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Autor: Frederico Brandão
30 de Abr de 2015
Charles Guimarães dos Santos, 36 anos, faz da pesca o seu sustento. Morador do município de Feijó, no Acre, ele carrega nas costas a experiência de mais de 30 anos na profissão, aprendida com o avô, que segundo ele é "o maior pescador de pirarucu da região". Ainda criança aprendeu a identificar cada espécie de peixe, conhecer o local onde vivem e se reproduzem, e a manusear as melhores ferramentas para o trabalho.
Essas são lições valiosas aprendidas a partir do conhecimento tradicional utilizado há muito tempo por pescadores do Município, como o avô de Charles. Mesmo sem equipamentos avançados, eles desbravavam os cerca de 50 lagos do município em busca do pirarucu e de outras espécies que pudessem alimentar suas famílias.
A falta de organização e controle sobre a pesca fez com que as populações de peixes caíssem de forma significativa na região, interferindo na produtividade e na qualidade de vida de pescadores e moradores. "Há quem diga que o que Deus criou, o homem não consegue apagar, mas aqui vimos que isso não é verdade. O homem consegue acabar com tudo", diz Charles, ao relatar o acelerado ritmo da exploração nos lagos de Feijó, a partir dos anos 60, que colocou em risco o pirarucu e outras espécies de peixe.
Era preciso unificar o conhecimento tradicional com um manejo de pesca eficiente, que garantisse a sobrevivência das espécies e a manutenção da qualidade de vida dos moradores do município. "Percebemos que precisávamos fazer algo senão nossos peixes iriam acabar. Nos organizamos e estabelecemos acordos de pesca, grupos de manejo no nosso município e fundamos a Colônia de Pescadores, que atualmente já possui 470 pescadores cadastrados", explica Charles, que atualmente exerce o cargo de presidente da Colônia.
A prática dessa ação coletiva trouxe mudanças significativas ao nível da comunidade. De acordo com Antonio Oviedo, especialista do Programa Amazônia do WWF-Brasil, organização que tem trabalhado com pesca na Amazônia há 16 anos, a partir desta mobilização, os pescadores reconheceram que eles tinham mais capacidade e poder ao trabalharem de forma coletiva ao invés de modo isolado. "A coesão do grupo apresentou um potencial para a implantação de medidas de adaptação às mudanças ambientais. Para se ter ideia, em 2014, o monitoramento do manejo apontou um aumento de 50% nas populações de pirarucu. A pesca sustentável foi restabelecida, práticas tradicionais se mantiveram e nossa compreensão sobre o pirarucu foi aprimorada porque o conhecimento ecológico tradicional guiou a ciência", explica.
Resultados como esse fazem parte do Projeto Pesca Sustentável, lançado em 2014 pelo WWF-Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por meio do Fundo Amazônia. Segundo Oviedo, ao incorporar valores locais para o manejo de recursos naturais, gestores e usuários têm sido capazes de regular as cotas de pesca sustentável e reduzir o conflito na manutenção de cardumes saudáveis de pirarucu. "Estamos desenvolvendo sistemas de monitoramento participativo, que envolvem os membros da comunidade, e que apoiam as decisões referentes à pesca e ao status da população de pirarucu na bacia do rio Envira, município de Feijó (Acre). Tais esforços também servem para transmitir o conhecimento tradicional a tomadores de decisão para desenvolverem estratégias de manejo culturalmente apropriados e eficientes, bem como melhorar nossa compreensão sobre as mudanças que ocorrem em nível local", revela.
Conhecimento tradicional e manejo coletivo
A população da várzea amazônica tem se desenvolvido e prosperado neste ambiente por anos, por meio da aquisição de uma vasta riqueza de conhecimento sobre terra, águas e espécies, que têm demonstrado ser de suma importância para a compreensão do pulso de inundação, o estado e as condições da pesca, seus impactos e a criação de políticas relevantes e eficazes. "Reconhecer o valor desse conhecimento ecológico tradicional e trabalhar para integrá-lo na avaliação, no planejamento e no manejo da biodiversidade da Amazônia é essencial para os trabalhos de pesca na região. Isto contribui para o aumento da capacidade de ações em grupo", explica Antonio.
