VOLTAR

CONTROLE DA MALÁRIA:

Revista IAF-Artigo-
Autor: Leda Leitão Martins
02 de Ago de 2002

Um novo modelo de saúde para populações indígenas do Brasil

Jacir de Souza é o prefeito tuxáua (líder) dos Macuxi, um grupo de indígenas que vivem no estado de Roraima ao extremo norte da região amazônica do Brasil. Como tuxáua, Souza foi o líder da campanha oficial para o reconhecimento das terras Macuxi. Em 1990 perdeu a esposa pela malária e quase abandonou seu trabalho. "Foi tão trágico e triste perder minha esposa e companheira em nossa luta que pensei em me mudar para o Amapá [estado vizinho]" diz Jacir. Naquela época, Maturuca, sua aldeia, carecia das mínimas instalações médicas e levou quase duas semanas para conseguir sua viagem ao hospital mais próximo em Boa Vista, capital do estado. Quando finalmente se conseguiu o transporte, já era demasiado tarde: ela morreu no caminho. Esta foi não só uma tragédia pessoal para Jacir, mas muitos outros sofreram o mesmo destino e a epidemia alastrou-se. No ano seguinte havia aproximadamente 10,000 casos de malária no território Macuxi.

Agora, uma década depois, Maturuca tem uma clínica com um laboratório, painéis solares que fornecem eletricidade e seis agentes de saúde indígenas. As pessoas com emergências médicas são evacuadas de avião e a malária está sob controle. Até agora neste ano foram registrados somente 358 casos de malária nesta região. A clínica de Maturuca atualmente atende a 15 aldeias na região das montanhas e até a alguns dos índios Macuxi que vivem na vizinha Guiana. A experiência de Jacir e sua esposa não se deveria repetir. Surgiu um novo sistema de saúde que combina os ativos das ONGs, do governo brasileiro e sobretudo dos Macuxi.

Os Macuxi
Os Macuxi são a maior tribo maior do território indígena chamado Raposa-Serra do Sol na região nordeste do estado de Roraima. A reserva estende-se ao longo das fronteiras entre o Brasil e a Guiana, a leste, e com a Venezuela, ao norte. O número de membros eleva-se a aproximadamente 19,000 pessoas, incluindo os que vivem em ambos os lados da fronteira. A metade sul do território de Macuxi é uma savana. A metade norte está escarranchada na cordilheira do Escudo da Guiana, uma das formações mais antigas da terra. É uma região caracterizada por mesas, cascadas e plantas de espécies pré-históricas, que inspiraram Sir Arthur Conan Doyle, autor britânico, a escrever The Lost World (O Mundo Perdido).

Durante os 30 anos de luta pelo reconhecimento oficial, os Macuxi desenvolveram um sistema complexo e bem estruturado de organização política interna e interação com as organizações não-indígenas. O Conselho Indígena de Roraima (CIR) permitiu aos Macuxi se transformarem em atores importantes dos movimentos indígenas no âmbito nacional. Em 1996 The New York Times os denominou "o grupo indígena mais organizado" do Brasil. Sua capacidade de organização contribuiu para a transformação do sistema de saúde. Além disso, o desejo dos Macuxi de melhorar sua assistência médica, sua capacidade de assegurar a assistência de organizações não-governamentais, religiosas e governamentais e sua participação dinâmica na criação de um sistema específico de assistência médica para suas necessidades foram fundamentais para o sistema de saúde. Mudanças na política governamental para os indígenas - especificamente sua inclusão no planejamento e avaliação de seus sistemas de assistência médica - foram também essenciais para a melhoria das condições nas aldeias Macuxi. O resultado é que o sistema de assistência médica dos Macuxi é um exemplo pioneiro que está sendo implementado no resto do país.

