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Contrastes na fronteira violenta

O Globo, O Mundo, p. 25
11 de Mar de 2008

Contrastes na fronteira violenta
Sob repressão na Colômbia, traficantes das Farc preferem cometer crimes no Brasil

Ricardo Galhardo
Enviado especial o Tabatinga, Amazonas, e Letícia, Colômbia

A população de Tabatinga (AM) sente na pele os reflexos da guerra entre o governo colombiano e os narcotraficantes aliados às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). O forte aparato policial de repressão ao narcotráfico na cidade colombiana de Letícia - separada de Tabatinga apenas por uma rua - contrasta com a ausência do poder público no lado brasileiro, o que permite que os traficantes saiam do país vizinho para cometer assassinatos no Brasil.

Em 2007, a Polícia Nacional colombiana registrou só nove homicídios em todo o departamento (província) do Amazonas, cuja capital é Letícia (32 mil habitantes). Já em Tabatinga (46 mil habitantes), entre janeiro e maio do ano passado ocorreram 26 assassinatos ligados ao narcotráfico, segundo uma comissão da Câmara de Vereadores. Muitos dos mortos eram estrangeiros.

Nos primeiros meses deste ano, quatro das dez mortes em Tabatinga foram de estrangeiros.

- Os traficantes saem da Colômbia e vêm matar colombianos no Brasil. Se deixar, eles matam na nossa frente. O índice real de homicídios em Tabatinga deve beirar os 100 para cada 100 mil habitantes - estima o delegado da Polícia Federal em Tabatinga, Eduardo Primo da Silva.

O principal motivo para a disparidade dos números é a forte presença da Guarda Nacional na cidade colombiana. Segundo o coronel Nelson Aceros Rangel, comandante da Guarda Nacional em Letícia, são 420 homens uniformizados. A cidade foi dividida em quadrantes, de forma que seja possível encontrar um policial a cada 200 metros. As ações ostensivas ocorrem dia e noite. Pessoas e automóveis são revistados, e estrangeiros em situação irregular, enviados de volta a seus países de origem. Segundo o coronel Aceros, os motivos para o aparato ostensivo são o fato de Letícia ser a capital de um departamento e as complicações naturais de uma região de fronteira.

Conheço cidades maiores que não têm o mesmo efetivo - disse o coronel.

Segundo ele, não existem registros recentes da passagem das Farc pela cidade, mas, de acordo com a Polícia Federal brasileira, a narco-guerrilha comanda a produção, a venda e o escoamento de toneladas de cocaína e dá proteção aos traficantes da região.

Aqui não tem bala perdida. Todas as mortes são crimes de encomenda. Geralmente são acertos de contas por causa de dívidas entre traficantes - disse o delegado Primo.

Enquanto o governo colombiano, em guerra contra as Farc e o narcotráfico, reforça a segurança na fronteira, no lado brasileiro a situação é de quase abandono. O posto da Polícia Militar na divisa entre os países está abandonado há anos. As portas estão lacradas com arame farpado. O total de policiais militares é de pouco mais de 40. A Polícia Civil tem apenas oito homens na cidade.

Recentemente, a PM adotou uma estratégia singular para tentar evitar os crimes: uma dupla de policiais circula pela cidade numa moto. Enquanto um pilota, o outro, armado com uma escopeta e munido de um celular, recebe ligações da população, que denuncia a possibilidade de crimes. Apesar do esforço, a iniciativa é insuficiente.

- Estou convencido de que a única forma de reduzir a criminalidade em Tabatinga é elevar o efetivo policial na cidade - disse o comandante do 8o Batalhão de Infantaria da Selva em Tabatinga, coronel Antonio Elcio Franco Filho.

Vereadores sofrem ameaças de morte
Ontem, chegou a Tabatinga um grupo de 40 policiais da PM do Amazonas, enviados de Manaus, para deflagrarem a Operação Tabatinga, uma ação contra os grupos de extermínio na região. Segundo números da Secretaria de Segurança Pública do estado, houve 16 homicídios em 2007 - 11 deles entre junho e dezembro. No entanto, por iniciativa do vereador João Carlos Pereira (PCdoB), a Câmara Municipal criou uma comissão especial que fez uma contagem paralela das mortes. Até maio, foram 26 (média de 5,2 por mês).

-Tem muita gente que é baleada em Tabatinga e vai morrer nos hospitais de Letícia. Outros são levados para comunidades ribeirinhas e jogados nos rios. Estes casos não entram na contabilidade oficial - disse Pereira.

Por pressão da população, o governo de Amazonas havia feito uma operação na cidade e controlado a situação. Quando os policiais foram embora, porém, a rotina de mortes voltou, com um agravante: os vereadores que tomaram a iniciativa passaram a ser alvo de ameaças.

Fui informado que era um possível alvo de homicídio - disse Pereira.

O Globo, 11/03/2008, O Mundo, p. 25

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