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Conflito entre MST e Araupel ameaça maior área de araucárias no Paraná

Época - http://epoca.globo.com
Autor: Bruno Calixto
10 de Set de 2015

Sem-terra reivindicam reserva particular que protege a espécie, considerada criticamente ameaçada de extinção

Em agosto, uma das maiores reservas privadas de conservação do Brasil ardeu em chamas. O fogo atingiu a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Corredor do Iguaçu, no oeste do Paraná, e queimou a área nativa de araucárias, uma espécie de pinheiro ameaçada de extinção. Ninguém sabe ao certo como o fogo começou, mas ele surgiu em meio a um conflito envolvendo a empresa dona das terras, a Araupel, e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O conflito já se arrasta por mais de um ano e deixa a área, crucial para a preservação, ameaçada.

A reserva foi criada em 2001 pela Araupel. Ela tem mais de 5 mil hectares e é importante porque protege uma das espécies de árvores mais ameaçadas do Brasil, a araucária. Esse pinheiro icônico, com seus galhos abertos em direção ao céu, se espalhava por todo o Sul do país no passado. Não por acaso, também é conhecido como pinheiro-do-paraná. A partir do início do século passado, ele começou a ser derrubado para abertura de áreas para agricultura ou para abastecer o mercado de madeira. O resultado é que, hoje, a União Internacional para a Conservação da Natureza classifica a araucária como "criticamente ameaçada" - apenas um grau de classificação antes da extinção. Em três gerações, sobraram apenas 3% do total de araucárias. Para piorar, há pouquíssimas unidades de conservação para proteger essa árvore.

Também há uma importância simbólica. Áreas de preservação particulares, apesar de geralmente menores do que as públicas, fazem parte da estratégia brasileira para a conservação. Mas nem sempre é fácil convencer proprietários a destinar uma parte de suas terras apenas para a preservação. A existência de conflitos em RPPNs e a tentativa de desapropriar essas áreas pode passar uma mensagem muito clara para produtores de que não é uma boa ideia tranformar uma área privada em uma reserva florestal.

Os problemas na RPPN Corredor do Iguaçu começaram em 2004, quando o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) questionou a posse de terras que um dia pertenceram à Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande. Essas terras foram cedidas por decreto imperial, no século XIX, como pagamento pela construção da ferrovia. Décadas depois, essa empresa faliu, e o então presidente Getúlio Vargas incorporou as terras ao patrimônio da União. Uma parte dessas terras, entretanto, tinha sido vendida antes da falência ao empresário José Ermirio de Morais, que anos depois revendeu para a empresa de produção de madeiras Araupel.

Para o Incra, a área não poderia ter sido vendida e por isso todos os títulos são irregulares. "A origem desse título é indevido. Entendemos que é um vício insanável e que essa área por certo é da União", diz o superintendente do Incra no Paraná, Nilton Bezerra Guedes. Com os títulos questionados, o MST passou a pressionar para que a área fosse entregue à Reforma Agrária. O movimento invadiu uma parte das terras da Araupel em maio de 2014, e outra parte em julho deste ano, somando quase 8 mil hectares, incluindo a reserva natural. Atualmente, cerca de 1.500 famílias vivem nas terras questionadas.

A Araupel questiona a tese do governo. A empresa levantou toda a cadeia de domínio dos títulos das terras, e apresentou mais de vinte documentos, de cartórios e até do próprio Incra, referendando o título da terra. "A Araupel tem título datado de 1913, em nome dela, sem qualquer mácula. A versão do Incra é política, só isso explica eles questionarem o título cem anos depois", diz o advogado da Araupel, Leandro Salomão. Ele acredita que a versão do Incra é uma tese inventada pelo instituto para permitir atender aos sem-terra sem a necessidade de comprar terras ou indenizar proprietários.

O embate entre a empresa e o Incra foi parar na Justiça. A Araupel entrou com pedido de reintegração de posse assim que o MST ocupou as terras. A Justiça concedeu o pedido, que até hoje não foi cumprido. Ao mesmo tempo, o Incra conquistou uma vitória em primeira instância, com uma sentença favorável concedida pela juíza federal Lilia Côrtes de Carvalho de Martino. A Araupel recorreu. Enquanto isso, parte das terras ocupadas, que formam a área de preservação particular, ficam sem o devido cuidado. Foi nesse contexto que surgiu o incêndio no mês passado.

Segundo o gerente florestal José Marafiga, da Araupel, o incêndio é resultado das atividades do MST no acampamento, já que eles derrubaram árvores de produção madeireira. Ele acredita que eles tenham tentado limpar o terreno, e o fogo tenha saído do controle, atingindo a área das araucárias. "Desde a invasão, eles já destruíram quase 1.500 hectares de florestas plantadas. Também tem muita caça e muita morte de animais. Fizemos até um boletim de ocorrência por causa dos animais caçados", diz. Ele afirma que a fauna do local é exuberante, incluindo o registro de cinco dos oito grandes felinos que existem no Brasil, como a suçuarana e a jaguatirica, e que esses animais são alvo de caça.

A versão do MST é diferente. Em nota, a coordenação do movimento diz que não teve participação no fogo e que os sem-terra até mesmo ajudaram o Corpo de Bombeiros de Laranjeiras do Sul a controlar as chamas. E culpa a empresa. "Os trabalhadores rurais acreditam que se trata de um incêndio criminoso nas reservas florestais nativas. Os Sem Terra já registraram boletim de ocorrência e estão colaborando para descobrir a causa do incêndio. Uma das suspeitas seria a própria empresa Araupel, que se reivindica proprietária das terras onde as famílias estão acampadas." O MST e o Incra dizem que as matas nativas serão mantidas como unidade de conservação, só que dentro do assentamento.

Enquanto o embate não é resolvido, o destino das araucárias, que deveriam estar protegidas, é incerto. Pela lei, uma RPPN é perpétua. Ou seja, se uma empresa decidir transformar oficialmente suas áreas numa unidade de conservação particular, isso é para sempre, ela nunca pode voltar a ser área produtiva. Mas nunca houve caso em que o título onde a RPPN foi criada fosse contestado por decretos tão antigos quanto da era do Império ou do governo Vargas. Tecnicamente, isso pode se transformar numa brecha para desfazer a área protegida e deixar o único tipo de pinheiro nativo do Brasil ainda mais próximo da extinção.

http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/blog-do-planeta/noticia/2015/09/…

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