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Conservação atolada na estrada

O Eco - www.oeco.com.br
Autor: Andreia Fanzeres
09 de Set de 2008

Quem ainda duvida que a retirada da floresta pode transformar parte da Amazônia num areião precisa conhecer a estrada Vilhena-Juína, que liga o sul de Rondônia ao noroeste de Mato Grosso. Mas nem adianta pensar num passeio de ônibus. Desde o ano passado, eles pararam de circular por este trecho da BR-174 de apenas 240 quilômetros. Para evitar os atoleiros, acham melhor fazer um desvio de mais de 500 quilômetros para chegar ao destino em cerca de 12 horas. A solução é partir em veículos 4x4, mesmo assim equipados com ferramentas para desatolagem. Em caso de imprevistos é muito improvável que algum outro carro cruze com você, faça sol ou faça chuva. No início do mês de agosto O Eco encarou este programa, mas para não colocar ninguém em risco, só foi até a metade do caminho.

As empresas e os veículos de passeio desistiram de circular por esta estrada simplesmente porque não conseguem mais passar. A areia é tão fina e fofa que encrava a maioria dos automóveis que tentam superá-la. Os ônibus costumavam levantar os chassis o quanto podiam para evitar os atoleiros, mas não raro obrigavam os passageiros a sair duas ou três vezes por viagem para ajudar a desatolar o veículo, numa penosa travessia que superava 10 horas. Mas nem sempre foi assim. Antigos moradores de Juína dizem que nos anos 80 um carro baixo atravessava o percurso, que nunca recebeu asfalto, em três ou quatro horas. Hoje, em muitos trechos, a estrada é uma picada.

Esta rodovia foi uma das dezenas abertas na época da ditadura militar para permitir a ocupação da Amazônia. Mais precisamente em 1974. Graças a ela surgiu a maioria das cidades do noroeste de Mato Grosso, muitas das quais lideram os rankings de desmatamento. Ao redor da estrada, fazendas de soja do lado rondoniense e fazendas de gado do lado mato-grossense. Nos trechos centrais, no entanto, ainda há muita floresta, protegidas pelas terras indígenas cinta-larga e enawenê-nawê - esta última sobrepõe-se em 98% na Estação Ecológica de Iquê, administrada pelo Instituto Chico Mendes.

Quando foi aberta, as árvores amazônicas escondiam um terreno frágil e extremamente arenoso, intransitável após três décadas sem manutenção. Quando, em 2005, o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT) resolveu autorizar obras de recuperação da estrada, elas não duraram dois anos. Em dezembro do ano passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) mandou suspender o repasse de recursos através da prefeitura de Juína por indícios de superfaturamento de 2,9 milhões de reais. Além de irregularidades contratuais, suspeita-se que a empreiteira estivesse retirando cascalho de forma ilegal nas imediações da unidade de conservação federal.

Com a interrupção das obras, boa parte da areia que havia sido revolvida para a reforma da estrada foi carreada para dentro de rios e córregos que formam a bacia do Aripuanã, assoreando leitos e buritizais. Há trechos da estrada em que a areia está tão espalhada que os poucos veículos que tentam passar foram obrigados a abrir desvios em fazendas ou dentro da floresta. Em algumas partes, o leito original simplesmente não existe mais, foi totalmente erodido.

Nada disso foi previsto ou cobrado num processo de licenciamento ambiental para mexerem na estrada. O DNIT bem lembrou que uma portaria conjunta do Ministério dos Transportes e do Ministério do Meio Ambiente dispensa de licenças ambientais os serviços de manutenção de rodovias e negou que os problemas de assoreamento e erosões tenham se agravado após a interferência incompleta das máquinas. "As ações das obras em nada impactaram os agravos já existentes na região, ao contrário, com a implementação dessas melhorias as erosões evidentes ao longo da rodovia foram sanadas, proporcionando visivelmente benefícios ao trecho", informou o engenheiro Rui Barbosa Egual, superintendente regional do DNIT em Mato Grosso (Leia a resposta do DNIT na íntegra).

Impactos das rodovias

Por mais que as falhas na execução e na continuidade das obras causem prejuízos como os que se vêem na estrada Vilhena-Juína, eles não se comparam aos danos que a construção da estrada em si traz ao ambiente. E apesar dos incentivos para a construção das vias na ditadura militar, o governo subestima esses impactos. Conforme uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto do Homem e do Meio Ambiente na Amazônia (IMAZON), a Amazônia brasileira tem cerca de 95 mil quilômetros de estradas abertas clandestinamente, uma malha viária dez vezes maior do que a legalizada.

"Os colonos se instalam ao longo das BRs, desmatam, tocam fogo e às vezes não sobra nem madeira para ser extraída. Neste ano, por exemplo, a maioria dos focos de calor migrou para o trecho da BR-364, a partir de Sena Madureira (AC), onde o governo estadual concentrou as empreiteiras para enfrentar um dos trechos de solo mais complicados da rodovia", conta o jornalista acreano Altino Machado, que conhece as estradas do Acre como a palma da mão. Assim, por falta de planejamento e manutenção, o objetivo de interligar cidades na Amazônia fica perdido. "A BR-364, de Rio Branco a Cruzeiro do Sul, só opera três meses no ano". "Tem um trecho da BR-163 chamado Caracol, que fica entre Moraes de Almeida e Trairão, no Pará. Na época da chuva fica abaixo do nível do rio Jamanxim. É um atoleiro só", conta Nilo D'Ávila, consultor do Instituto Socioambiental (ISA). E por aí vão incontáveis relatos de quem um dia já tentou percorrer as estradas da Amazônia.

D'Ávila resume bem a que esse tipo de estrada serve na região amazônica. "Na natureza elas servem de artérias para drenar os recursos naturais, porque o ônibus não vai, mas o toreiro está sempre lá", garante. Foi exatamente isso que testemunhei depois de ter cruzado com apenas um carro desde as oito horas da manhã na estrada Juína-Vilhena no início do mês. Bastou escurecer para surgirem no meio do poeirão quatro caminhões carregados de toras recém cortadas da floresta, trafegando com tranqüilidade em direção às serrarias de Juína. Eram caminhões sem placa, sem iluminação, num sábado à noite, em uma estrada deserta cercada por duas terras indígenas e uma estação ecológica. Mas como não parei para perguntar, não vamos julgar sem saber.

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