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Couve e jiló direto da roca paulistana

OESP, Metrópole, p.C8
17 de Jul de 2005

Couve e jiló direto da roça paulistana
Pouca gente sabe, mas São Paulo também tem seu lado rural; hortaliças e legumes são cultivados em 14,75% da área da capital
Marisa Folgato
Cinqüenta e cinco quilômetros do centro da capital rumo ao extremo sul - 11 deles em estrada de terra no meio do mato. No fim da linha, no Jardim Varginha, ainda dentro da cidade, 121 mil metros quadrados de plantação - tomate, pimentão, alface, berinjela, jiló, couve-flor, couve, brócolis -, que vão abastecer a Ceagesp três vezes por semana. "Muita gente não sabe, mas tem a São Paulo centro e a São Paulo interior", diz o dono da lavoura, Luiz Vieira de Araújo, de 59 anos.
Todos os dias, os produtores paulistanos de hortaliças, especialidade da cidade, descarregam 240 toneladas de legumes e 60 toneladas de verduras na Ceagesp. Parece pouco, frente ao volume diário vendido na central - 10 mil toneladas. Mas não é. Basta lembrar que a produção se refere à maior metrópole do País, onde só 14,75% do território é área de cultivo. Além disso, muitos preferem vender diretamente a feirantes, supermercados, quitandas, sacolões e vizinhos.
Essa produção agrícola, com o crescimento da cidade, acabou concentrada na zona sul, espremida entre a Área de Proteção Ambiental (APA) Capivari-Monos, as Represas de Guarapiranga e Billings e a massa de concreto, muitas vezes irregular, sem infra-estrutura.
POLUIÇÃO
Foi esse problema que fez Araújo abandonar a lavoura de verduras e legumes em seu sítio, ainda no trecho asfaltado da Avenida Paulo Guilguer Reimberg, e arrendar um terreno 11 quilômetros mais longe e em estrada de terra. "A água ficou poluída, por causa de um loteamento ilegal. Continuo morando no sítio, no meio da mata, mas em volta é tudo vila. Só dá milho e mandioca lá."
Já o terreno arrendado, onde planta, tem nascente. "É preciso água limpa. Minha família come o que planto. Muita gente não pode fazer isso." A irrigação é feita com bombas. Araújo tem três tratores, caminhão e máquina de colher milho.
Araújo, dois filhos - que têm o segundo grau - e cinco funcionários começam a trabalhar às 6h30 e vão até as 17h30, quando a porteira fecha. Dali, a família volta para o sítio, onde o conforto é de cidade na casa de três dormitórios. "Nada de fogão a lenha. Enche a casa de fumaça."
O fogão a lenha não faz sucesso na cidade mesmo. "A gente não tem, porque as meninas dizem que as panelas ficam pretas", diz a paraense Maria do Carmo Ferreira, de 50. Ela ensinou às filhas cada receita que aprendeu com a mãe, em Belém (PA), de onde saiu aos 13 anos para ser babá em São Paulo.
Entregou a cozinha às filhas para se dedicar à roça na Estrada da Vargem Grande. Na chácara de 11 hectares, 8 são dedicados às hortaliças orgânicas. "Trabalhei com muito japonês, usei agrotóxico demais. Fiquei cheio de veneno", conta Laudelino Vaz de Brito, de 57 anos, marido de Maria do Carmo. "Jurei que comigo não ia ter isso."
A terra arrendada é de tirar o fôlego. A mata da APA Capivari-Monos recorta a horta da família - casal e oito filhos. E essa convivência tem lá seus percalços. "É lindo ver tucanos no abacateiro. Mas os ouriços e outros bichos vivem comendo minhas verduras", diz a agricultora.
São colhidos de 1.000 a 1.200 pés de verduras por dia para sacolões, mercados e feirantes. "Já tive banca na Ceagesp, mas é muita concorrência", diz Laudelino. A única distração da família, isoladas, são as fitas de vídeo alugadas em Parelheiros. "Aqui ainda é muito tranqüilo."
Paulista de Guaíra, José Hideo Jomoli, de 56, pensa diferente. Depois de sofrer vários assaltos, mudou-se, a pedido dos filhos, do sítio em Parelheiros para uma casa de 300 metros quadrados no Cipó, na vizinha de Embu-Guaçu. "Venho com minha mulher trabalhar todos os dias e sabe que já fui assaltado na plantação também?" Hideo tem dois funcionários para tocar a lavoura de 97 mil m², irrigada com a água de um rio que corre próximo. "Acho que não é poluído. Estamos em área de mananciais, com mata em volta da roça.
Não se pode derrubar uma árvore." Os três filhos estão longe da agricultura. "Eu mesmo não gostaria que escolhessem a roça", garante Hideo, segundo o qual o número de produtores caiu bastante na região. "A gente tem de ser produtor e comerciante. Dar conta de tudo sozinho."