Gastão André provavelmente é o agente de saúde Macuxi mais experimentado e atualmente atua como coordenador de todos os agentes da região montanhosa. Foi escolhido para trabalhar como agente de saúde em 1978 quando Jacir foi eleito pela comunidade para ser o tuxáua de Maturuca. Naquela época, Gastão precisava viajar quase dois dias a uma missão católica onde recebia seu treinamento inicial. As freiras católicas treinadas como enfermeiras deram os cursos de treinamento que Gastão e outros receberam em 1978 e depois na década de 1980. "Naquela época éramos poucos e nunca tínhamos estudado assuntos sobre saúde, mas queríamos aprender." Eles queriam ser auto-suficientes, não dependentes da caridade, explicou Gastão.

Depois desse primeiro curso de treinamento, o povo de Maturuca construiu uma pequena choça onde Gastão atendia aos pacientes e armazenava os remédios distribuídos pelos sacerdotes. A maioria dos casos eram gripes, parasitos intestinais, doenças da pele e alguns problemas respiratórios. Se houvesse algum caso grave que ele ou o xamã não pudessem curar, o paciente tinha de ir a um dos dois assentamentos mineiros para pedir por rádio um transporte da capital do estado. Devido aos maus-tratos e à discriminação nos assentamentos, os Macuxi somente iam lá como último recurso. Assim, Gastão e o xamã, um médico tribal, faziam todo o possível para tratar qualquer paciente que viesse a eles.

Além da Igreja Católica, os missionários protestantes da Missão Evangélica do Amazonas (MEVA) treinaram os agentes de saúde e proporcionaram às comunidades remédios e alguns serviços de saúde. A Fundação Nacional do Índio (Funai), o equivalente brasileiro do Serviço de Assuntos Indígenas dos Estados Unidos, às vezes distribuía remédios nas aldeias, oferecia transporte aos pacientes para Boa Vista e prestava cuidados mínimos abrigando indígenas doentes na cidade.

As epidemias

A situação de saúde dos Macuxi começou a deteriorar-se durante a corrida do ouro de 1987, precipitada pela corrida do ouro na área dos índios Yanomami na parte ocidental de Roraima. A malária alastrou-se rapidamente por meio dos charcos de água estancada criados pelas técnicas de mineração canalizadas através das aldeias Macuxi, bem como das aldeias dos índios da região Taurepang, Ingarikó e Wapixana.

Os mineiros também levaram outras doenças respiratórias e sexualmente transmissíveis, as quais, junto com o aumento da violência na área, foram as causas principais de morte e desintegração social entre os Macuxi. Conforme explica Paulo Daniel, médico que há cinco anos trabalha com os Macuxi, ninguém sabe o número exato de índios que morreram ou adoeceram de 1990 a 1993, porque não havia um sistema organizado de assistência médica ou de coleta de dados. Segundo ele, "naqueles anos críticos provavelmente houve mais do que o dobro do número de casos registrados em 1995 quando a população indígena já estava recebendo assistência médica regular." Isto significa que em 1990, quando a esposa de Jacir morreu, já havia possivelmente 10.000 casos de malária entre uma população de 12.000 pessoas.

Gastão, o xamã e o pequeno posto de assistência médica em Maturuca não conseguiram manejar a explosão de malária nos arredores de Maturuca. Dionito de Souza, o atual técnico de microscópio de Maturuca, assim descreve o caos: "havia gente doente vindo de outras aldeias buscando ajuda o tempo todo. Como não havia espaço suficiente para todos em nosso antigo posto de saúde, as pessoas penduravam as redes nas árvores e casas ao redor do posto. Quase todos foram vítimas de malária em Maturuca. As pessoas não podiam trabalhar nas hortas, caçar ou pescar. Por conseguinte, aqui também houve fome." Para complicar ainda mais a situação, em 1993 não havia microscópio ou técnicos treinados nas aldeias dos Macuxi para diagnosticar os tipos de malária e receitar o tratamento adequado. Gastão e outros agentes de assistência médica tinham de mandar as amostras de sangue a Boa Vista e esperar 10 dias ou mais pelos resultados. Nesse ínterim, as pessoas morriam. Desesperados, alguns tomavam qualquer remédio que pudessem encontrar, convencidos de que ficariam curados, mas isso na realidade aumentou os problemas de resistência a certas drogas contra a malária. Outros simplesmente deixaram o posto de assistência. O transporte à cidade era difícil para os índios, uma vez que dependiam da Funai ou dos colonos.

