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Contradições pressionam Evo Morales

O Globo, Opinião, p. 6
30 de Set de 2011

Contradições pressionam Evo Morales

A porção indígena do presidente aymara Evo Morales - defensora de seus iguais e ligada à proteção do meio ambiente - entrou em choque com sua porção cocaleira, de quem chegou ao poder após longa atuação como líder sindical dos plantadores de coca. E isto é péssimo para a Bolívia.
Eleito presidente em 2005, tomou posse em janeiro de 2006 e assumiu uma série de desafios. O primeiro, como discípulo dileto de Hugo Chávez, foi implantar o kit bolivariano, que consiste na progressiva submissão dos poderes e instituições da república a um Executivo forte, que trata logo de marcar um referendo para eleger uma constituinte com o objetivo de pôr a Carta Magna do país nos moldes do "socialismo bolivariano". A democracia vai para terceiro plano. Um dos destaques da nova Constituição, aprovada em janeiro de 2009, foi a transformação da Bolívia num Estado plurinacional, com o reconhecimento de nada menos de 36 nações indígenas e respectivos idiomas, direitos e autonomias. Ao implantar um Estado de orientação socialista, nacionalista, indigenista e sindicalista, Morales destampou várias panelas que continham forças poderosas. Hoje, está na situação daquele que desencadeou uma série de ações e já não consegue controlá-las. Estacionou seu governo sobre areia movediça.
O episódio que criou a maior crise foi a forte repressão da polícia ao protesto indígena contra a construção de uma rodovia, com financiamento brasileiro, que corta o chamado Tipnis (Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure), um território de 1,1 milhão de hectares nos departamentos de Cochabamba e Beni, onde vivem os povos Yuracaré, Chimán e Mojeño. Morales sustenta que o projeto é importante para o desenvolvimento da Bolívia, mas enfrenta a acusação de trair indígenas que o apoiaram em 2005 e na reeleição em 2009 e as causas ambientalistas que sempre defendeu. Com isso, criou-se também uma animosidade entre os indígenas que se julgam prejudicados pelo governo e os que seriam beneficiados por ele. Outro aspecto foi o fato de a abertura da rodovia beneficiar plantadores de coca que querem se estabelecer em terras indígenas, e ganhariam uma moderna rota para escoar a produção. Críticos do presidente afirmam que ele aliena sua base de apoio indígena em favor dos cocaleros - até hoje não abriu mão do cargo de secretário executivo das federações de produtores de coca. O sindicalista falou mais alto dentro de Morales. Com a crise, a Bolívia corre o risco de uma desastrosa volta ao relativamente recente e conturbado passado. A Central Operária Boliviana (COB) convocou uma greve geral em apoio aos indígenas do Tipnis, enquanto no departamento de Santa Cruz - o mais rico e onde se concentra a maior oposição ao presidente - é mantida uma greve de fome com a mesma finalidade.
Morales tem hoje contra si setores que o apoiaram decididamente nos últimos anos e viu a popularidade cair a 32%. Ordenou que a abertura da rodovia seja interrompida, mas não desistiu dela. No passado, demonstrou grande habilidade política para superar situações difíceis. Resta saber se isto agora será suficiente para mantê-lo incólume à frente do país.

O Globo, 30/09/2011, Opinião, p. 6

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