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Controle da poluição é apenas um lado do Problema

Valor Econômico, EU&Fim de Semana, p. 3
Autor: KUMAR, Satish
23 de Dez de 2015

Controle da poluição é apenas um lado do Problema

Florência Costa

Aos 79 anos, o indiano Satish Kumar, radicado em Londres desde 1973, ainda tem a energia daquele ativista pela paz e ambientalista que, nos anos 60, caminhou durante dois anos e meio em um ato pelo desarmamento nuclear, a bandeira de luta daquela época em que o mundo vivia o auge da Guerra Fria. O andarilho que levava como bagagem o lema pacifista de Mahatma Gandhi, de quem é hoje um dos mais conhecidos seguidores, Kumar percorreu 13 mil quilômetros por vários países. Este ex-monge jainista (religião que nasceu na Índia há séculos e defende radicalmente a não-violência) inspirou-se no filósofo Bertrand Russel, que, em 1961, aos 90 anos, havia sido preso por liderar campanha antinuclear. Ao chegar à Inglaterra, Kumar conheceu o próprio Russell, que o ajudou a ir para os EUA, onde encontrou Martin Luther King. Fundador e diretor de programação do Schumacher College International Center for Ecological Studies, em Londres, e editor da revista "Resurgence", o ponto central de suas palestras pelo mundo é o de que a reverência à natureza deve estar no centro do debate político, econômico e social. Foi com essa mensagem que o ativista (autor de vários livros, entre eles a ficção "The Buddha and the Terrorist") desembarcou em São Paulo neste mês, onde participou da formatura da primeira turma da Escola Schumacher do Brasil, e deu uma palestra a convite do Sesc e do Instituto Palas Atenas.

Valor: O senhor decidiu não participar da Conferência do Clima, em Paris, neste mês. Por quê?
Satish Kumar: Os líderes políticos defendem o crescimento econômico industrial e dizem querer preservar o ambiente para evitar o aquecimento global. Mas não defendem mudança do estilo de vida da sociedade. Apenas adotar como lema a redução das emissões de carbono não é suficiente. Deveriam pregar a valorização da vida simples, frugal, sem desperdício, sem poluição.

Valor: Quem poderá liderar um movimento de mudança para um mundo mais sustentável?
Kumar: A mudança deverá partir de três setores: das ONGs, das empresas e dos governos. A sociedade civil deve se tornar mais forte, para influenciar a opinião pública, que é uma superpotência. Se ela exigir mudanças, os políticos vão agir. Quanto ao empresariado, um número crescente de pessoas acredita que as empresas devem ser responsáveis do ponto de vista ambiental. Novas empresas surgem preocupadas com isso, particularmente as lideradas por jovens empresários. Tenho falado com eles, nos EUA, na Índia, na Inglaterra, e também aqui no Brasil. Os novos líderes empresariais vão defender cada vez mais a agricultura orgânica, a energia renovável. As ONGs promovem ideias, valores e os bons líderes empresariais podem implementá-los. Os governos devem aprovar leis para incentivar isso.

Valor: Países emergentes precisam de altas taxas de crescimento e esse é o argumento da Índia, por exemplo, nas negociações climáticas. Como vê essa atitude?
Kumar: A Índia está errada em pensar que o crescimento econômico vai resolver o problema da desigualdade. Os EUA, por exemplo, tiveram tremendo crescimento nos últimos 50 anos, mas não conseguiram resolver a questão da desigualdade e da pobreza. Quanto tempo levará para que a Índia resolva a questão da pobreza? Não será resolvida pelo crescimento econômico, mas pelo compartilhamento da riqueza.

Valor: O senhor critica o que chama de "obsessão pelo PIB". Deve-se ampliar sua definição para incluir saúde, educação, transporte público, como defendem economistas, a exemplo de Amartya Sen?
Kumar: Temos que ampliar o conceito de PIB, que está ultrapassado. Não é mais instrumento útil. As visões desses economistas, como Amartya Sen, com sua origem socialista, estão limitadas à esfera social. Falta a eles a inclusão da sustentabilidade ambiental. As visões carecem da dimensão espiritual e dos valores éticos, de como devemos cultivar a compaixão, o amor pela natureza, pela humanidade. O socialismo, para mim, é ideia ultrapassada. A obsessão pelo PIB torna os recursos naturais itens de consumo. A natureza em si tem pouco valor para os economistas. Para mim, no entanto, o dinheiro não é uma riqueza real. A natureza, sim, é a riqueza real. O dinheiro é só uma medida da riqueza.

Valor: O Brasil sofreu uma grande tragédia ecológica recentemente, com o rompimento de uma barragem de rejeitos de uma mineradora. Qual é a lição a ser aprendida em casos como esse?
Kumar: A lição, para o Brasil e o mundo, é construir barragens e represas pequenas. Em caso de rompimento, o prejuízo é menor. Na Índia, campanhas do ativista Rajendra Singh [que ganhou o Stockholm Water Prize neste ano] resultaram na construção de barragens pequenas. É um exemplo de muito sucesso.

Valor: Qual seria o papel do Brasil na luta por um mundo sustentável?
Kumar: O Brasil está numa posição favorável porque tem tremenda reserva natural. Mas políticos e empresários do país ainda encaram a natureza só como fonte de recursos para a economia. É preciso encarar a natureza também como fonte da vida. O Brasil, com sua floresta, seu imenso território e seus 200 milhões de habitantes, pode ser exemplo global de sustentabilidade. O país já é exemplo de sociedade multirracial integrada.

Valor: A corrupção é um grande problema no Brasil e na Índia. O que fazer?
Kumar: Aqueles que praticam atos corruptos enquanto estão no poder acabam perdendo poder. É um jogo de visão curta. A Índia tem um bom exemplo disso: o Partido do Congresso perdeu a eleição [em 2014] porque, com as denúncias de corrupção, as pessoas perderam a confiança naquele partido. Se a sociedade idolatra o dinheiro, acaba se corrompendo. Em sociedades como essas, apenas o dinheiro faz as pessoas serem admiradas. Deveríamos idealizar a arte, a cultura, a música, os valores espirituais, a generosidade. Se uma sociedade adota esses valores, as pessoas vão aspirar ser generosas. Não deveríamos apenas apontar o dedo na direção dos que estão no poder e culpar presidentes e primeiros ministros. Deveríamos também olhar para a sociedade, que está corrupta porque idolatra o dinheiro. Precisamos mudar, senão vamos ter sempre governos corruptos.

Valor Econômico, 23/12/2015, EU&Fim de Semana, p. 3

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