Itaquera tinha colônia com 300 famílias japonesas
Pessegueiros e Rio Jacu deram nome a avenida; piscinão acabou com lavoura
Filha de japoneses, a paulistana Hatsue Arakaki, de 65 anos, é capaz de contar, pela história da família e dos vizinhos, o que aconteceu com a agricultura na zona leste de São Paulo, especialmente em Itaquera. "A Colônia de Itaquera chegou a ter 300 famílias de japoneses. Tudo em volta eram pessegueiros. Por isso a avenida se chama Jacu-Pêssego. Jacu vem do rio que passa aqui. Mas os filhos saíram e os velhos se viram obrigados a vender e ir embora." Com o marido, o japonês Matsuzo Arakaki, ela produz flores: crisântemos e margaridas. Já foram morangos - quando era criança na vizinha propriedade dos pais -, verduras e até galinhas. Está na chácara de 18 mil metros quadrados desde os anos 70. Os três filhos não quiseram botar a mão na terra. "Um é engenheiro, mas trabalha no INSS; uma é bancária e o outro, analista de sistemas."
As 25 estufas, entre as pequenas, de mudas, e as maiores, de flores de corte, ocupam 7 mil metros quadrados da chácara. Contando os canteiros e a área de circulação, a ocupação total chega a 10 mil metros quadrados. "Já vendi na Ceagesp muito tempo, mas agora os clientes vêm buscar aqui." São feirantes, donos de floriculturas. "Por causa da dengue, as pessoas deixaram de comprar flores de corte e o movimento caiu muito. O que vendia em um só dia agora levo uma semana."
Sua plantação tem sistema de irrigação. A água vem da nascente do Rio Jacu por uma mangueira de 50 metros, puxada por bomba, que, Hatsue jura, nesse trecho ainda não está poluída. "Não entra esgoto nesse ponto. Mas logo ali embaixo, perto da chácara do meu irmão, que planta flores em vasos, já não dá para aproveitar."
Piscinão
Outro que tenta sobreviver na zona leste, bem às margens da Jacu-Pêssego, é o português Adolfo do Nascimento Costa, de 56 anos. Na área de 10 mil m² que Costa arrendou, espremida entre uma favela e o Parque do Carmo, ele planta alface, couve, repolho, rúcula, coentro. Ele mora, porém, em um apartamento da Cohab Tiradentes.
O agricultor já vendeu a produção na Ceagesp. "Mas dá muito trabalho." Só de alface vende 700 pés por mês para a vizinhança. "Antes tinha roça no Iguatemi, mas resolveram fazer o piscinão Limoeiro bem em cima dela. Foram 36 anos de trabalho perdidos. Deram 7 contos (R$ 7 mil) e pronto. Não pagou nem a benfeitoria", reclama Costa.

