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CRIMES INDÍGENAS

Folha de Boa Vista-Boa Vista-RR
Autor: MARILENA FREITAS
14 de Jun de 2002

Juristas divergem sobre decisão do STF

O juiz estadual Gurcen De Miranda e o procurador em exercício da Advocacia Geral da União (AGU), Wilson Précoma, divergem sobre a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que ao manter a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), afirma ser de competência da Justiça do Estado os crimes comuns praticados por índios.
O crime analisado nesse acórdão trata-se de um homicídio verificado na reserva indígena do Estado do Mato Grosso. Na decisão, o STF fundamenta a tese de que "não houve disputa sobre direitos indígenas, que seria o fator determinante da competência".
No entendimento de Wilson Précoma, todos os crimes praticados dentro de uma terra indígena são de competência da Justiça Federal. "Eles são tutelados pela União e cabe a União defender os interesses e os direitos dos índios", argumentou.
"Ao que me parece, esse julgado do STF, não analisou todos os aspectos da questão. Só analisou o da competência discriminando facetas de normas de conduta ilícita no padrão da sociedade nacional envolvente. Mas não entrou na questão da territorialidade, o índio dentro de sua terra", acrescentou.
Para Précoma, os crimes só fogem da competência federal quando praticados fora da área indígena, no meio da sociedade regional envolvente. "Quando o índio sai do seio da terra indígena e pratica atos tidos como ilícitos, seja de qualquer natureza, ele responde perante a Justiça do Estado", afirma.
Argumentou que a Constituição Federal assegura às etnias os próprios sistemas de justiça. "Onde que está o direito da tradição e dos usos e costumes? Uma situação que pode ser tida para nós como crime, perante a comunidade indígena pode não ser", ressaltou, ao dizer que a competência continua sendo federal, mesmo se o crime seja entre índios e não-índios.
Se o tuxaua da comunidade não tiver instrumentos para julgar o crime praticado, Précoma afirma que nesse caso deve-se recorrer à Funai (Fundação Nacional do Índio) que encaminhará o problema outros órgãos federais.
JUIZ - Para o juiz Gurcen De Miranda, a decisão do Supremo está correta porque o índio é relativamente capaz e tem discernimento entre o certo e o errado. "Todos os macuxi, wapixana e taurepang são aculturados, chamados de caboclos", disse, ao se referir a interação social desses índios com os não-índios.
Na opinião do magistrado, se um crime ocorreu dentro de uma comunidade indígena, o fato aconteceu dentro do território brasileiro. "Logo, as normas para punir esse crime têm que ser as do Estado", explicou.
Se o crime praticado tem característica ética do grupo e está comunidade tem como aplicar a pena, conforme explicou o juiz, o Estado poderá ratificar a sanção, já que a medida traduz nos costumes dos índios uma punição.
Ele citou como exemplo os rituais de pajelância. "Se numa pajelância o pajé dá um chá para um dos índios e este morre, esse crime pode ser entendido como de competência do grupo para julgar", esclareceu, ao citar que para algumas etnias uma índia está apta para iniciar a vida sexual após a primeira menstruação.
"Nesse caso, não pode ser configurado estupro e isso pode ser decidido pela comunidade", disse, ao ressaltar que 2% dos processos que envolve tráfico de drogas e tramitam na 2ª Vara Criminal, existem índios envolvidos que vivem na periferia da capital. "No meu livro, O Direito e o Índio, publicado em 1994, eu já externava esse posicionamento tomado agora pelo Supremo Tribunal", reforçou.

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