que estão pouco interessados na chamada transição?

Para mim, o termo economia verde remete à dimensão ambiental que não pode ser dissociada da dimensão social. Devemos buscar estratégias de desenvolvimento capazes de responder simultaneamente às urgências sociais e ambientais.

Muitas nações emergentes devem estar temendo que a ideia de economia verde sirva de justificativa para o protecionismo e a imposição de barreiras comerciais e econômicas não tarifárias. O senhor crê que isso pode acontecer?

Não se pode abrir mão da dimensão ambiental (ou social) do desenvolvimento só porque poderia ser invocada para justificar o protecionismo. Por outro lado, não penso que o protecionismo seja uma palavra feia. Os países ex-coloniais e menos desenvolvidos devem, em certas circunstâncias, usar o protecionismo como um instrumento de política econômica.

Economia verde parece ser um dos muitos filhotes do seu conceito pioneiro de ecodesenvolvimento. O que separa ambos os conceitos?

O ecodesenvolvimento se refere a um desenvolvimento socialmente includente e ambientalmente sustentável. A economia verde não inclui explicitamente a dimensão social.

De acordo com o relatório A caminho da Economia Verde, lançado no ano passado pelo Pnuma, o conceito diz respeito a uma economia de baixo carbono, eficiente no uso de recursos naturais e que promova a inclusão social. Pela sua experiência, quanto tempo acha que a humanidade tem pela frente até que boa parte do mundo esteja apta a essa transição e convencida de sua necessidade?

O relatório incorpora corretamente a questão da inclusão social no conceito da economia verde. Quanto à questão se seremos capazes de efetuar a transição ainda na primeira metade do século 21, é praticamente impossível responder por antecipação. Pessoalmente, acho que o presidente Obama tem razão quando diz "yes we can". Eu apenas acrescentaria "yes, we still can". Ainda podemos, à condição de não perdermos tempo.
A transição para estratégias menos destrutivas da natureza e mais equitativas na partilha do produto não pode ser protelada indefinidamente. A Rio+20 oferecerá uma boa oportunidade para alertar a opinião pública mundial sobre a necessidade urgente de mudar rapidamente de rumo, se não queremos enfrentar mais algumas décadas crises, cuja superação vai acarretar uma altíssimo custo social.

A questão energética é especialmente delicada tanto para emergentes como o Brasil, tido como um exemplo de uso de fontes limpas e renováveis, quanto para países desenvolvidos que têm matrizes mais intensivas em emissões. Qual é sua opinião acerca da transformação da Amazônia na nova fronteira energética do Brasil?

O Brasil não pode renunciar à utilização do potencial hidrelétrico dos rios amazônicos. Em cada projeto novo, convém, no entanto, analisar com a maior atenção os seus impactos sobre a floresta, com vistas à sua diminuição mediante a escolha das tecnologias empregadas e a compensação eventual por reflorestamento em outras áreas.

O Brasil planeja mais quatro usinas nucleares (duas nas margens do Rio São Francisco e mais duas na Região Sudeste). O senhor crê que, para um país como o nosso, a produção de energia nuclear seja uma solução? Ou devemos aproveitar nosso potencial hidrelétrico ao máximo, antes de pensar na alternativa nuclear?

Pessoalmente, acredito que o Brasil tem à sua disposição um elenco suficientemente abrangente de tecnologias de produção de energia para não privilegiar neste momento a energia nuclear. A probabilidade de acidente é extremamente reduzida, porém as consequências podem ser desastrosas, como o mostram os exemplos de Chernobyl e Fukushima.
Dois especialistas franceses do assunto, Benjamin Dessus e Bernard Laponche, acabam de publicar um estudo, cujo título é todo um programa: Acabar com o Nuclear - Por Que e Como. (Éditions du Seuil, Paris, 2011.) A Alemanha, a Suíça e a Bélgica já decidiram uma saída a termo do nuclear, a Itália se pronunciou num referendo contra o retorno ao nuclear.

O desperdício é um dos grandes desafios brasileiros, em todos os setores. Nossa média de desperdício de água é altíssima e o mesmo acontece com a energia. O relatório A caminho da Economia Verde aponta a eficiência no uso dos recursos como uma das áreas prioritárias para a transição para a economia verde. Como analisa essa cultura do desperdício?