Para ele, estratégias de manejo coletiva e culturalmente adequadas são mais propensas a preservar a biodiversidade e oferecer suporte ao modo de vida tradicional. "Temos esse exemplo muito claro no estado do Acre. Por lá, este conhecimento é cada vez mais reconhecido como fundamental para a compreensão e conservação da biodiversidade da Amazônia e pode ser integrado com dados científicos, ou usado separadamente para construir uma base eficiente sobre o conhecimento disponível, e para informar ou apoiar na tomada de decisões", avalia.
Para compreender o contexto em que se encontra a pesca na Amazônia, em 2008, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) proibiu a caça e a comercialização do peixe pirarucu nos estados do Acre, Rondônia e Amazonas. Decisão conflituosa para um contexto do Norte do Brasil, em que essa espécie possui grande importância na cadeia alimentar na Amazônia e tem um papel-chave no ecossistema amazônico. Normas e regulamentos sobre os níveis de captura foram regulamentados no Acre, mas elas ainda têm sido mal aplicadas.
Alguns estudos indicam que a pesca do pirarucu está sendo feita em um regime de sobre-exploração das populações, o que pode levar a extinção da espécie em grande parte da bacia. O peixe está na lista de espécies ameaçadas de extinção de acordo com a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES, sigla em inglês).
De forma a minimizar a situação, o Projeto de Pesca Sustentável tem trabalhado com grupos comunitários no estado do Acre para desenvolver sistemas de manejo para o pirarucu. A espécie tem características que a torna promissora para o manejo comunitário, entre elas: respira regularmente na superfície dos lagos; é um animal sedentário; procria em lagos de várzea; e forma casais para cuidar dos filhotes.
Um método foi desenvolvido para estimar as populações de pirarucu com base em técnicas de censo de fauna (contagem visual) usando conhecimento ecológico tradicional, em que aproveita as características biológicas do pirarucu e a habilidade dos pescadores em distinguir peixes adultos de jovens quando eles sobem à superfície. Enquanto antes os pescadores só conseguiam dizer se um determinado lago tinha mais ou menos pirarucus que outro, agora a equipe de manejo pode fazer uma estimativa confiável do número de peixes adultos e jovens, além do tamanho da população reprodutora e da distribuição do tamanho das capturas dessa espécie.
Atualmente, as equipes também podem prever quantos pirarucus podem ser capturados a cada ano, sem ameaçar a sustentabilidade do sistema, além de monitorar o progresso na recuperação das populações de pirarucus nos lagos e revisar periodicamente as regras de manejo.
O método mais eficaz, em termos da pesca, esforço, seletividade e distribuição de benefícios, é uma pescaria coletiva usando grandes redes e arpões. O grupo de manejo organiza uma ou mais pescarias coletivas suficientes para a quota anual. A receita proveniente da venda do peixe é dividida entre os participantes de acordo com o quanto eles contribuíram nas operações de manejo. Ainda, uma proporção do valor total da produção vai para a Colônia de Pescadores do município e aos membros da comunidade que participam dos trabalhos.
Este sistema também reforça o Conhecimento Ecológico Tradicional e a capacidade de organização da comunidade. Ele gira em torno de uma metodologia participativa em que os resultados dependem da capacidade dos membros do grupo de trabalharem juntos. Estimativas anuais e sucessivas das populações de pirarucu possibilitam ao grupo medir os progressos na execução dos objetivos de manejo. O sistema de pescaria coletiva reforça o fato de que o pirarucu é um recurso da comunidade, e a dimensão do total da produção fornece uma evidência concreta do valor da pesca para a população local. A contribuição para a Colônia de Pescadores e à comunidade participante ressalta o benefício coletivo fornecido pela pescaria enquanto a divisão de renda entre os participantes garante que as recompensas sejam proporcionais à contribuição de cada pescador para o sistema de manejo.
Charles, que é casado e tem uma filha de 15 anos, não tem do que reclamar. "Com o manejo da pesca, nossos pirarucus aumentaram em número e tamanho. Temos certeza de que temos os maiores peixes do Acre, que podem chegar a até 3 m e pesarem mais de 100 kg. Bem maiores do que os de outros municípios da Amazônia que não possuem acordos coletivos", comemora.
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