Homem no campo, tática contra invasão
AMBIENTE: Quando se trata de São Paulo, projeto para fixar o homem no campo é mais do que uma estratégia socioeconômica. É uma tática para impedir invasões de terra e preservar áreas de proteção ambiental. "Enquanto a pessoa está plantando, as ocupações não ocorrem", diz o engenheiro agrônomo Luís Eduardo Galletti.
O engenheiro coordena a Casa de Agricultura Ecológica, da Prefeitura, herança da gestão Marta Suplicy. A casa trabalha com 142 famílias produtoras das Subprefeituras de Parelheiros e Capela do Socorro. "Incentivamos a migração para o cultivo de produtos orgânicos. Além de trazer melhora na qualidade de vida, evita o lançamento de agrotóxicos nas represas."
Segundo Galletti, uma pesquisa em Parelheiros e Capela do Socorro mostra a necessidade de agir rápido. "A área das propriedades caiu de 2.600 hectares em 1992 para 1.217 hectares, em 2002."
A gestão José Serra já tem projeto próprio na região, a Fábrica Verde, da Secretaria do Trabalho, em parceria com a do Verde e Meio Ambiente e a Supervisão de Abastecimento. Serão 130 mil m² em Parelheiros e 30 mil no Itaim Paulista. "A idéia é capacitar jovens da região. Será um ano de educação e outro aprendendo a ser empresário rural", diz o coordenador do Programa de Desenvolvimento Local da Secretaria do Trabalho, Dagoberto Resende. Eles terão formação de professores da USP, apoio do Sebrae e bolsa de R$ 200,00. "Vamos produzir especiarias, tomate, maracujá e goiaba, tudo orgânico, com certificado e acesso ao Comércio Justo, projeto que permite vendas em 19 países da Europa."

Zona sul rural resiste graças a manancial e distância
Subprefeituras de Parelheiros e Capela do Socorro concentram as maiores áreas cultiváveis da cidade
Apenas 14,75% dos 1.509 quilômetros quadrados de território da cidade - 222,6 km² - são de Zonas Especiais de Produção Agrícola e Extração Mineral (Zepags), como estabelece o Plano Diretor. Desse total, 87,9% estão na zona sul - 195,7 km² -; 8,6% na norte - 19,1 km²; e 3,5% - 7,8 km² - na leste.
Essa predominância agrícola no sul, segundo especialistas, tem ligação direta com o crescimento da cidade. Por causa da área de mananciais e de áreas de preservação ambiental, essa característica ficou mais preservada. A maior concentração está nas Subprefeituras de Parelheiros e Capela do Socorro.
Ao norte, as áreas de cultivo sobrevivem em poucos pontos junto da Serra da Cantareira. A agricultura é bem mais rara na zona leste, onde a produção foi significativa no passado. Poucas plantações resistiram à sombra de enormes conjuntos habitacionais e favelas.
Não há estimativas atualizadas sobre o tamanho da produção paulistana. Segundo a Receita Federal, que recolhe o Imposto Territorial Rural (ITR) - esse tipo de propriedade não paga IPTU -, a cidade tem 8.596 imóveis cadastrados como rurais. Mas isso não quer dizer que estejam sendo cultivados.
A Secretaria de Estado da Agricultura começa a rever agora seu Levantamento de Unidades Produtivas Agropecuárias (Lupa), feito entre 1995 e 1996. Na ocasião, a capital tinha 313 propriedades e 3.676 hectares em produção. Desses, 1 mil hectares eram de hortaliças. Mas a área produtiva sobe para 1.670 hectares, se considerado que algumas culturas dão mais de uma vez ao ano.
A cidade fica entre os cinco maiores produtores do Estado em alguns itens. É o terceiro na produção de alface (375 hectares). Empata em quarto lugar com Itapecerica na de couve (100 hectares ao ano) e é a quarta também em brócolis (105 hectares). É a quinta no cultivo de repolho (182 hectares). Longe ainda dos campeões: Mogi das Cruzes produz 2 mil hectares de alface, 600 de brócolis e 250 de couve; Piedade cultiva 2.400 hectares de repolho.
Das 313 propriedades, 181 têm até 5 hectares; 43 têm entre 5 e 10 ha; 37, de 10 a 20 ha, e 41, de 20 a 50 ha. As grandes são minoria: apenas 6 têm entre 50 e 100 hectares e 5 estão entre 100 e 200 ha.

OESP, 17/07/2005, p. C8

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