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Coração de estudante

CB, Brasil, p. 10
03 de Fev de 2006

Coração de estudante
Setecentos universitários partem nesta sexta-feira para a Região Norte a fim de prestar assistência às comunidades ribeirinhas de 40 cidades amazônicas, nas áreas de saúde, educação e meio ambiente

Hercules Barros

Cerca de 700 estudantes universitários de 20 estados brasileiros estão prontos para iniciar uma aventura pelo interior do Brasil. Eles se reúnem hoje à tarde na Base Aérea de Brasília para dar início a mais nova etapa do Projeto Rondon. Retomado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva no ano passado, a pedido da União Nacional dos Estudantes (UNE), a Operação Amazônia 2006 embarca hoje para Manaus (AM). Os universitários vão atender, entre 3 e 19 de fevereiro, moradores de 40 municípios da região amazônica: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.
Os jovens vão capacitar agentes e líderes comunitários por meio de palestras e oficinas sobre questões ambientais, de saúde e saneamento. Também vão prestar atendimento às populações carentes na área de combate a doenças endêmicas e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.
As ações foram decididas a partir do retorno dado pelas equipes que viajaram em janeiro de 2005 e levantaram a realidade dos locais visitados. As maiores dificuldades encontradas nessas comunidades foram a falta de saneamento e de noções básicas de higiene. Populações locais enfrentam ainda alcoolismo, drogas e gravidez precoce das jovens.
De Brasília, sairão 28 rondonistas, entre professores e alunos ligados à Universidade de Brasília (UnB) e à Universidade Católica de Brasília, em Taguatinga. Eles fazem parte de cursos nas áreas de saúde, meio ambiente e ensino, necessidades diagnosticadas como prioritárias para o atendimento às comunidades nesta nova etapa do Projeto Rondon pelos alunos que estavam em campo no ano passado.
Da Universidade Católica, quatro estudantes vão embarcar em um navio da Marinha e acompanhar o atendimento de saúde prestado às populações ribeirinhas entre os municípios amazonenses de Tefé e Tabatinga. Seis alunos vão direto para Coari (AM). "Vamos fazer oficinas sobre trânsito e primeiros-socorros com sete associações de motoqueiros da cidade", explica o bombeiro Rafael Souza Hott, 24 anos, aluno do 6o semestre de fisioterapia. Segundo Hott, os colegas que estiveram em Coari há um ano, disseram que a cidade tem, em média, oito acidentes por semana por falta de educação no trânsito. Outro grupo universitário vai para o município de São José dos Quatro Marcos (MT) fazer o primeiro levantamento das necessidades.
Desafio
A participação dos estudantes da UnB no projeto exigiu determinação. Depois de selecionados para a nova equipe que sai da universidade rumo ao Amazonas, tiveram que convencer os pais de que vale a pena passar 12 dias no município de Fonte Boa, a 680km de Manaus (AM). Embora seja alérgica a picadas de insetos, a estudante do 7o semestre de biologia Pollyana Wanderley dos Santos, 23 anos, não está preocupada e se diz preparada para os desafios da Amazônia. "Já fui ao Pantanal e tomei vitamina B para espantar os mosquitos", justifica. Apesar da angústia dos familiares, todos conseguiram a liberação. O general- de-brigada Gilberto Arantes Barbosa, coordenador do Projeto Rondon, tem recebido ligações de mães temendo o engajamento das filhas. "Digo que elas vão passar momentos difíceis, mas voltam apenas com algumas picadas de pernilongo e mosquito", tranqüiliza. Em encontro com os rondonistas da UnB, anteontem, o general destacou que o mais importante é os universitários desbravarem o interior do país. "A Amazônia é totalmente brasileira e são os estudantes que têm de defender isso", disse.
Os participantes da primeira etapa do Projeto Rondon aproveitaram a cerimônia na UnB para anunciar que vão fazer uma palestra, em 9 de fevereiro, às 14h, no auditório 3 da Faculdade de Saúde. Querem incentivar professores e universitários a formarem equipes e se inscreverem nas próximas edições do Projeto Rondon.