Agentes de saúde Macuxi

A participação de diferentes organizações no programa de assistência médica aos Macuxi é um aspecto importante do tipo de serviço desenvolvido na área. Desde 1993, foram organizados postos de saúde e equipamento para os agentes de saúde e técnicos em microscópio, financiados e ensinados por profissionais de várias organizações. De 1993 a 1999 a organização internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) também foi responsável pela distribuição de remédios e supervisão dos agentes de saúde e técnicos em microscópio na área montanhosa do território Macuxi. Hoje há 88 agentes de saúde indígenas e 19 técnicos de microscópio indígenas trabalhando no território de Raposa/Serra do Sol.

Em 1994, a MSF iniciou um programa de emergência na área. Trabalhou em conjunto com outras organizações religiosas e governamentais e em conformidade com as políticas internas das aldeias Macuxi. Dionito de Souza e alguns outros homens e mulheres (estas últimas em menor número) foram escolhidos por suas aldeias para serem treinados em trabalho de laboratório. O transporte ao treinamento foi conseguido pela Funai e a comida, o a lojamento e os materiais para o curso foram pagos pela MSF. A Fundação Nacional de Saúde (FNS) proporcionou a instrução.

Os índios escolhidos para prestar serviços médicos são selecionados de acordo com as dinâmicas internas das aldeias no tocante a parentesco, gênero, idade e interesse pessoal. Na opinião do Dr. Paulo Daniel, as pessoas escolhidas pela respectiva comunidade têm maior probabilidade de êxito no trabalho e de permanecer mais tempo no cargo do que as pessoas selecionadas por instituições não-indígenas. Além disso, este processo estabelece uma relação contratual entre os agentes de saúde e técnicos de microscópio e as respectivas comunidades. Em 1996, quando os agentes de saúde e os técnicos começaram a receber salário mínimo por mês (pagos pela FNS por meio do CIR) as aldeias Macuxi decidiram que os cargos e os salários pertenceriam às comunidades e não aos indivíduos. Dessa forma, se um agente de saúde deixasse a comunidade, a aldeia poderia alocar o salário a outra pessoa que trabalharia aí.

Os seis agentes de saúde de Maturuca encontraram uma solução para os desafios de combinar o trabalho de assistência médica com o cuidado dos próprios filhos, cultivo das hortas, fabricação da bebida básica de mandioca fermentada conhecida como caxiri, caça e pesca, para mencionar algumas tarefas cotidianas. Faziam turnos semanais na clínica e assim todos tinham tempo livre. Quando é a semana de Gastão de estar de turno no posto de assistência, a aldeia sabe que haverá pouca caça e pesca, uma vez que Gastão ainda é o melhor caçador e pescador de Maturuca e muito conhecido por sua generosidade e dedicação à saúde de seu povo.

O trabalho dos agentes de assistência médica e dos técnicos de microscópio enquadra-se na estrutura organizacional geral que os Macuxi desenvolveram para lidar com os problemas e as necessidades decorrentes do contato com a sociedade brasileira. Seis aldeias são centros locais que apóiam as comunidades ao seu redor. Essas aldeias devem ser equipadas com boas pistas de aterrissagem, escolas, rádios, choças grandes para reuniões, postos de saúde, professores indígenas treinados, técnicos de microscópio, agentes de saúde e hortas grandes para fornecer comida para as reuniões. Os centros funcionam como recursos para outras aldeias e como alternativa à capital do estado ou aos assentamentos. Os Macuxi buscam grupos e organizações que possam trabalhar como parceiros para ajudá-los a implementar este plano. Segundo crêem os Macuxi, este modo de organização reduz o êxodo dos jovens para a cidade, minimiza os conflitos culturais com a população branca e melhora as condições de vida.

