A Tarde
20 de Mar de 2007
A suspensão na distribuição de cestas básicas por meio do Programa de Segurança Alimentar do governo federal causou sérios problemas nas comunidades indígenas de todo o Estado. Na região norte as tribos Kiriris, no povoado de Mirandela em Banzaê (a 296 km de Salvador) e Caimbé, em Massacará no município de Euclides da Cunha (a 315 km da capital) estão registrando um aumento nos casos de desnutrição e tuberculose.
A situação mais séria é vivida pela comunidade dos kiriris, onde este ano uma criança morreu vítima de desnutrição. De acordo com o cacique Lázaro Gonzaga de Souza, a distribuição foi suspensa há dois anos deixando cerca de 200 famílias, entre elas 300 crianças com idades entre 0 e 12 anos, sem a devida alimentação. "Aqui sobrevivemos da
agricultura e quando não há chuva, temos que comer sementes que plantaríamos na próxima safra. O corte das cestas deixou várias famílias sem condições de sobrevivência, causando um alto índice de desnutrição", relata.
O cacique disse que o corte na distribuição de cestas se deu devido à chegada de programas sociais, como o Bolsa Família na comunidade, que tinha como objetivo beneficiar todas as famílias, mas atualmente apenas 50% delas estão recebendo o benefício. "Como o programa ainda não beneficiou todas as famílias, existem casos de crianças terem
apenas uma coisa para comer no dia, como todo índio é solidário, dividimos o pouco que temos e ajudamos os parentes que não têm", explicou.
O cacique Lázaro disse que outra fonte de renda da comunidade é a criação de caprinos, em parceria com o Banco do Nordeste pelo programa do Pronaf. "Por estarmos no início do projeto, nem todas as famílias foram beneficiadas, esperamos que com o passar do tempo possamos aprimorar o projeto e aí beneficiar um número maior de famílias",
assinala.
MORTES - A falta de alimentos adequados não só aumenta o número de casos de desnutrição. Muitos adultos vem sofrendo com uma doença ainda mais grave a tuberculose, que se não for tratada com urgência e de maneira correta leva à morte em pouco tempo. "Aqui já registramos vários casos de tuberculose com algumas mortes, não sei precisar no
momento quantas pessoas morreram vítimas da doença, mas foram muitas. Algumas estão ainda em tratamento, mas com a falta de alimentos adequados a solução demora muito mais", disse.
As cestas básicas, segundo o cacique, apenas estão sendo entregues para deficientes físicos, em alguns casos famílias que possuem casos de desnutrição e tuberculose, também são beneficiadas por um determinado período. "As cestas estão vindo através da Funasa, não sei se é pelo mesmo programa, mas apenas os deficientes físicos é que
recebem regularmente, às vezes quando sobra, distribuímos para algumas famílias, mas nem sempre isto acontece", afirmou.
CAIMBÉ- Com quatro anos sem receber as cestas básicas, as 240 famílias da Tribo Caimbé vem tentando driblar os problemas, principalmente na área de saúde, onde o número de casos de desnutrição vem aumentando a cada dia, mas não existe registro de morte. Diferente dos kiriris, lá apenas dois casos de tuberculose foram registrados nos últimos cinco
anos, mas não houve óbito.
Juvenal Fernandes Pereira e Flávio de Jesus Dias, caciques da comunidade relatam que o corte das cestas trouxe vários transtornos para a comunidade, onde 80% estão sendo beneficiados pelo Programa Bolsa Família sendo esta muitas vezes a única renda da família. "Após serem suspensas as cestas muitas crianças foram atingidas com a desnutrição, mas graças a Deus conseguimos evitar mortes", destaca Fernandes.
Cestas básicas vão para doentes, diz a Funasa
A Fundação Nacional de Saúde (Funasa) nega que a distribuição de cestas tenha sido suspensa nas comunidades indígenas na Bahia, diferentemente de como foi afirmado pelos caciques das aldeias Kiriris e Caimbé nos municípios de Banzaê e Euclides da Cunha. O órgão informou que o Programa de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan Indígena) foi implantado pelo Distrito Sanitário Especial Indígena em 2005, sendo que a distribuição de cestas básicas para a área indígena teve início em julho de 2005. O programa trabalha prioritariamente com as crianças de 0 a 5 anos e gestantes, que são avaliadas mensalmente pela Equipe Multidisciplinar de Saúde (EMS).
As cestas são distribuídas apenas para gestantes e deficientes físicos e famílias que possuem casos de desnutrição e tuberculose, pela Funasa, por meio dos pólos-base de Feira de Santana, Paulo Afonso e Ibotirama. Atualmente, são entregues 587 cestas nos três pólos. As cestas são compostas de 30 kg de feijão, arroz, flocos de milho, óleo,
leite em pó, açúcar, macarrão e farinha de mandioca e são montadas na sede do órgão, sendo entregues as famílias através das EMS.
"O atendimento à saúde é feito na aldeia dos caimbé por uma equipe composta de dois médicos, uma enfermeira, um dentista, dois auxiliares de enfermagem, um auxiliar de dentista e sete agentes de saúde. Para os kiriris, a equipe tem duas enfermeiras, uma médica, uma dentista e quatro auxiliares de enfermagem", relata a assessoria da Funasa.
