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Contra as pragas, insetos de fabrica

OESP, Vida, p.A18
05 de Dez de 2004

Contra as pragas, insetos de fábrica
Em substituição aos pesticidas, começa a ganhar força no Brasil o uso de inimigos naturais criados em laboratório
Evanildo da Silveira
Diclorodifeniltricloetano. Esse palavrão é o nome completo de uma substância que a maioria das pessoas já ouviu falar, o pesticida DDT. Quando ele surgiu, em 1939, pensou-se que todos os problemas causados por insetos estivessem resolvidos. Engano. Ao longo dos anos, o DDT causou mais danos que benefícios. Por isso, a partir dos anos 60, o mundo passou a usar a própria natureza para combater as pragas, atitude para a qual o Brasil começa a despertar.
Sintetizado pela primeira vez em 1939, pelo químico suíço Paul Hermann Müller (1899-1965) - que levou o Nobel de Fisiologia e Medicina de 1948 por causa disso -, o DDT e outros pesticidas que vieram depois causaram sérios problemas. Como, por exemplo, o surgimento de pragas mais resistentes a inseticidas, a eliminação de insetos úteis ou dos inimigos naturais de organismos danosos e o envenenamento de rios, colocando em risco a vida do homem e de outros animais.
Essa situação levou a comunidade científica a procurar alternativa. Surgiu assim o Manejo Integrado de Pragas (MIP). "Trata-se de um conjunto de medidas para manter as pragas sob controle, evitando que elas causem prejuízos econômicos", explica o engenheiro agrônomo José Roberto Postali Parra, diretor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP). "Sem esquecer dos aspectos ecológicos e sociais."
De acordo com Parra, nesse contexto o controle biológico, ou seja, o uso de seus inimigos naturais para controlar as pragas, tem papel de destaque. Para aplicá-lo, no entanto, os cientistas têm de pesquisar muito, para entender a biologia e comportamento tanto das pragas como de seus inimigos. "Esse conhecimento é necessário para poder criar esses organismos em laboratório", diz Parra, que publicou um artigo sobre esse assunto na edição de novembro da revista Ciência Hoje.
No caso da criação de insetos, o que vem dando grande impulso é o desenvolvimento de dietas artificiais para eles. Até recentemente os insetos eram coletados no campo ou criados em hospedeiros naturais. "O preparo de dietas artificiais, a partir de pesquisas sobre as exigências dos organismos a serem criados, facilitou muito a produção deles em grande número em laboratório", diz Parra. "Hoje, cerca de 2 mil espécies são criadas com essas dietas."
O Brasil ainda não está entre os principais países do mundo nessa área, mas vem crescendo bastante. "Existem vários esforços sendo realizados para o estudo do controle biológico de pragas", diz o pesquisador Sérgio de Freitas, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, do campus de Jaboticabal da Universidade Estadual Paulista (Unesp). "Isso pode ser comprovado pela realização bianual do Simpósio de Controle Biológico (Siconbiol)".
De acordo com Freitas, os grandes avanços do Brasil vêm ocorrendo no uso de entomopatógenos (bactérias, vírus e fungos), no controle de diversas pragas da lavoura e casas de vegetação. Além disso, os pesquisadores brasileiros já são capazes de desenvolver técnicas e métodos para o estabelecimento de criações multiplicadoras de outros agentes de controle biológico.
Interessados nesses organismos não deverão faltar. "Com a atual preocupação de preservação do meio ambiente, o mercado de inimigos naturais está em ascensão", diz Parra, o diretor da Esalq. "Em todo o mundo já são mais de 125 espécies disponíveis para controlar cerca de 70 pragas. Esse comércio movimentou US$ 340 milhões na década de 90, valor que deverá triplicar nos próximos anos."
No Brasil, não há números precisos desse mercado, mas já existem pelo menos cinco empresas e dez laboratórios que produzem insetos, bactérias, vírus ou fungos para controle biológico. A mais antiga é a Biotech, fundada em Maceió, em 1987, pelo engenheiro agrônomo Artur Mendonça, depois que ele ficou com receio de perder o emprego com a extinção do Instituto do Açúcar e do Álcool, feita pelo governo Fernando Collor.
Hoje a empresa é especializada na produção do fungo Metarhizium anisopliae, que combate a cigarrinha da cana-de-açúcar, umas das principais pragas dessa cultura. Com sede em Maceió e filial em Ribeirão Preto, a empresa tem cerca de 40 funcionários e produz entre 60 e 70 toneladas do fungo por mês. "Nós vendemos esse produto para usinas de vários Estados e de alguns países da América Latina, como Costa Rica e Panamá", conta Mendonça.
