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Créditos de biodiversidade surgem como saída para conservação

Valor Econômico - https://valor.globo.com/
17 de Set de 2024

Créditos de biodiversidade surgem como saída para conservação
Com aprovação de princípios de alto nível sobre Bioeconomia no G20, olhares se voltam para mecanismos de financiamento da biodiversidade

Victoria Netto

Em meio às discussões sobre o mercado de carbono, a criação de créditos de biodiversidade desponta como um dos vetores de inovação para o financiamento da bioeconomia. Esses instrumentos são cotas precificadas para conservação e restauração de habitats naturais. O desafio, contudo, é como definir o valor dos ativos da natureza. O Brasil, país considerado o mais biodiverso do mundo, tem grande potencial nesse mercado, segundo especialistas, sobretudo com as aposta no Plano de Transformação Ecológica.

O tema ganhou especial atenção após a Iniciativa do G20 sobre Bioeconomia (GIB), lançada pela presidência rotativa do Brasil neste ano. Na semana passada, foram aprovados os 10 Princípios de Alto Nível sobre Bioeconomia, que vão balizar discussões diplomáticas e práticas comerciais sobre o tema. O documento foi considerado um marco histórico pelo Itamaraty.

Agora, os olhares se voltam para os meios de financiamento. Este será também um tema presente na Conferência sobre Biodiversidade na cidade colombiana de Cali (COP16), no fim de outubro. Com potencial de chegar a US$ 2 bilhões em 2030 e US$ 69 bilhões até 2050, a demanda global por créditos voluntários de biodiversidade hoje gira em torno de US$ 8 milhões, de acordo com o Fórum Econômico Mundial.

O diretor de financiamento soberano da organização NatureFinance, Arend Kulenkampff, explica que os créditos de biodiversidade são apenas uma parte de um conjunto de instrumentos que podem ser usados no financiamento para a bioeconomia. Mas, segundo ele, há complexidades que os tornam mais desafiadores do que os créditos de carbono.

"A diferença é que, com os créditos de carbono, você tem um denominador comum, que é o equivalente em CO2. Neste caso [de biodiversidade], não há um denominador comum. Temos que medir o estado da natureza. E há muitas metodologias diferentes", afirma Kulenkampff.

De acordo com ele, há casos em que é possível eleger impactos localizados e perda de biodiversidade, precificar e pedir que esse preço seja pago para restaurar o que foi degradado, e isso pode ser transformado em um crédito. Por outro lado, a negociação desses créditos ainda é um tópico em aberto. "Há diferentes perspectivas sobre isso, se podemos ter mercados secundários e se os créditos podem ser usados em compensação", observa
O diretor de Ciência do Kew Gardens, no Reino Unido, Alexandre Antonelli, explica que, por enquanto, não se trata de um mercado para a compra e venda dos créditos em balcão, mas de uma forma de financiamento para a conservação e restauração.

O pesquisador integra o Painel Consultivo sobre Créditos de Biodiversidade, grupo criado em 2023 com mais de 25 representantes de finanças, empresas, ONGs, povos indígenas e comunidades locais, distribuídos em pelo menos 12 países. A organização trabalha junto com o Fórum Econômico Mundial e com a Global Biodiversity Alliance em uma série de princípios que permitam a criação do mercado de biodiversidade de forma estruturada.

Serviços ecossistêmicos têm valor difícil de monetizar"
- Ilona Szabó

O documento com os princípios será apresentado na COP16. O foco da cúpula estará no relatório de progressos dos países para atingir as metas do "Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal", acordado na COP15, em 2022. Entre outros pontos-chave, o tratado incentiva os países a alavancar "esquemas inovadores, como compensações e créditos de biodiversidade."

"Será uma boa oportunidade de apresentar uma solução concreta para aumentar o financiamento de projetos de conservação e restauração, porque esse é um dos fatores mais cruciais e mais difíceis neste momento", diz Antonelli. Ele não compartilhou quais são os princípios, mas informou que o trabalho é feito com base em projetos-piloto em diversos países e em níveis diferentes de implementação, que são avaliados e comparados. Ele explicou ainda que o grupo está estudando formas de inserir essas experiências em modelos financeiros que já existem.

Na Colômbia - terceiro país mais biodiverso do mundo, atrás do Brasil e da Indonésia -, as iniciativas cresceram sobretudo após 2012 e 2018, com regulações que preveem a compensação de impactos à biodiversidade. O governo normatiza as condições para a criação de bancos de habitats que podem gerar créditos (também chamados de unidades ou cotas).
A partir daí, a empresa colombiana Terrasos começou a criar mecanismos de financiamento. Em 2020, desenvolveu um protocolo de "unidades" de biodiversidade, atuando como investidora e gestora técnica. Por exemplo, uma iniciativa com 100 hectares tem 100 créditos de biodiversidade durante 30 anos, que é a vida do projeto. Cada crédito é vendido só uma vez, e o preço varia de acordo com o ecossistema. A venda dos créditos só é possível após cumprir marcos ecológicos na área.

Hoje, há 10 projetos em diferentes estágios: alguns já foram vendidos para mercados de compliance de perda de biodiversidade e outros estão na fase inicial. "Às vezes, os proprietários tornam-se nossos parceiros, em outras é uma espécie de arrendamento e em outras a comunidade é dona do projeto e simplesmente acompanhamos", diz a CEO da Terrasos, Mariana Sarmiento.

Para a presidente do Instituto Igarapé, Ilona Szabó, a bioeconomia tem um potencial gigante no Brasil. "Se não conseguirmos entender o valor da natureza, não vamos conseguir nem virar esse século", afirma. "Se a gente fosse pensar, é impagável, porque os serviços ecossistêmicos têm um valor intrínseco que é muito difícil de monetizar. Porém, se não criarmos a consciência de que todas as indústrias são dependentes desses recursos, e de fato criar valor financeiro, não conseguiremos pagar nenhum preço justo nem fomentar a nova bioeconomia."

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/09/17/creditos-de-biodivers…

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