Famílias passam dificuldade, mesmo com Bolsa Família
Com a falta de alimentos, doenças virais, como gripe, diarréia, entre outras, estão se proliferando na aldeia Caimbé, em Euclides da Cunha, o que vem preocupando os líderes. "Estamos voltados para atender e diminuir estes casos de doenças na comunidade, para isso estamos sempre participando de encontros e trazendo conhecimentos para a
comunidade", disse o cacique Flávio Dias, que esteve acamado com diarréia, febre e vômito no início do mês.
Com um número de crianças bem acima do normal, são mais de 450 com idades de 0 a 12 anos, a comunidade sobrevive da agricultura, da criação de ovinos e, recentemente, foi beneficiada com dois projetos do governo federal, um para a apicultura e outro para a horta comunitária, ajudando diretamente mais de 60 famílias.
"Como os projetos não beneficiam mais famílias, estamos criando um mutirão e na colheita cada família receberá frutas e verduras", destacou. O cacique Juvenal Fernandes explica que as famílias onde foram registrados casos de desnutrição continuam sendo beneficiadas com cestas básicas distribuídas pela Funasa, mas que isso não acontece regular mente. "Nós passamos por dificuldades sérias, mas uma família ajuda a outra e alguns índios trabalham fora da aldeia, o que acaba melhorando a situação das famílias aqui", explicou.
SOBREVIVÊNCIA - A família de Arleide Santos da Silva, 26 anos e mãe de sete filhos menores, o mais velho tem 10 anos e a mais nova 3 meses, sentiu de perto o drama no corte das cestas básicas, com o marido desempregado, ela sobrevive apenas com os R$ 95 que recebe do benefício social. "É difícil, pois quando chove a colheita é boa e dá para gente tirar um dinheirinho, mas temos que guardar para as emergências. Na realidade, sobrevivemos do Bolsa Família, pois não
temos outra fonte de renda para alimentar os nossos filhos", lembrou.
Outra que sente dificuldade para alimentar os filhos é a professora Cirila Santos Gonçalves, 29 anos e mãe de sete filhos com idades entre 12 anos e 9 meses. Separada do marido, ela trabalha como professora na escola indígena, onde recebe um salário mínimo e foi beneficiada há alguns meses com o Bolsa Família. "O salário de professora não dá para
sustentar as crianças com roupa, calçado, comida e ainda guardar um pouco para os remédios. O Bolsa Família me ajudou muito, mas ainda passo dificuldades para alimentar de forma correta os meus filhos" contou, mostrando o que tinha para o almoço, um pouco de feijão cozido, farinha e café.
Situação melhora para os pataxós de Coroa Vermelha
"Não temos os dados numéricos, mas a situação melhorou", disse a enfermeira-chefe Darlene Moreira da Silva, do posto de saúde da aldeia indígena pataxó de Coroa Vermelha, no município de Santa Cruz Cabrália (507 km de Salvador, no extremo sul), ao falar sobre desnutrição de crianças indígenas. Há dois anos, durante uma campanha da Funasa, foi
constatado que a cada quatro crianças (de 0 a 5 anos) examinadas, três apresentavam peso abaixo do recomendado.
Na época, a falta de saneamento básico e a falta de água potável foram apontadas pelo cacique Aruã e pela enfermeira responsável pela campanha de pesagem, como os principais problemas para o alto índice de crianças abaixo do peso. Hoje, o cacique também afirma que houve uma redução significativa no número de crianças abaixo do peso e
revela que a melhora se deve principalmente à instalação de rede de água potável na aldeia. "Ainda este ano, serão construídos 150 banheiros para a comunidade", relata Aruã.
Embora menos numéricos, ainda existem alguns casos de crianças indígenas pataxós desnutridas. Casos como o da pequena Mairi, de seis meses, que pesa apenas 11 quilos. A mãe da menina, a artesã Rosália Brás Ferreira, mora numa casa improvisada no centro cultural indígena de Coroa Vermelha, com Mairi e uma outra filha de 2 anos de idade.
Rosália, que é solteira, sobrevive e alimenta as duas filhas com o que consegue vendendo artesanato de sementes e com a meia cesta básica que recebe da Funai a cada dois meses. De acordo com o chefe do Núcleo de Ação Local da Fundação Nacional do Índio (Funai), em Porto Seguro, Zeca Pataxó, houve uma redução no número de crianças pataxós abaixo do peso, mas ainda existem casos nas aldeias de Barra Velha e Aldeia Velha, ambas em Porto Seguro.
Zeca Pataxó disse que a Funai tem recebido e distribuído cestas básicas do programa Fome Zero do governo federal. São recebidas 42 mil toneladas de alimentos (arroz, feijão, farinha de mandioca, óleo, açúcar, macarrão, leite em pó e flocos), a cada dois meses (não tem periodicidade certa), que são divididos entre os 11 mil índios que vivem nas sete terras indígenas do extremo sul do Estado. "É pouco. São cerca de 900 cestas básicas. Só na aldeia de Coroa Vermelha são 950 famílias", avaliou Zeca. De acordo com a Funasa, a distribuição de alimentos para os índios da comunidade pataxó é Índia Arleide Santos, da tribo Caimbé, e quatro dos seus sete filhos de responsabilidade da Funai.
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