Minas também é alvo dos alunos

Mais de 250 universitários de 15 universidades mineiras trocaram as férias por experiência profissional. Eles vão conhecer a realidade de 19 municípios de localidades afastadas nos vales do Jequitinhonha e do Mucuri entre 13 e 22 de fevereiro. Além de fazer diagnóstico da carência na região, eles vão trocar experiências sobre saúde e educação com servidores municipais e lideranças locais. Cada instituição de ensino superior terá pelo menos uma equipe de oito rondonistas: dois professores e seis universitários.
0 general-de-brigada Gilberto Arantes Barbosa, coordenador do Projeto Rondou, adianta que a operação mineira vai custar R$ 100 mil. Bem menos do que a Operação Amazônia 2006, estimada em R$ 2 milhões. "Só o combustível de aviação consome 60% dos recursos destinados para atender a expedição no Amazonas. São muitas idas e vindas", justifica. A operação mineira é regionalizada. Só vão participar estudantes de universidades do estado.
Apesar de gerar menos custos, o general Arantes diz que faltam recursos para a segunda etapa mineira do projeto, prevista ser realizada em julho. "0 objetivo é expandir o atendimento a mais municípios do Jequitinhonha e Mucuri. 0 Ministério da Defesa não tem força de execução. Só de planejamento", explica. Além de transporte, as Forças Armadas gastam com alojamento, alimentação e seguro saúde.
Poucos recursos
De acordo com o coordenador do Projeto Rondou, as ações serão desenvolvidas com apenas 21% do orçamento. Dos R$ 7 milhões de investimentos previstos, está garantido apenas R$ 1,7 milhão. Cerca de 70% dos recursos vêm dos patrocinadores. "A Petrobrás entra com combustível, a Caixa Econômica Federal com os seguros-saúde e as prefeituras, no alojamento. Temos apoio do Sesi e da Infraero", esclarece.
Arantes considera importante investir no Projeto Rondou e lembra que foi graças ao levantamento feito pelos estudantes na primeira etapa que foi possível descobrir o perfil das prioridades de municípios brasileiros carentes. "Tanto é que as atividades previstas para a Amazônia na área de saúde e educação serão desenvolvidas também em Minas, durante o levantamento", explica.
O principal foco das oficinas são os jovens. Drogas, gravidez na adolescência, doenças sexualmente transmissíveis e Aids estão entre os temas prioritários. "Falta tudo nessas cidades. 0 uso de álcool e drogas é grande e é comum encontrar meninas de 13 anos grávida', lamenta o general. Também estão previstas palestras sobre o planejamento familiar. É alto também o índice de casamentos consangüíneos -entre primos.

Impressões de 20 anos

Ex-rondonista, o professor do Departamento de Odontologia da Universidade de Brasília João Milki, 42 anos, aproveitou a retomada do Projeto Rondou para resgatar o sentimento de patriotismo da época em que era estudante. 0 programa foi originalmente criado em 1967 pelo governo militar e extinto em 1999 pelo então presidente Fernando Collor. A idéia era dar oportunidade aos jovens de conhecer a realidade brasileira. Foi o caso de Milki.
No início dos anos 80, Milki participou como estudante da primeira versão do Projeto Rondou, em Minaçu (GO). Aos 22 anos de idade, era um marinheiro de primeira viagem e passou por momentos de tensão. Com mais três colegas de universidade, corria contra o tempo para atender funcionários de uma mineradora e os moradores do município goiano.
"Na empresa contávamos com infra-estrutura, mas no município o consultório era simples e a luz elétrica da cidade só funcionava das 9h às 11h. Imagina parar um procedimento odontológico no meio", relembra.
Segundo o professor, à época o saneamento de Minaçu era zero e as ruas eram de terra. Durante dois anos, ele sabia notícias da situação em Minaçu porque outros colegas foram dar continuidade ao trabalho iniciado dentro do Projeto Rondou. "Não sei o que houve com a cidade", lamenta.
Em janeiro do ano passado, ele acompanhou um grupo de alunas da odontologia da UnB que foi para o município de Fonte Boa (AM). Voltou a se impressionar com os problemas de 20 anos atrás, como a falta de saneamento. "A gente sempre faz romantismo e quando se depara com a miséria do interior do país, leva um choque", reconhece. (HB)

CB, 03/02/2006, Brasil, p. 10

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