O êxito do trabalho da equipe de saúde dos Macuxi em Maturuca é evidente na diminuição do índice de malária nos últimos anos. Em 1995 a clínica registrou 1.179 casos e em 1996 este o número caiu drasticamente a 101. Neste ano, até o momento, Dionito diagnosticou somente três exames positivos de malária em sua aldeia.

Medicamentos, microscópios e xamãs

Com medicamentos adequados e a capacidade para diagnosticar malária em Maturuca, Gastão e os demais agentes de saúde começaram imediatamente a tratar os pacientes que chegavam ao posto e também a fazer o que localmente se chama de "busca ativa", um método de tratar a doença antes que mostre seus sintomas. Um agente de saúde e um técnico em microscópio vão a uma aldeia e examinam todas as pessoas em busca de malária, para poder tratar as pessoas infectadas antes de que adoeçam e infectem outros. Esta equipe geralmente é acompanhada por um grupo de exterminadores que matam os mosquitos adultos da aldeia e interrompem a transmissão de sangue infectado. É um método eficiente de controle da malária, especialmente se as visitas forem freqüentes e se puder impedir a chegada de pessoas infectadas à área. Os Macuxi fizeram buscas ativas nas 50 aldeias da região montanhosa, habitada por 5.626 pessoas.

Os técnicos do laboratório também aprenderam a detectar parasitos, infecções urinárias, tuberculose, leishmaniose e oncocercose. Dionito está decepcionado por não poder fazer outros exames de sangue em Maturuca, como a detecção da anemia, por não dispor de uma centrífuga elétrica. Gastão e os demais agentes de saúde agora estão capacitados para fazer suturas pequenas e receitar medicamentos contra infecções respiratórias menores, parasitos, problemas da pele e outras doenças comuns. A Igreja Católica incentiva os indígenas a usarem seus conhecimentos de plantas medicinais para tratar certos tipos de problemas de saúde, como dores, infecções e inchações. Em Maturuca há uma horta medicinal ao lado do posto de saúde, com muitas plantas nativas e algumas outras de diferentes partes do país, levadas pelas freiras aos Macuxi.

O povo Macuxi consegue combinar a medicina ocidental com sua tradição xamanista. Atrás do posto há uma casa de adobe e palha onde o pajé ou xamã "bate folhas" sobre os pacientes. O xamã canta, reza e dança ao redor do paciente com batidas fortes e rítmicas ou sacudindo folhas especiais. Os pajés Macuxi já não usam drogas alucinógenas, mas usam o fumo e uma bebida alcoólica nativa. Invocam espíritos para ajudá-los a diagnosticar e curar a doença. Os xamãs também receitam chás de ervas a seus pacientes, como parte do tratamento. Gastão geralmente verifica seu próprio diagnóstico com o xamã e quando se pergunta a ele a respeito da condição de um paciente, ele dá sua opinião e a do xamã. Na maioria dos casos em Maturuca, os pacientes recebem tratamento xamanista e tratamento ocidental.

O povo Macuxi atribui a maioria de suas doenças ao feitiço de um ser, metade humano e metade animal, conhecido como Canaimé. Crêem que a magia negra de um Canaimé pode debilitar e matar seus espíritos e somente as preces do xamã podem curar o espírito e o corpo de uma vítima. Durante uma visita a Maturuca, havia uma mulher com uma irritação no olho que Gastão não pôde diagnosticar e achou que seria necessário transportá-la a Boa Vista. No entanto, Gastão e o paciente decidiram que esta última se submeteria a um tratamento de oito dias com o xamã, antes de tomar a decisão final de ir à cidade. A mulher se curou e jamais teve de ir a Boa Vista.

