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Crise ambiental no Brasil pode atingir "ponto de não retorno"

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02 de Jun de 2022

Crise ambiental no Brasil pode atingir "ponto de não retorno"

Redação Observatório 3o Setor
10-14 minutos

O Brasil vem enfrentando consecutivos recordes de desmatamento, períodos de muitas queimadas, além da destruição do garimpo. Especialistas apontam para os impactos da crise ambiental na biodiversidade e na vida das pessoas e estudos alertam para possíveis danos permanentes
Foto aérea de floresta pegando fogo. Há muita fumaça. | Crise ambiental no Brasil pode atingir "ponto de não retorno"
Foto: Christian Braga | Greenpeace

Por Iara de Andrade

Nos últimos anos, o Brasil tem vivido uma crise ambiental generalizada. São consecutivos recordes de desmatamento, períodos de muitas queimadas, garimpeiros poluindo rios com mercúrio, animais que correm o risco de entrar em extinção e consequências na biodiversidade, na vida das pessoas e comunidades como um todo.

Em níveis internacionais, o país lidera o ranking mundial de devastação florestal. Um levantamento da Global Forest Watch (GFW) apontou que, em 2021, 1,5 milhão de hectares de florestas tropicais foram derrubadas no país, o correspondente a 40% da extinção florestal de todo o planeta.

Dados do Relatório Luz sobre as demandas da Agenda 2030, apresentado em julho de 2021, na Câmara dos Deputados, apontam que o Brasil não avançou em nenhuma das 169 metas de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU). O país apresenta retrocesso em 54,4% das metas e se encontra estagnado em 16%. Ainda de acordo com o estudo, 12,4% delas está ameaçada e 7,7% mostram progresso insuficiente.

O Desmatamento

Entre 1985 e 2019, o Brasil perdeu 87,2 milhões de hectares de áreas de vegetação nativa, o equivalente a pouco mais de 10% do território nacional. Os números, de agosto de 2020, são do MapBiomas e apontam uma aceleração da devastação nos anos de 2018 e 2019, quando a crise ambiental se acentuou em todo o país.

As informações indicam que 97% dos alertas de desmatamento emitidos desde 2019 não foram fiscalizados. Constam 199.520 avisos: 9,6 mil na Mata Atlântica; 14,7 mil na Caatinga; 24,5 mil no Cerrado e; o maior número se deu na Amazônica, com 146,9 mil.

Números das regiões pantaneira e dos pampas também foram coletados e apresentam 696 e 330 casos, respectivamente.

Durante um painel, na 51ª edição do Fórum Econômico Mundial, o país foi cobrado pela crise ambiental, vista especialmente no desmatamento da Amazônia. Foram 589 quilômetros quadrados de destruição só em 2021. À época, especialistas apontaram o desmatamento do bioma, responsável pela formação de chuvas nas demais regiões do país, como uma das causas para a pior crise hídrica do país em 91 anos, somada à estiagem.

Há destruição significativa também na Mata Atlântica. A floresta teve mais de 21 mil hectares derrubados entre 2020 e 2021. Números do Atlas Mata Atlântica indicam um aumento de 66% em relação ao período anterior. Foram 9.209 hectares em Minas Gerais; 4.968 na Bahia; 3.299 no Paraná; 1.008 em Mato Grosso do Sul e 750 em Santa Catarina.

As Queimadas

Queimadas podem acontecer de forma natural, sendo muito comuns em regiões mais áridas. Mas há também as chamadas antrópicas ou artificiais. Essas se dão de forma proposital, causadas por seres humanos, normalmente para preparar o solo para agricultura ou pecuária.

São consideradas crimes se não estiverem dentro dos termos das leis ambientais, como por exemplo: se ocorrerem muito próximas a redes de distribuição de energia elétrica ou ocuparem uma faixa a menos de 15 metros de rodovias ou ferrovias. Além disso, toda queimada precisa ser autorizada pelo órgão ambiental dos municípios e/ou dos estados.

De acordo com dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE), o ano de 2021 foi o terceiro maior em queimadas no Amazonas na história do país. De janeiro a 3 de novembro de 2021, foram registrados 14.617 focos de incêndio no estado, ficando atrás do ano de 2005, com 15.644, e 2020, com 16.729 focos.

Um relatório técnico elaborado pelo Ministério Público do Mato Grosso (MPMT) e pelo Ministério Público do Mato Grosso do Sul (MPMS) aponta que quase 60% dos focos de incêndios no Pantanal, no ano de 2020, têm alguma ligação com a agropecuária.

A Biodiversidade

Pesquisadores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap/Icmbio) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) divulgaram, em artigo científico, dados sobre as consequências das frequentes queimadas no Pantanal, no período de janeiro de 2020 a 11 de junho de 2021.

Intitulado "Pantanal está pegando fogo e só uma agenda sustentável pode salvar a maior área úmida do mundo", o documento diz que 4,65 bilhões de animais foram afetados pelos incêndios no bioma. São pelo menos 65 milhões de nativos vertebrados e 4 bilhões de invertebrados, com base na densidade de espécies conhecidas.