A Biocontrol, de Sertãozinho, e a Bug Agentes Biológicos, de Piracicaba, são duas outras empresas produtoras de inimigos naturais de pragas. Criada em 1994 e hoje com 85 funcionários, a Biocontrol produz 20 toneladas de M. anisopliae para controle das cigarrinhas da cana-de-açúcar e das pastagens e 1,2 bilhão da vespinha Cotesia flavipes, que combate a broca da cana-de-açúcar (Diatraea saccharalis).
A Bug, por sua vez, que surgiu em 2001, a partir de um projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), tem 22 funcionários e produz diariamente 30 milhões das vespinhas Trichogramma pretiosum e Trichogramma atopovirilia, que controlam pragas do milho e do tomate. Do primeiro, elas combatem a lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda) e a lagarta-da-espiga (Helicoverpa zea), e, do segundo, a traça-do-tomateiro (Tuta absoluta), a broca-pequena (Neoleucinodes elegantalis) e a broca-grande (Helicoverpa zea).
Outra demonstração do crescimento do controle biológico no País é o emprego da vespinha Cotesia flavipes, originária de Trinidad e Tobago e introduzida no Brasil em 1974. Hoje, ela é espalhada aos bilhões em 300 mil hectares de plantações de cana-de-açúcar, no que se constitui num dos maiores programas de controle biológico do mundo. A C. flavipes controla a broca da cana-de-açúcar (Diatraea saccharalis), uma praga que causava aos produtores um prejuízo de US$ 100 milhões por ano na década de 80. Com o emprego da vespinha, esse valor caiu para US$ 20 milhões hoje.
É por essa e outras razões que Parra acredita que a produção de inimigos naturais de pragas tem futuro no Brasil. "Além de ter uma enorme biodiversidade e grande potencial de agentes biológicos, o País tem pesquisadores da área formados em cursos de pós-graduação locais e no exterior", diz. "As pesquisas são de bom nível e em diversos pontos do Brasil e há laboratórios de qualidade."
Cientistas garantem uma atividade sem riscos
Eles dizem que o máximo que pode ocorrer é uma guerra entre espécies e não uma nova praga
Evanildo da Silveira
Quando se fala em soltar numa lavoura bilhões de insetos, bactérias, fungos ou vírus para combater pragas, muitos se perguntam se isso não é arriscado. Se esses organismos não podem eles próprios se transformar em pragas. Não, garantem os especialistas.
O máximo que pode ocorrer é uma espécie, quando trazida de outra região ou país, deslocar ou eliminar as nativas que competem pelo mesmo espaço e alimento.
Isso já ocorreu no Brasil. O hoje diretor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), participou, em 1998, de um projeto para controlar o minador do citros (Phyllocnistis citrella), uma praga que surgiu nos laranjais paulistas em 1996.
"Para combatê-la fui até a Califórnia, nos Estados Unidos, buscar uma vespinha de origem asiática, a Ageniaspis citricola", conta Parra. "Ela se adaptou tão bem que acabou deslocando espécies nativas."
Ela não virou uma praga, no entanto. "Esses agentes de controle biológico ou são predadores ou parasitas", explica o diretor da Esalq. "No primeiro caso, com o tempo, ele entra em equilíbrio com sua presa ou, no limite, se a presa for exterminada ele também desaparece. No segundo, o agente se aproveita de uma ou mais pragas para completar seu ciclo de vida. Com o tempo também entrará em equilíbrio."
RISCO
De qualquer forma, se risco há ele é muito menor do que os danos causados pelo controle químico. Surgido com a invenção do DDT, em 1939, esse método teve seu auge entre 1940 e meados dos anos 60.
Nesse período, surgiram outros inseticidas mais potentes, como os clorados, clorofosforados e fosforados. O uso indiscriminados desses produtos, no entanto, causou sérios danos ambientais.
Segundo Parra, esses problemas foram retratados pela zoóloga americana Rachel Carson (1907-1964) em seu livro Primavera Silenciosa, lançado em 1962.
"Nele, ela chama a atenção de forma contundente para os danos que o uso indiscriminado de agroquímicos podia causar", diz o diretor da Esalq.
O homem voltou-se estão para o controle biológico. Conhecido dos chineses, que usavam formigas para controlar pragas de citros, desde o século 3 a.C, o uso de inimigos naturais teve seu marco na Idade Moderna, em 1888.
"Nesse ano, os americanos usaram a joaninha-australiana (Rodolia cardinalis) para combater o pulgão branco dos citros (Icerya purchasi). Um ano depois a praga estava controlada e começou o chamado controle biológico", afirma o diretor.
OESP, 05/12/2004, p. A18

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