Concordo em grau e gênero com todos aqueles que enfatizam a importância de atuar no sentido da redução dos desperdícios de recursos naturais.
O conhecido economista polonês Michael Kalecki trabalhava com a seguinte equação: R = I / K - A + U, na qual R é a taxa de crescimento da economia, I é o coeficiente de investimento, K a relação capital/produto, A a taxa de amortecimento e U a taxa de utilização mais eficiente dos recursos.
Não é fácil inculcar uma cultura de manejo eficiente dos recursos. Porém, trata-se de uma reserva importante para aumentar a taxa de crescimento da economia sem aumentar os investimentos.

O rascunho zero da Rio+20, lançado na semana passada, fala em erradicação da pobreza, mas não menciona redistribuição de riqueza. O senhor acha possível alcançarmos um modelo mais justo de desenvolvimento apenas pela via da melhora tecnológica?

A luta contra a pobreza passa por dois canais: a geração de oportunidades de trabalho decente e melhor remunerado para todos e a redistribuição da renda, financiando programas sociais de saúde, educação, acesso à moradia, etc.
O progresso tecnológico por si só não resolve os problemas da disparidade social. Ao contrário, muitas vezes provoca o seu agravamento, na medida em que os seus frutos são apropriados por uma minoria.

O senhor crê que a crise econômica pode atrapalhar a Rio+20 - no sentido de impedir acordos com metas, ainda que voluntárias - ou acha que a crise pode estar sendo usada para justificar a posição reticente de determinadas nações quanto a negociações sobre clima, emissões e padrões de consumo?

Penso, ao contrário, que a crise é uma oportunidade para apresentar propostas de saída voltadas à solução simultânea dos problemas sociais e ambientais que se agudizaram por meio das formas tradicionais de (mau) desenvolvimento.
Se não mudarmos de rumo, corremos o risco de graves problemas ambientais e de polarização ainda maior entre as minorias abastadas e as maiorias condenadas a lutar pela sobrevivência.

Quais seriam, em sua opinião, as maiores implicações da transição para uma economia verde em países emergentes como o Brasil ou a Índia? E quais seriam as implicações para países desenvolvidos, mas com uma dívida interna enorme, como os EUA?

Repito que, para mim, o tema central é a transição para uma economia socialmente includente e mais justa e ambientalmente sustentável. Por que chamá-la só de verde? A minha bandeira é verde e vermelha (espero que os portugueses me perdoem por essa apropriação).
O Brasil e a Índia são os dois abre-alas do bloco dos emergentes, com vários séculos de cooperação avant la lettre que começaram na época colonial. São os candidatos naturais para organizar o bloco de maneira a induzir as Nações Unidas a se empenharem na elaboração e implementação de um plano mundial de desenvolvimento includente e sustentável baseado numa maior cooperação científica e técnica entre países que possuem biomas similares (floresta tropical úmida, semiárido, savana, etc) e cofinanciado por um Fundo das Nações Unidas de desenvolvimento includente e sustentável, composto por uma contribuição de 1% do PIB dos países ricos, a taxa Tobin sobre as especulações financeiras, um imposto sobre as emissões de carbono a ser estabelecido e pedágios sobre ares e mares cobrados das aeronaves e navios pertencentes a países desenvolvidos.
Esperemos que os países mais ricos do planeta entendam a importância da cooperação Sul-Sul e a apoiem.
Economista polonês, naturalizado francês, Ignacy Sachs viveu no Brasil durante sua juventude, para onde veio como refugiado da 2ª Guerra. Estudou no Liceu Pasteur, em São Paulo, e cursou a Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro.

Quem é
Ignacy Sachs
Precursor de conceito de ecodesenvolvimento
Economista polonês, naturalizado francês, Ignacy Sachs viveu no Brasil durante sua juventude, para onde veio como refugiado da 2ª Guerra. Estudou no Liceu Pasteur, em São Paulo, e cursou a Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro.

OESP, 25/01/2012, Especial, p. H2

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