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Convênios suspeitos deram R$ 330 mi do governo a ONGs

FSP, Brasil, p. A4
08 de Out de 2007

Convênios suspeitos deram R$ 330 mi do governo a ONGs
Levantamento da Câmara pode servir de subsídio para CPI recém-instalada
Estudo abrange contratos feitos de 2003 a 2007 por sete ministérios; problemas foram encontrados em 860 acordos com 546 entidades

Rubens Valente
Da reportagem local

Cerca de R$ 330 milhões foram repassados pela União a 546 organizações não-governamentais por meio de convênios com indícios de irregularidades, segundo um levantamento da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados.
O estudo analisou convênios assinados entre julho de 2003 e abril de 2007 e poderá servir de subsídio para linhas de investigação da CPI das ONGs, instalada na última quarta-feira no Senado para averiguar denúncias de desvio de recursos públicos entre 1999 e 2006.
Segundo o estudo, repasses financeiros relacionados a 860 convênios em sete ministérios desobedeceram duas normas da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias). Uma veda as transferências de capital para obras de construção civil e aquisição de máquinas, veículos e equipamentos, entre outros, e a outra exige um mínimo de três anos de funcionamento para a entidade estar apta a receber recursos da União.
Sobre as transferências, ministérios e ONGs afirmam que os bens adquiridos são revertidos para a União, ao término dos convênios.
A LDO, segundo a consultoria da Câmara, não prevê incorporações ao patrimônio da União nas modalidades de convênios averiguadas pelo estudo.
Segundo a consultoria, as cláusulas dos convênios que prevêem as devoluções não são superiores à LDO, e os repasses não autorizados em lei podem configurar "crimes de responsabilidade e prevaricação". O espírito da lei é impedir que ONGs enriqueçam às custas do dinheiro público.
"Análise preliminar indica que o descumprimento das vedações e restrições da LDO na transferência voluntária de recursos para ONGs não está restrito apenas aos órgãos analisados", concluiu o consultor Leonardo José Rolim Guimarães, que assessorou a CPI dos Bingos em 2005.
O estudo da consultoria da Câmara apontou que ONGs foram criadas apenas meses antes da assinatura dos convênios. Isso aconteceu principalmente na esfera do Ministério do Turismo, durante a gestão do atual ministro das Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia (PTB-MG).
No Turismo, 55 convênios, no valor total de R$ 11,8 milhões, foram assinados com organizações que tinham menos de três anos de registro na Receita Federal.
A "Associação dos Amigos" de uma escola de samba no Rio de Janeiro foi criada em agosto de 2006. Cinco meses depois, recebeu R$ 499 mil do ministério a título de incentivo ao turismo.
Uma ONG foi criada em agosto de 2003 em São Paulo para "atender demandas de empresas e associações em busca de certificação do projeto Fome Zero". Também cinco meses depois, assinou um convênio no valor de R$ 1,61 milhão com o Ministério do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome.
Um centro de "inclusão social" fundado em Rio Branco (AC) em agosto de 2003 recebeu R$ 950 mil do Ministério da Ciência e Tecnologia no último dia de 2005.
De acordo com a LDO, os convênios devem trazer "declaração de funcionamento regular da entidade beneficiária nos últimos três anos, emitida no exercício de 2006 por três autoridades locais, e comprovante de regularidade do mandato de sua diretoria".
Ao todo, segundo o levantamento feito pela consultoria, R$ 37,6 milhões foram liberados pela União no decorrer de 80 convênios firmados com entidades com menos de três anos de existência.

Ministérios declaram que acordos são legais

Da reportagem local

Os ministérios do Trabalho, do Desenvolvimento Social e da Integração Nacional defenderam a legalidade dos convênios assinados com ONGs entre 2003 e 2007.
A assessoria do Ministério do Turismo disse que, em maio de 2007, foram suspensos preventivamente 52 convênios assinados de 2004 a 2006 que poderiam estar em desacordo com a LDO, segundo análise do TCU. "Ainda com base nas observações do TCU, foi feita a revisão dos processos em andamento para assinatura de contrato de repasse/convênio de 2007, para prevenir qualquer eventual desacordo com as leis orçamentárias", afirma a pasta.
"Em quaisquer casos nesse sentido, o Ministério do Turismo adotará conduta idêntica", disse a assessoria, que também considerou exíguo o tempo para avaliar os casos citados pela consultoria da Câmara.
O MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) afirmou, por meio de sua assessoria, que "nos convênios celebrados, essas cláusulas são explícitas, e todos os bens adquiridos ou produzidos com recursos do convênio são incorporados ao patrimônio do ministério".
O ministério citou "informe" da assessoria de comunicação da CGU (Controladoria Geral da União), órgão vinculado à Presidência, que diz que "as transferências de recursos efetuadas pelo MTE a entidades privadas sem fins lucrativos não constituem contribuições de capital, uma vez que os equipamentos nesse contexto adquiridos, destinados à consecução de finalidade pública, são incorporados ao patrimônio do ministério, embora utilizados pelas entidades executoras".
O informe foi distribuído após reportagens divulgadas pelo site "Congresso em Foco" em setembro último que questionavam repasses a ONGs considerados pela consultoria de Orçamento da Câmara como transferências de capital.
A assessoria do MDS (Desenvolvimento Social e Combate à Fome) informou que "o relatório técnico da Consultoria de Orçamento (...) ainda não chegou a este ministério. Os convênios citados estão sendo analisados com o devido rigor e esta tarefa demanda tempo".
"As parcerias são necessárias a fim de que as ações destinadas à população mais pobre e necessitada tenham capilaridade e ajudem a chegar a quem realmente precisa. Esses convênios seguem parâmetros e normas legais e todos passam pelo controle e fiscalização da CGU (Controladoria Geral da União) e TCU (Tribunal de Contas da União)", afirmou a pasta.
"O ministério se preocupa tanto com este tipo de fiscalização que criou uma Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (Sagi), que auxilia na avaliação do desempenho de ações próprias e de parceiros."
A assessoria do Ministério da Integração Nacional citou "auditorias" que os convênios teriam sofrido dos órgãos fiscalizadores. "As transferências de recursos do Ministério da Integração Nacional são realizados com respaldo jurídico e dentro da legalidade. Todos os convênios, além de passarem por análise da Consultoria Jurídica, sofreram auditorias por parte da CGU (Controladoria Geral da União) e do TCU (Tribunal de Contas da União). Quanto aos convênios que envolvem aquisição de bens, o ministério adota medidas para que os mesmos sejam vinculados aos municípios nos quais as ações serão realizadas. Não houve tempo para analisarmos caso a caso", disse a assessoria.
A Codevasf (Companhia do Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) também solicitou maior prazo para checar os convênios.
A assessoria do Incra informou que os dados estavam sendo consolidados na sexta para uma resposta em conjunto com o Ministério do Desenvolvimento Agrário. As pastas da Agricultura e da Ciência e Tecnologia não deram resposta até o fechamento da edição. (RV)

FSP, 07/10/2007, Brasil, p. A4

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