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Conferência inaugura mundo pós-Kyoto

FSP, Ciência, p. A11
06 de Dez de 2004

Conferência inaugura mundo pós-Kyoto
Reunião da ONU que começa hoje na Argentina discutirá entrada em vigor do protocolo e o que fazer quando ele expirar

Da redação

Uma década depois de o mundo se comprometer a evitar o aquecimento global, 194 nações se reúnem a partir de hoje em Buenos Aires para rever se as ondas de calor freqüentes e o rápido aquecimento ártico podem significar que o planeta esteja chegando ao limite. E também para comemorar a entrada em vigor, marcada para fevereiro, do único instrumento internacional já concebido para começar a atacar o problema: o Protocolo de Kyoto.
A Décima Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, ou simplesmente COP-10, que vai até o próximo dia 17, deve terminar de azeitar o texto de Kyoto e começar a discutir como será o próximo sistema de redução de emissões dos gases que causam o efeito estufa. Com os EUA, maior poluidor mundial, de fora do acordo desde 2001, muitos especialistas acreditam que, depois que Kyoto expirar, em 2012, não deve haver um segundo período de compromisso nos mesmos moldes.
Por isso, a COP-10 também buscará meios de persuadir o governo americano a se realinhar a uma luta liderada pelas ONU contra a mudança climática e tentará envolver também grandes nações em desenvolvimento, como China, Índia e Brasil -que, por Kyoto, não têm meta de redução de emissões a cumprir.
Os representantes de Estado irão revisar a convenção de mudança climática da ONU, assinada no Rio de Janeiro em 1992 e em vigor desde 1994, e sua meta de limitar os gases de efeito estufa.
"Você pode perguntar se as mudanças já observadas são perigosas", diz Rajendra Pachauri, chefe do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática). "Será uma decisão política."
Os anos 1990 foram provavelmente a década mais quente em um milênio e 1998 foi o ano mais quente desde que os registros começaram a ser feitos, em 1850.
Um relatório elaborado por oito nações e apresentado no mês passado mostrou que o Ártico está aquecendo num ritmo duas vezes maior do que o resto do globo.
Grupos nativos afirmam que cortes muito mais radicais nas emissões de gases-estufa pela queima de combustíveis fósseis serão necessárias quando Kyoto concluir seu termo.
Outro estudo, publicado na semana passada na revista científica britânica "Nature", afirmou que as atividades humanas, notavelmente a queima de combustíveis fósseis por carros e usinas de energia, dobrou o risco de ondas de calor como a que assolou a Europa em 2003, matando mais de 20 mil pessoas.
O principal negociador norte-americano, Harlan Watson, disse que ainda não há informação suficiente para definir "perigoso". "O grosso da opinião científica é de que não sabemos o suficiente para predizer o impacto."
A União Européia e alguns grupos ambientalistas querem limitar qualquer aumento da temperatura global a 2C. A temperatura subiu 0,6C no último século.
Como alternativa, Pachauri disse que as nações poderiam estabelecer um limite para concentrações do gás carbônico -o principal gás-estufa- na atmosfera, que cresceram em 30% desde o início da revolução industrial.
Os EUA dizem não ter planos de voltar a unir forças com os esforços da ONU. Bush, aliás, não é o único a fracassar nas metas de Kyoto. As emissões de gás carbônico pelas nações ricas reunidas no protocolo estão 8,4% acima dos níveis de 1990, segundo a ONG ambientalista WWF.
Com Reuters

Amazônia põe Brasil na mira

Cláudio Ângelo
Editor de Ciência

Para o Brasil, a COP-10 começa para valer na sexta-feira, dia 10. É nessa data, segundo o Ministério da Ciência e Tecnologia, que representantes do governo deverão divulgar a tão aguardada comunicação nacional, o inventário das emissões de gases-estufa do país.
Ele deve revelar aquilo que o governo tenta camuflar há mais de dois anos, mas que ambientalistas e toda a comunidade científica já sabem: que o grosso das emissões brasileiras de CO2, o principal gás a provocar o aquecimento anormal da atmosfera, vem do desmatamento na Amazônia.
As emissões por queimadas e desmatamento seriam da ordem de 200 milhões de toneladas de gás carbônico por ano. Muito acima das 70 milhões de toneladas que o setor energético (incluindo aí transportes, hidrelétricas e termelétricas) nacional emite.
Se as emissões por florestas fossem consideradas, o Brasil deixaria de ser o 17o maior emissor do planeta e passaria à quinta posição, na cola de nações altamente poluidoras como EUA e Rússia.
A comunicação nacional faz parte do dever de casa de todos os signatários da UNFCCC, sigla pela qual a convenção da ONU sobre mudança climática é conhecida. Apesar de não haver um prazo oficial, todos os países-membros devem apresentá-la.
O inventário brasileiro está "em revisão" pelo Ministério da Ciência e Tecnologia pelo menos desde 2002. Como o dado é sensível e deve aumentar ainda mais a pressão internacional sobre o Brasil, sua divulgação tem sido adiada desde o governo FHC.
Com a ameaça de um novo recorde na taxa anual de desmatamento em 2004, o Brasil deve virar novamente foco de atenções do exterior com seus resultados.
Em carta entregue ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último dia 30, o Fórum Brasileiro das ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (FBoms) pediu que a comunicação nacional fosse divulgada e seus resultados, amplamente debatidos.
"De um lado, isso poderia aparentemente aumentar a fragilidade do governo. Mas também mostraria que o ministério está disposto a discutir a questão", diz Rubens Born, do Instituto Vitae Civilis, ONG que integra o fórum.
Até agora, o governo Lula não marcou uma data para apresentar o relatório no Brasil.

Buenos Aires muda para COP

Silvana Arantes
De Buenos Aires

A COP-10 começa com pequenas mudanças na geografia de Buenos Aires, na tentativa de atrair a atenção popular para os temas em debate no encontro.
O grupo Greenpeace ergueu uma arca ao lado do grande cartão postal da cidade -o Obelisco, no ponto central da avenida 9 de Julho, onde pretende fazer hoje uma "colorida manifestação".
O apelo ao engajamento da população assumiu a forma de um slogan: "Para que o clima não mude, mudemos nós". É tímida, porém, a divulgação da COP-10. Só no fim da semana passada o governo da cidade começou a decorá-la com mensagens de boas-vindas aos 8.000 participantes.
A estimativa oficial é que 29 milhões de pesos (R$ 26 milhões) sejam movimentados durante as duas semanas de encontro.
A COP se concentrará num centro de convenções (onde o Greenpeace quer manter outra Arca de Noé, metáfora da necessidade de ação para contornar a tragédia). O presidente Néstor Kirchner, que tem declarado desapreço por cúpulas, é aguardado na abertura.

FSP, 06/12/2004, Ciência, p. A11

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