De postos de saúde a um sistema de saúde

A transformação do sistema e da situação de saúde dos Macuxi foi devida a uma combinação da própria organização dos Macuxi e a certas mudanças importantes nas políticas do governo para os povos indígenas. O primeiro passo prático nesta direção foi a criação de uma entidade, composta de todas as organizações preocupadas com o cuidado da saúde dos povos indígenas e dos próprios indígenas, com um número igual de votos. Esta entidade, denominada Núcleo Interinstitucional de Saúde Indígena (NISI), foi estabelecida em Roraima pelo Ministério de Saúde em 1993. O NISI tem a função de coordenar e integrar as atividades de todos os provedores de cuidados de saúde e facilita a participação dos indígenas nas decisões relacionadas com o cuidado de sua saúde. Cada estado brasileiro eventualmente terá seu próprio NISI. O NISI é constituído por representantes dos oito grupos indígenas que vivem em Roraima, mas unicamente os Macuxi, os Wapixana e os Taurepang participam regular e ativamente das reuniões. Deve-se isto a que somente estas tribos têm organizações formais, acesso relativamente fácil a Boa Vista e representantes fluentes em português. A CIR, organização dos Macuxi, transformou-se no membro indígena mais influente do NISI e, por meio dele, os indígenas puderam mobilizar o apoio de várias organizações, tanto não-governamentais como governamentais.

A Médicos sem Fronteiras (MSF) tinha chegado a Roraima para prestar assistência aos Yanomami, na parte oriental do estado, mas os Macuxi puderam deslocar o projeto do MSF a seu próprio território por meio de sua participação no NISI. A importância que os Macuxi atribuem a serem capazes de decidir que programas de saúde são mais adequados à sua cultura é plenamente demonstrada em sua relação com a MSF. Quando a MSF originalmente decidiu trabalhar na região montanhosa de Raposa/Serra do Sol, o NISI recomendou que a MSF construísse laboratórios, distribuísse microscópios e treinasse indígenas para identificar e tratar a malária e outras doenças comuns. No entanto, a MSF decidiu unilateralmente instalar alguns dos laboratórios e postos de saúde nos acampamentos dos mineradores de ouro. Para os Macuxi, esta decisão opunha-se de forma flagrante ao seu empenho de fortalecer as próprias comunidades. Além disso, os Macuxi tinham medo de aproximar-se dos acampamentos, devido à violência que alguns membros tinham experimentado em suas visitas.

Os Macuxi, aos quais se uniram os líderes Taureapang e Wapixana, expressaram suas queixas ao NISI a respeito da estratégia da MSF. Juntos, os líderes indígenas comunicaram seu descontentamento aos escritórios gerais da MSF em Amsterdã, os quais responderam com uma visita ao local e a substituição dos dirigentes locais da MSF. Nesta situação, os indígenas usaram uma arena legítima, o NISI, para alcançar seus objetivos. A legalidade e a institucionalização do NISI proporcionaram uma plataforma para a bem articulada pressão por parte de membros indígenas e não-indígenas e persuadiram a MSF a reconsiderar sua posição. O NISI saiu fortalecido por esta experiência e os indígenas viram crescer a confiança na sua capacidade para alterar eventos que afetem seu estilo de vida.

O programa da MSF terminou em dezembro de 1998 e supunha-se que a FNS assumisse o seu lugar, mas isso ainda não ocorreu. O sistema de saúde Macuxi continua, embora de forma mais precária. Gastão, Dionito e Jacir temem que sem medicamentos, equipamento bem mantido e treinamento constante não poderão sustentar a mesma qualidade de cuidados para o seu povo. "A mim me preocupa que o número de evacuações a Boa Vista aumente e que não possamos manter baixo o número de casos de malária," afirma Gastão. A clínica carece até de aspirina para dar aos pacientes.

