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Consumo consciente, comércio justo

O Globo, Opinião, p. 7
Autor: ODEBRECHT, Norberto
06 de Jan de 2007

Consumo consciente, comércio justo

Norberto Odebrecht

Conhecimento tradicional, valorizado de forma a se tornar produtivo, alinhado ao conhecimento tecnológico e colocado a serviço de famílias humildes que dependem do trabalho para sobreviver e se desenvolver. Esta é a história que está sendo escrita por pessoas simples, do interior da Bahia, e transformando em realidade o sonho de consolidar um modelo replicável de produção integrada para pequenos produtores, localizados em zonas de proteção ambiental, com base na gestão sustentável dos recursos naturais.

Estamos falando de membros de cooperativas de pequeno e médio portes, que assumiram o desafio de implantar cadeias produtivas, assegurando um bom nível de produção e qualidade de produtos para seus clientes. 0 modelo de empresariamento adotado é econômica, ambiental e socialmente sustentável, mas ainda carece de esforços para a obtenção da certificação de produtos e processos e para o desenvolvimento de canais de comercialização, nacionais e internacionais, com base no comércio justo.

Prática iniciada nos anos 60, o processo de normatização brasileira do comércio justo, do inglês fair trade, tem ganhado fôlego em discussões e atraído atenção de produtores, comerciantes e consumidores. Estes últimos, esclarecidos e sensibilizados, residentes de países desenvolvidos, passam a pagar mais por produtos com garantia de procedência, como apoio ao desenvolvimento de uma região. Por meio deste processo, saímos da venda convencional para a consciente: o consumidor sabe que paga um pouco a mais para beneficiar unidades-família e fortalecer a agricultura familiar.

0 comércio justo procura criar meios de melhorar as condições de vida e trabalho de pequenos produtores de países em desenvolvimento. Caracteriza transparência nas relações em todos os elos de uma cadeia produtiva, considerando principalmente respeito ao meio ambiente e sua conservação, em busca do desenvolvimento sustentado.

No Baixo Sul da Bahia, um programa de desenvolvimento integrado e sustentável está contribuindo para elevar a produtividade de agricultores e agricultores, com trabalho digno. Os projetos em andamento pretendem promover a cidadania dos excluídos, obter sustentabilidade, implantar um modelo de sociedade de confiança com transparência e responsabilidade, elevar os índices de educação, saúde e produtividade, fixar o ser humano na área rural, agregar as famílias e praticar uma agricultura ambientalmente correta.

0 Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) identificou recentemente, nesta experiência do Programa de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Baixo Sul da Bahia (DIS Baixo Sul), uma oportunidade para enfrentar a pobreza e a desigualdade, objetivo que vem tentando efetivar ao longo de toda a sua trajetória. 0 banco passa a integrar o sistema de governança instituído para garantir que o governo, nas suas três instancias, a iniciativa privada e a sociedade civil organizada se apropriem do processo e se comprometam com os resultados vislumbrados.

A parceria com o BID viabiliza ações fundamentais para o desenvolvimento harmônico dos capitais ambiental, produtivo, social e humano. As ações contemplam a consolidação de cadeias produtivas inseridas em Áreas de Proteção Ambiental por meio do fortalecimento do setor primário produtivo, que passa a receber mais apoio para o desenvolvimento do setor secundário, transformador e agregados de valores, e do setor terciário, para distribuição e comercialização dos produtos de forma consignada, sem intermediários, garantindo a remuneração justa e digna dos pequenos produtores rurais.

Um dos focos está na identificação de parceiros que atuem na área da distribuição e comercialização. Para ter êxito, a cadeia produtiva precisa de um parceiro social na ponta do processo, fazendo o produto das comunidades pobres chegar aos consumidores ricos, nos grandes centros do Brasil e do mundo. Um parceiro social completa o ciclo virtuoso. A diferença entre um parceiro social e um mero intermediário de distribuição é que o primeiro aceita negociar o produto com base em preço justo. E só preço justo gera riqueza para os produtores. 0 contrário chama-se exploração. E exploração perpetua desigualdade. Um parceiro social sabe que o seu consumidor, cada dia mais esclarecido, principalmente o de países europeus, valoriza o produto de qualidade certificada e até aceita pagar mais por este valor adicionado. Portanto, o outro foco da parceria está na certificação de produtos e processos.

Comércio justo é o elo que falta para consolidar um modelo capaz de contribuir para o desenvolvimento socioeconômico de áreas rurais do Nordeste. Mas ele não se sustenta no caráter meramente social das iniciativas. 0 consumidor consciente exige qualidade, quantidade e regularidade. Certificações como ISO 14.000, ISO 9.000, SA 8000, HACCP (Hazard Analysis and Critical Point) e FLO (Fairtrade Labelling Organizations) avalizam as cadeias produtivas, dando segurança aos consumidores. Nessas condições, o DIS Baixo Sul, programa pioneiro e modelar, assegura maior sustentabilidade das fontes naturais do planeta, ajuda a erradicar a pobreza e a reduzir as desigualdades, com distribuição justa de renda, passando a ter uma visibilidade internacional, enquanto modelo prático replicável. E ai reside o principal foco da parceria com o BID: a sistematização e a multiplicação do modelo em outras regiões.

Quando os interesses de uma comunidade estão em jogo, deve-se ser mais ágil e agressivo. Nessa circunstancia, o objetivo está mais próximo do jogo do ganha-ganha, no qual todos se beneficiam. Quando a causa é justa e visa ao benefício de todos, não podemos ter vergonha de pedir ou mesmo exigir algo em prol dessa causa. É preciso buscar parcerias. 0 ônus cabe àquele que se nega a atender à reivindicação.

Essas são consciências e motivações que visam a satisfazer nossa responsabilidade com as comunidades e as futuras gerações (filhos e netos), como cidadãos comprometidos com o nosso país e pátria.

Norberto Odebrecht é empresário.

O Globo, 06/01/2007, Opinião, p. 7

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