Valor Econômico - https://valor.globo.com/
04 de Nov de 2024
COP 16 tem resultados concretos apesar de impasse
Conferência avança com criação do Fundo Cáli e reconhecimento a afrodescendentes
Daniela Chiaretti
04/11/2024
O financiamento à biodiversidade, como era esperado, não só travou as negociações da COP 16, na Colômbia, como postergou sua discussão para uma rodada adicional em 2025. Mas a Conferência de Biodiversidade interrompida sábado depois de uma plenária de quase 12 horas, também teve resultados históricos.
O primeiro é a criação do Fundo Cáli, mecanismo multilateral que irá, finalmente, repartir os benefícios pelo uso econômico dos recursos genéticos sequenciados da biodiversidade. Outro feito inédito foi reconhecer o papel dos afrodescendentes que, junto a povos indígenas e comunidades locais, preservam e usam a natureza de modo sustentável. E a criação de um órgão subsidiário permanente para subsidiar as COPs futuras nos temas relativos a estas populações.
Em seu modo de funcionamento muito mais vagaroso do que as necessidades urgentes do mundo de enfrentar a crise climática e a perda de natureza, o multilateralismo ofereceu respostas para identificar áreas marinhas de importância ecológica ou biológica significativas, aprovou um pacto de ação entre biodiversidade e saúde e propôs orientações para lidar com espécies invasoras nos ecossistemas, um dos cinco motivos de perda de biodiversidade.
A COP 16 foi a primeira depois que os países concordaram com as 23 metas do "Marco Global da Biodiversidade", em Montreal, em 2022, batizado de "Acordo de Paris da Biodiversidade". As expectativas para Cáli não eram altas porque se tratava de implementar as promessas, o que é um processo difícil de se conseguir via consenso entre os governos de 196 países.
De todos os resultados, um dos mais aguardados era sobre o mecanismo multilateral de DSI, sigla que se refere às informações genéticas de plantas e animais. Essas sequências genéticas ficam em bancos de dados nos Estados Unidos, na Europa e no Japão e são acessadas de forma gratuita por pesquisadores e empresas farmacêuticas, de cosméticos e alimentos.
A obrigação de repartir benefícios obtidos pelo uso econômico da biodiversidade com os países detentores dos recursos naturais e com os povos indígenas e comunidades locais que detém o conhecimento tradicional sobre a natureza é um dos três pilares da Convenção de Biodiversidade. Esse aspecto foi muito destacado pelo chefe dos negociadores brasileiros em Cáli, Gustavo Pacheco, que lembrava que a decisão política da COP 15, em Montreal, era de que os benefícios derivadores do uso de DSI têm que ser repartidos. Os países ricos, onde ficam os laboratórios farmacêuticos, se recusaram a tornar o mecanismo obrigatório e o texto foi consensuado como algo voluntário - as empresas que usam os dados "should contribute" (deveriam contribuir) com o Fundo Cáli. Os setores farmacêuticos, de cosméticos, de complementos alimentares, de biotecnologia e de criação de plantas e animais "deveriam" contribuir com 1% de seus lucros ou 0,1% de seu faturamento para o mecanismo.
Nunca ficou tão claro que a sinergia entre clima e biodiversidade tornará possível a paz com a natureza"
- Astrid Schomaker
O que ficou para depois, para uma edição extraordinária da COP 16, foi a criação de um novo fundo sob as COPs para dar conta da real proteção à biodiversidade, e uma nova estrutura para monitorar os esforços dos países para combater a perda de natureza. Foi no debate de finanças que a COP em Cáli foi suspensa, por falta de quorum. Muitas delegações de países em desenvolvimento voltavam para casa.
Outro ponto atrasado foi a entrega dos planos de biodiversidade dos países. A COP 16 chegou ao fim com apenas 44 de 196 países (22% do total), com planos entregues ao secretariado da Convenção, informou a ministra do Meio Ambiente da Colômbia Susana Muhamad, presidente da COP 16.
"Chegamos ao final da COP16 com alguns resultados para comemorar. O primeiro é que essa foi a Conferência da Biodiversidade que trouxe as pessoas para o centro dos debates, com intensa participação dos moradores de Cali. Um aprendizado para nós, que receberemos a COP 30 em 2025 no Brasil", disse Karen Oliveira, diretora de políticas públicas e relações governamentais da The Nature Conservancy (TNC) Brasil. Ela destaca, contudo, o que não foi para a frente: "A falta de consenso acerca da mobilização de recursos financeiros e os indicadores de monitoramento impedem não só planos e metas mais ambiciosos, como colocam em risco os importantes avanços conquistados.
"Nunca ficou tão claro que a implementação do Marco Global da Biodiversidade de Kunming-Montreal e do Acordo de Paris de forma sinérgica tornará possível a paz com a natureza", comentou Astrid Schomaker, secretária-executiva da Convenção.
"A interrupção da COP foi uma reviravolta que aconteceu exatamente quando o confronto mais esperado acabara de começar e a tensão estava aumentando. Foi um verdadeiro embate entre países desenvolvidos e em desenvolvimento", disse ao Valor Oscar Soria, diretor da The Common Initative, um think tank baseado em Washington e que estuda as conexões entre clima, biodiversidade e direitos humanos. Para ele, a postergação do tema de financiamento pode ser positiva. "Na verdade, dá mais tempo para se chegar a um compromisso sobre essa decisão, e essa eletricidade no ar pode aumentar o destaque da questão do financiamento para a biodiversidade. Como em uma telenovela colombiana, nesta COP o desfecho da trama continua em aberto".
https://valor.globo.com/mundo/noticia/2024/11/04/cop-16-tem-resultados-…
As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.