Dionito tem a esperança de que o Distrito de Saúde que está a ponto de começar a trabalhar resolva seus problemas atuais. Os Distritos de Saúde Indígenas são o miolo da nova estratégia do Ministério de Saúde para prestar cuidados à população indígena do Brasil. Saído da rede organizacional do NISI, o modelo do Distrito destina-se a pôr plenamente em prática a coordenação de ações entre as instituições e participação e controle totais por parte dos indígenas. No sistema de Distrito, o controle sobre os processos está nas mãos do Conselho Distrital, no qual as instituições municipais, estaduais e federais participam juntamente com organizações não-governamentais e religiosas e as comunidades indígenas. A metade dos votos no Conselho pertence às organizações indígenas e a outra metade às organizações que prestam os serviços. O Conselho Distrital terá mais poder jurídico que o NISI para aprovar e avaliar projetos de saúde e terá jurisdição sobre uma área específica. Os Distritos de Saúde foram concebidos baseando-se na distribuição geográfica dos grupos indígenas e não em delimitações políticas. Assim, um determinado Distrito pode abranger vários municípios e estados.

Segundo Ubiratan Pedrosa, Diretor das Divisões Operacionais da FNS em Brasília, cada Distrito adaptará seu próprio programa com base no modelo Macuxi. O Distrito de Saúde Oriental de Roraima - também conhecido como Distrito Macuxi - é um dos dois primeiros a serem implementados no país. O outro é o Distrito Yanomami, também em Roraima. Os departamentos de saúde municipais realizarão campanhas de imunização e estarão a cargo da construção de novos postos de saúde. Instituições não-governamentais e religiosas continuarão a proporcionar profissionais, assistência e equipamentos médicos. A Igreja Católica receberá fundos governamentais para operar um hospital e fornecerá alojamento em Boa Vista para indígenas enfermos. Tudo será feito em conformidade com a organização política e cultural Macuxi.

O elemento revolucionário deste programa de saúde é a maior participação da organização Macuxi. O governo federal transferirá fundos ao CIR para pagar, treinar e supervisionar os agentes de saúde indígenas e os técnicos em microscópio, bem como para comprar e distribuir medicamentos. Considerando que é extremamente difícil e caro trazer profissionais médicos para trabalhar nos lugares remotos da região do Amazonas, a maior parte dos cuidados básicos no Distrito de Saúde Oriental será proporcionada pelos próprios indígenas. De modo geral, as diferenças culturais entre não-indígenas e indígenas resultam em mal-entendidos e conflitos. Além disso, o CIR e outras organizações sem fins lucrativos podem comprar material e contratar pessoas mais rapidamente e a um custo mais baixo que as instituições governamentais, devido aos requisitos burocráticos que estas últimas devem seguir.

Em conclusão, o Distrito Macuxi é uma solução menos cara e mais eficiente para o governo brasileiro. O Distrito de Saúde custará R$3 milhões em fundos federais (aproximadamente US$1.700.000) por ano, para servir a uma população de cerca de 20.000 pessoas, incluindo todos os grupos indígenas do Distrito Oriental. Esta é a metade do custo do Distrito de Saúde Yanomami, que presta serviços a apenas 12.000 pessoas. Os Macuxi esperam que o Distrito proporcione os meios para lidar com doença, morte e vida a seu modo.

LEÇÕES APRENDIDAS

· A coordenação de atividades entre diferentes organizações com metas semelhantes economiza pessoal, dinheiro e tempo, eleva a qualidade do serviço e aumenta o número de atividades que podem ser realizadas.

· Quando os beneficiários assumem o papel de parceiros num projeto, aceitam mais responsabilidades e trabalham com maior afinco para ajudar a alcançar suas metas.

· Os projetos de que participa a população indígena devem ser suficientemente flexíveis para incorporar novos enfoques a fim de realizar tarefas familiares que se possam moldar a normas culturais ocidentais.

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.