VOLTAR

Creio que haverá ainda vários assassinatos

O Globo, O País, p. 13
09 de Dez de 2009

'Creio que haverá ainda vários assassinatos'
Às vésperas do 3o julgamento de pistoleiro que matou Dorothy Stang, irmã Jane conta que vive com medo

Soraya Aggege

No Dia Mundial dos Direitos Humanos, amanhã, será julgado, pela terceira vez, o pistoleiro Rayfran das Neves, o Fogoió, que já confessou ter matado a missionária Dorothy Stang, em Anapu, no Pará, em fevereiro de 2005, a mando de posseiros. O julgamento será no Fórum Criminal de Belém. A data coincide também com o último prêmio de direitos humanos de irmã Dorothy, pela OAB do Pará, dois meses antes do assassinato. Nenhum mandante foi preso até hoje, e o barril de pólvora aumentou na região, alerta a parceira de Dorothy, irmã Jane Dwyer, também americana naturalizada brasileira, de 69 anos, que continua o trabalho em Anapu e que teme ser assassinada.

Nesses quase cinco anos, apesar de toda a pressão internacional, a impunidade dos envolvidos ampliou o cerco contra o trabalho dos missionários que defendem a reforma agrária em Anapu. Mas o movimento de Dorothy cresceu: as 35 comunidades de base já chegam a 80, cuidadas por Jane e sua Congregação, de Notre Dame de Namur.

- Estamos correndo muitos riscos. Creio que haverá ainda vários assassinatos, como os de Dorothy, pois a situação está muito mais tensa - avalia irmã Jane, que responde:
- Se tenho medo? Sim. Mas se esperarmos por segurança, não faremos nada para os pobres no Brasil. A necessidade das comunidades e a fé em Deus e em um Brasil melhor para os pequenos nos fazem enfrentar todas as ameaças.

Jane denuncia que a realidade de Anapu em 2004 e 2005 só tem se agravado. Ela explica que têm ocorrido tiroteios e atentados, além de conflitos agrários extremados e retirada ilegal de madeira:
- As comunidades semeiam cacau, mas os posseiros semeiam pastos por cima dos plantios, lançando tudo de aviões. Não há policiamento.

Segundo irmã Jane, embora grande parte das áreas das comunidades tenha sido liberadas pelo Incra, há litígios:
- Conseguimos uma obra para escoar a produção das comunidades, mas os caminhões de madeira estragam tudo. São 40, 50 por noite. Daí, em setembro, o povo bloqueou a estrada para a madeira. O Incra veio e puniu os caminhões. Mas depois foi embora. O Incra tem pouca estrutura, apesar de ter boa vontade. Não tem verba.

Última pessoa a falar com Dorothy antes do assassinato, seu irmão, David Stang, desembarcou ontem no Brasil pela 11ª vez, desde o assassinato, em busca de Justiça. Por telefone, desabafou:
- Tenho 72 anos, e estou doente, cansado e revoltado. Eu quero Justiça para o caso da minha irmã. Quero que a verdade seja aceita e que os direitos do povo sejam destacados.

David contou que, há exatos cinco anos, foi a Anapu por um motivo mais glorioso: ver Dorothy receber o prêmio de direitos humanos.

- Quero que as histórias que minha irmã contava, que os direitos são públicos, sejam pelo menos defendidos. No dia do prêmio, políticos e religiosos já diziam: "Dorothy, vão te matar".

Todos a apoiavam. Agora, nada mais daquilo é verdade? Ninguém se importa? Ela ficou sozinha na chuva, com seis tiros, e hoje parece que alguns jurados acham até que ela virou a culpada. O que é isso?
David Stang contou que a última conversa que teve com sua irmã foi preocupante.

- Ela era muito otimista, mas naquela madrugada, não estava.

Ela me disse: "Estou muito preocupada". Sabia que um grupo articulava para eliminá-la.

O irmão de Dorothy lembrou ainda que, depois do crime, quando houve uma CPI, vários políticos se comprometeram com o caso.

- Eu estava em Anapu quando seis senadores chegaram, sustentando a posição de que havia um conluio. A governadora (Ana Júlia Carepa, PT) escreveu um documento, dizendo que havia um consórcio para matar minha irmã. Gostaria de vê-la defendendo aquele documento. E, como familiar de Dorothy, eu pergunto: afinal, quem controla o estado do Pará?
Em um primeiro júri, em 2005, Rayfran foi condenado a 27 anos de prisão. Em outro julgamento, em 2007, negou ter sido contratado e afirmou que havia sido ameaçado pela religiosa. A mudança fez com o suposto mandante Vitalmiro Bastos de Moura, o "Bida", fosse absolvido. A absolvição foi anulada pela Justiça em abril. Bida, em liberdade, recorreu. Rayfran pediu o terceiro julgamento. Segundo sua defesa, ele "já se encontra há quatro anos preso e tem direitos, como remissão de pena".

O caso tem outros envolvidos. Amair Feijoli da Cunha cumpre pena de 18 anos. Clodoaldo Batista cumpre 17 anos.

O fazendeiro Regivaldo Galvão, o "Taradão", suposto mandante, não foi julgado e continua em liberdade. Uma testemunha contra ele sofreu um atentado grave no mês passado

O Globo, 09/12/2009, O País, p. 13

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.