Onças-pintadas, águia-solitária-coroado, tamanduá-bandeira, cervo-do-pantanal e arara-azul estão entre as espécies mais afetadas. "Os impactos sobre essas espécies podem ser diretos por ferimentos e morte, ou indiretos devido à perda ao habitat e escassez de recursos", diz um trecho do artigo.

Ao mesmo tempo, Cristiane Mazzetti, porta-voz de Amazônia do Greenpeace Brasil, alerta para o desmatamento da Amazônia como um dos causadores da perda, em ritmo acelerado, de espécies da biodiversidade brasileira:

"Entre 2004 e 2012, o desmatamento na maior floresta tropical do planeta caiu em 80% como resultado de um plano [governamental] robusto de combate ao desmatamento que envolvia, dentre outras ações, atividades articuladas de fiscalização e criação de áreas protegidas. Essas estratégias têm sido ignoradas pela gestão atual, ainda que a ciência alerte para a urgência de ações para conter não só a crise da biodiversidade, mas também do clima. Cabe a nós, sociedade, pressionar para que o combate ao desmatamento seja uma política séria e de Estado".

O Garimpo

Em 25 de maio de 2022, foi comemorado o marco de 30 anos de demarcação das Terras Yanomami, a maior terra indígena do Brasil. Homologada em 1992 pelo então presidente recém-elegido, Fernando Collor, a medida fez cumprir a constituição de 1988 que concede aos yanomami o direito exclusivo de usufruto das terras. À época, 40 mil garimpeiros ocupavam a região. Apesar do decreto, atualmente as Terras Yanomami vivem outra onda de invasão, que já conta com pelo menos 30 mil garimpeiros.

Dados de um relatório da Hutukara Associação Yanomami, divulgado em abril deste ano, chamam a atenção para o aumento de 46% do avanço de garimpo ilegal na região no ano de 2021, em comparação com o ano anterior. Em 2020, o salto já era de 30%.

O documento denuncia diversos crimes causados pelos garimpeiros. Por causa dos rios contaminados com mercúrio, os indígenas perderam uma de suas maiores fontes de alimento, estão passando fome e passaram a depender dos invasores para comer. Relatos contam que garimpeiros oferecem comida em troca de sexo com crianças Yanomami.

Em 2019, o garimpo poluía o Rio Tapajós com altos níveis de mercúrio. O componente, que antes era inofensivo e podia ser encontrado naturalmente no solo amazônico, passou a se tornar motivo de preocupação para a população local, que agora se alimenta dos peixes contaminados.
As consequências

As consequências da crise ambiental e da destruição dos biomas brasileiros vão desde alterações no clima, que influenciam diretamente na diminuição das chuvas e impactam a produção agrícola, até o aumento na emissão e concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera, que contribuem para a intensificação de eventos climáticos extremos, como inundações e crises hídricas. É o que diz a porta-voz de Amazônia do Greenpeace Brasil, Cristiane Mazzetti:

"Episódios como as fortes chuvas de Petrópolis (RJ), no início de 2022, ou as secas prolongadas que levaram ao aumento na conta de energia e risco de racionamento tendem a ficar mais frequentes".

O Centro de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Sociedade do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) compartilhou dados de um estudo que constatam o desequilíbrio da Floresta Amazônica, aproximando-a a um "ponto de não retorno". Com a perda da capacidade de recuperação em mais 75% de sua área, a Amazônia corre o risco de se tornar uma savana.

Paulo Junqueira é coordenador adjunto do Programa Xingu no Instituto Socioambiental (ISA) e lembra que, além dos indígenas, muitos grupos vivem nas florestas e já percebem os efeitos do envenenamento da água por agrotóxicos e metais pesados, o desmatamento das terras, o ressecamento das florestas e o desabastecimento alimentar.

"As florestas abrigam também outros povos, a exemplo de quilombolas, extrativistas, beiradeiros, quebradeiras de coco e caiçaras, entre outros".

As organizações da sociedade civil

A SOS Mata Atlântica, o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), a Greenpeace Brasil e o Instituto Socioambiental (ISA) são exemplos de organizações que atuam na área e têm se dedicado, com ainda mais esforços, para amenizar a crise ambiental atual.

O Instituto Socioambiental apoia as comunidades nas questões do fogo, de soberania alimentar e valoriza a feitura de produtos locais e suas organizações políticas e institucionais para lidar com os problemas atuais. "Buscamos ainda o engajamento cada vez maior de atores em vários campos para o enfrentamento da situação, além de manter um monitoramento constante das ameaças, tanto ambientais quanto políticas", comenta o coordenador adjunto do Programa Xingu do ISA, Paulo Junqueira.

O Greenpeace Brasil tem profundo envolvimento com as políticas institucionais, como na criação do Projeto de Lei Desmatamento Zero, entregue ao Congresso em 2015, na participação na Moratória da Soja, no compromisso assumido pelas principais traders de soja após uma campanha da organização, e na pressão aos governantes para a não aprovação da PL da Grilagem, que regulariza a ocupação indevida de terras públicas.

"Atualmente o Greenpeace tem feito, ao lado de parceiros da sociedade civil e movimentos, um forte enfrentamento ao Pacote da Destruição, que consiste em um conjunto de projetos de lei que visam legalizar crimes ambientais", conta a porta-voz de Amazônia do Greenpeace Brasil, Cristiane Mazzetti.

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