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Contrabando de remédio na rede

CB, Brasil, p. 15
12 de Mai de 2006

Contrabando de remédio na rede
Ibama e Polícia Federal investigam site hospedado nos EUA que vende, como antibiótico, bisnaga com secreções de sapo amazônico por US$ 460. Substância é utilizada por índios catuquinas em rituais

Ullisses Campbell
Da equipe do Correio

O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama) e a Polícia Federal estão investigando denúncia de que biopiratas norte-americanos estariam vendendo na internet secreções em forma sintética do sapo amazônico kampô (Phyllomedusa bicolor). O Correio comprovou que a substância está sendo comercializada em forma de bisnaga no site www.bachem.com, por US$ 460. O site é mantido por um laboratório norte-americano com sede na Pensilvânia.

O sapo kampô é comum no Acre e bastante utilizado por índios Katukina, que fazem diversos rituais com o animal. Em um deles, os índios retiram a substância cremosa que envolve a pele verde do anfíbio e secam até virar pó. Em seguida, os índios se automutilam com varetas em brasa. Para curar a queimadura, eles passam a secreção seca da substância do sapo. Segundo a tradição dos catuquinas, o pó dá forças para eles enfrentarem os perigos da floresta.

O chefe do departamento de combate à biopirataria do Ibama, Breno Barbosa, acredita que os norte-americanos que atuam traficando animais e substâncias tenham comprado os sapos dos próprios índios. No site do laboratório que vende a substância, há a informação que a solução retirada da pele do kampô seria um ótimo analgésico.

A solução do sapo está sendo oferecida com o nome comercial de Deltorphin II, por meio de bisnagas de 25mg. No medicamento, constam ainda dermorfina e deltorfina, ambas fabricadas a partir da substância extraída do kampô. A dermorfina é um potente analgésico, enquanto a deltorfina é utilizada no tratamento de doenças em que o paciente apresente falta de circulação sangüínea e de oxigênio no organismo. Médicos recomendam o remédio para pacientes que sofrem derrames.

Apesar de o sapo kampô ser genuinamente da Amazônia, o Ibama descobriu que os remédios fabricados a partir dele estão patenteados na Itália. Os anfíbios teriam sido contrabandeados em meados dos anos 90.

No registro da patente da substância extraída do sapo consta que as secreções do animal estariam sendo pesquisadas por seis universidades norte-americanas e duas européias. "As substâncias do sapo kampô possuem propriedades antibióticas. Elas podem inclusive ser usadas no tratamento do mal de Parkinson, Aids, câncer, depressão, dentre outras doenças", anuncia o laboratório que vende o remédio.

Fiscalização
Para fechar o cerco à biopirataria e ao tráfico de animais silvestres, o Ibama aumentou a fiscalização nos portos e aeroportos de Manaus e Amapá, principais saídas de animais vivos da Amazônia. Mas o chefe de Fiscalização de Fauna do órgão federal, Roberto Cabral, reconhece que é difícil combater esse tipo de crime por conta da fronteira seca existente entre o Brasil e a Bolívia, o Peru e a Colômbia.

Para Breno Barbosa, o Brasil só vai reduzir a biopirataria depois que for regulamentada a Lei de Patentes. "Mas existe uma pressão internacional muito forte", ressalta. "O problema é que quanto mais demorar a implementação da legislação, mais se perde. O Brasil não tem mais a patente do açaí, do cupuaçu e de inúmeras substâncias retiradas de animais da Amazônia", relaciona Barbosa.

Segundo o coordenador-geral da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), Dener Giovanini, a biopirataria e o tráfico de animais silvestre arregimentam crianças na Amazônia. Ele denuncia ainda que há redes de biopiratas retirando peixes dos rios brasileiros para abastecer lojas de aquariofilia. "A lei brasileira é branda quando trata de tráfico do animais e da biopirataria. Isso facilita a ação dos traficantes", ressalta.

O professor da Universidade da Amazônia, Frederico Mendes dos Reis, aponta outro aliado para a biopirataria: a falta de instituições no Brasil capacitadas para receber os animais apreendidos pelo Ibama. Ele cita que há apenas 15 em todo o país. "O Brasil ainda não acordou para o grande potencial que seus bichos e suas substâncias têm para a medicina e a agricultura. Infelizmente, os laboratórios internacionais não só acordaram como já estão agindo faz tempo", avisa.

CB, 12/05/2006, Brasil, p. 15

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